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Índios ganharão para preservar floresta

FSP, Ciência, p. A15
02 de Mai de 2009

Índios ganharão para preservar floresta
Reserva tembé, no Pará, deve fechar contrato para emitir créditos de carbono em troca de cerca de R$ 1 milhão por ano
Negócio em mercado fora do acordo de Kyoto sobre efeito estufa vai contra a posição do governo, que teme estímulo ao desmate

João Carlos Magalhães
Da agência Folha, em Belém

Os índios tembés, que vivem no Pará, pretendem fechar até o final de maio o primeiro contrato no país para a preservação de um território indígena em troca de participação na venda de créditos de carbono gerados pela manutenção da floresta.
A negociação, com uma empresa brasileira, a C-Trade, vem sendo tratada desde junho do ano passado. Ela contraria a posição defendida pelo Estado brasileiro sobre o tema.
Segundo o governo federal, a quantidade de mata preservada no país é tão grande que os créditos gerados por sua simples manutenção são capazes de permitir a empresas que aumentem a poluição, e não o contrário. A questão costuma dividir ONGs ambientalistas no país e no exterior.
Mas tanto os índios quanto a Funai (Fundação Nacional do Índio), assim como indigenistas da UFPA (Universidade Federal do Pará) e o Ministério Público Federal, concordaram, previamente, com os termos da proposta apresentada. Ela ainda precisa ser oficialmente chancelada pela etnia.
Segundo a oferta, 85% do dinheiro conseguido pela empresa ao vender no mercado os créditos de carbono irá para os tembés. Os valores ainda não foram fechados, mas os repasses à tribo devem ultrapassar R$ 1 milhão por ano, ou cerca de R$ 1.428 para cada uma das 700 famílias da reserva. Hoje, a maior parte delas não tem nenhum tipo de renda.
Dos 279,8 mil hectares da reserva, 69 mil foram "ofertados" para serem preservados. A intenção é, anualmente, fazer uma análise periódica da área, que determinará o quanto foi desmatado e o que foi preservado, para então os valores serem aumentados ou diminuídos.
Segundo Felício Pontes, procurador da República que atua no caso, não há nenhum impedimento jurídico para que o negócio seja fechado, apesar da posição do governo.
"Essa ideia pode ser uma solução para o problema de como proteger áreas indígenas de todo o país." A Folha tentou falar com a empresa C-Trade, mas não conseguiu.
Hoje, o chamado mercado "regular", atrelado ao Protocolo de Kyoto, ainda não aceita a comercialização de créditos gerados pela preservação das florestas tropicais.
Em compensação, o mercado "voluntário" -do qual participam empresas de países não signatários do protocolo, por exemplo-, aceita.
O impasse sobre aceitar ou não créditos de carbono para manter a floresta em pé, no Brasil ou fora, deve ser debatido em dezembro, em Copenhague (Dinamarca), durante a Conferência do Clima.
No caso do Pará, a maior discussão atualmente é como gerir os futuros recursos. A ideia mais forte até agora, segundo as pessoas envolvidas na negociação, é que parte do dinheiro seja prioritariamente investida em projetos já em andamento, como produção de mel, e o resto seja distribuído igualmente entre todas as famílias.

Distribuição de renda
O que Funai e indigenistas temem é que o dinheiro seja administrado por poucos índios. Se estes enriquecerem sozinhos, a maioria da comunidade continuará miserável.
Para Juscelino Bessa, administrador da Funai em Belém (PA), o contrato gera receio, pois ainda não há experiência ou regulamentação específica sobre esse tipo de negócio.
"Mas tivemos que fazer isso, pois estamos com a corda no pescoço." Ele se refere à atual situação da terra tembé Alto Rio Guamá, no nordeste do Estado, invadida por posseiros, grileiros e traficantes de droga, para plantar maconha (leia texto abaixo, à esquerda).

Madeireiros e traficantes frequentam área de reserva para negociar com etnia

Da agência Folha, em Belém

Primeira etnia do Pará a ter uma área reservada para si, ainda na década de 1940, os tembés têm hoje um dos territórios mais ameaçados do Estado, de acordo com a Funai (Fundação Nacional do Índio).
A Terra Indígena Alto Rio Guamá, no nordeste do Estado, foi homologada em 1993. Mas em 1945, quando o modelo jurídico da homologação ainda não tinha sido criado, o interventor federal Magalhães Barata "demarcou" a área para o grupo.
Hoje, a terra é invadida por grileiros, madeireiros, posseiros e traficantes, que plantam maconha lá. Em abril, 2.500 pés da planta foram destruídos pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
Em fevereiro de 2008, invasores chegaram a tomar índios como reféns, depois foram presos. Os posseiros reivindicavam áreas dentro da reserva.
Para Juscelino Bessa, administrador da Funai em Belém (PA), os tembés estão sucumbindo às dificuldades e negociando com madeireiros toras retiradas ilegalmente. "Vendem quase de graça."
Valdeci Tembé, um dos líderes da etnia, concorda. "Isso [madeira] não dá quase nada. Vamos ver se o contrato dá certo. A ideia é essa." (JCM)

FSP, 02/05/2009, Ciência, p. A15

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