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Índios ingressam na educação digital

Valor Econômico - http://www.valoronline.com.br
Autor: Timóteo Camargo
28 de Jun de 2010

A Fundação Bradesco, em parceria com a prefeitura de São Gabriel da Cachoeira (AM), inaugurou no início de junho um Centro de Inclusão Digital (CID) na sede do município. A iniciativa, apoiada pela Cisco Systems, British Telecom e Microsoft, tem o desafio de levar educação à distância à região com a maior concentração de indígenas de etnias diferentes do Brasil.

Há quatro anos, Sileusa Menezes Monteiro deixou a comunidade de Taracuá para viver com a família na cidade de São Gabriel da Cachoeira, a dois dias de barco de sua terra natal e 850 quilômetros de Manaus. Seus pais são de etnias diferentes: o pai é dessano e a mãe, tukano - exemplo da diversidade cultural da região do Alto Rio Negro no extremo noroeste do Amazonas, onde convivem 23 grupos indígenas, que falam 19 línguas. O município de São Gabriel da Cachoeira abriga mais de 400 comunidades indígenas. A cidade é o polo político, comercial e logístico para cerca de 42 mil habitantes - 96% deles indígenas.

O primeiro computador da família de Sileusa foi comprado em 2008, quando sua irmã entrou na faculdade. Este ano, Sileusa foi aprovada no vestibular para economia, oferecido via satélite a partir de Manaus. Motivada pela vontade de "conhecer mais do mundo lá fora e crescer na vida profissional", ela foi uma das 20 pessoas a se matricular no primeiro curso oferecido pela Fundação Bradesco no Centro de Inclusão Digital - o que faz cada vez mais sentido para os povos da região, tão acostumados a superar distâncias.

O espaço físico do CID foi cedido pela prefeitura em uma escola pública, onde a Fundação prevê a realização de 600 atendimentos anuais. Estão disponíveis para a comunidade 310 cursos, desenvolvidos pela instituição e por parceiros nacionais e internacionais, como o Bradesco, Fundação Mário Covas, MIT, Microsoft e Cisco Systems - em áreas variadas, como gestão escolar, língua inglesa e investimento no mercado de ações.

Para acessar o conteúdo armazenado na internet, o CID conta com um link via satélite de 1.5 Mbps instalado pela British Telecom. A velocidade pode parecer convencional, mas equivale a 25% da banda total que o maior provedor de acesso da cidade distribui para mais de 100 clientes. "Poucas pessoas podem ter internet em casa. É muito caro. Mas aqui podemos conhecer mais do mundo e crescer profissionalmente", comemora Sileusa, que tinha acesso à internet às vezes no trabalho.

Os computadores do CID foram doados pelo Bradesco, após a substituição de um lote de 70 mil Pcs pelo banco. Antes de chegarem ao Amazonas, os equipamentos foram reformados pela Planac Informática, empresa parceira do projeto. "São usados de dois a três computadores para montar um em perfeito estado de funcionamento", diz Nivaldo Tadeu Marcusso, superintendente da Fundação Bradesco. As licenças de software foram cedidas pela Microsoft.

A maioria dos cursos é oferecida sem tutoria, e podem ser acessados pelos usuários do CID no laboratório de informática ou de outro local, e escolhidos de acordo com o interesse de cada um. As capacitações são programadas pela Fundação, que prepara os instrutores locais e oferece acompanhamento às turmas por telefone e internet. "Nosso foco é a melhoria da educação e o aumento da empregabilidade", afirma Marcusso.

A Fundação Bradesco mantém outros quatros centros de inclusão digital em comunidades indígenas e criou um portal específico para intercâmbio cultural entre comunidades indígenas na internet. Na aula inaugural do CID em São Gabriel da Cachoeira, os alunos conversaram ao vivo com indígenas terenas da do Mato Grosso do Sul e javaés do Tocantins.

A inauguração do CID reuniu no feriado de Corpus Christi, em junho, autoridades, professores da rede pública e representantes da Fundação Bradesco uma cerimônia que destacou as culturas da região. Alunos de uma escola municipal encenaram lendas, mitos e danças dos grupos baré, baniwa e tukano. Com flautas, incenso e roupas típicas, homens e mulheres apresentaram rituais antigos preservados. Um pajé abriu a programação com o ritual de defumação.

O agradecimento da comunidade pela instalação do CID foi feita em português, nheengatu, baniwa e tukano. Nivaldo Marcusso foi homenageado com um cocar. "O CID de São Gabriel da Cachoeira é o primeiro em área indígena a receber cursos da Cisco", falou Nivaldo. O superintendente da Fundação Bradesco afirmou que a instituição pretende levar instrutores para treinamento em São Paulo e apresentar o case da cidade em eventos da Cisco nos EUA.

Pensando no desafio de posicionar melhor jovens indígenas no mercado, o curso escolhido como carro-chefe foi o IT Essentials I, de software e hardware desenvolvido pela Cisco Networking Academy. "Ao mesmo tempo em que pode oferecer mão de obra ao mercado local, o curso tem o conteúdo afinado com certificações internacionais e demandas das grandes empresas de TI", diz Marcusso.

Melvino Fontes Olimpio, da etnia baniwa, trabalha como assistente administrativo em um órgão público. Antes de matricular-se no CID ele havia feito cursos básicos de informática e usava o computador no trabalho. Melvino acredita que o curso vá abrir novas oportunidades de trabalho. "O reconhecimento internacional é importante, porque torna possível uma experiência profissional em Manaus ou até fora do Estado", diz.

Leonardo Augusto Soares, de Manaus, cursou quatro módulos da Cisco Academy na Fundação Bradesco e obteve na primeira tentativa a certificação Cisco Certified Network Associated (CCNA). Trabalhou por três anos como analista de infraestrutura de rede em uma multinacional e hoje divide seu tempo entre o cargo de analista de sistemas do Tribunal de Justiça do Amazonas e consultorias a empresas que prestam serviços de rede na Zona Franca de Manaus. "No CID, eu aprendi na prática muita coisa que na faculdade só via na teoria", conta Leonardo. "Se eu falo no Japão que eu sou (certificado com) CCNA, as pessoas sabem o que é e valorizam", ressalta.

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