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Índios e colonos, o fim de uma paz de décadas

O Estado de S. Paulo-SP
Autor: EDSON LUIZ
28 de Out de 2001

Indecisão do governo acirra problema em Mato Grosso do Sul. Indígenas ficaram agressivos

Há um mês a família de Almir Sampaio Borges não consegue dormir com tranqüilidade. Os gritos ecoando no meio da noite e a lembrança de fatos ocorridos dias antes deixam o colono e seus cinco filhos aterrorizados. Borges foi mais uma das vítimas da invasão de terra no sul de Mato Grosso do Sul pelos índios caiovás-guaranis, com quem manteve uma relação cordial durante anos. A indefinição do governo sobre a posse de diversas áreas - todas adquiridas legalmente pelos agricultores - e a suspeita da existência de grupos interessados no conflito, cada vez mais violento, está tornando o clima tenso e perigoso.

Para os próximos meses, há previsão de novos confrontos em pelo menos 20 locais, além de Panambizinho, Ipitá e Fazenda Brasília Sul, onde vivem em torno de 15 mil guaranis e em torno de 45 fazendas e pequenas propriedades.

Hoje, Borges e dezenas de outros pequenos e grandes produtores vivem apavorados com a possibilidade de perder as áreas adquiridas legalmente há mais de meio século.

Evangélico, ele sempre foi uma pessoa pacata e teve sua vida toda mudada nos últimos dias, depois que cerca de 40 índios armados tomaram parte de suas terras. "Nunca na minha vida havia passado por isso", diz ele, diante da mãe Aidê Ferraz Borges, de 81 anos, de parte dos 12 irmãos e dos filhos.

Borges e outros cinco colonos próximos à sua área, em Panambizinho, distrito de Dourados, foram dominados há mais de um mês pelos índios caiovás- guaranis, armados de flechas, revólveres, paus e lanças. Perdeu uma parcela da terra, mas o drama não se encerrou por aí. Hoje, diariamente índios gritam à noite em seu quintal, uma forma de atormentar a família ou atiram flechas em direção à casa e pisam nas plantações de forma intencional.

"Eles queriam invadir minha terra, assim o fizeram, mas também nos pressionaram sem razão e até machucaram pessoas", conta o colono, de 59 anos, 50 deles vividos na região. Para confirmar que as terras onde vivem são da família, a mãe Aidê mostra diversos títulos adquiridos no final da década de 40. Todos oficiais, tanto dos governos de Mato Grosso e Federal, como do próprio Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Violência - Índios, colonos e fazendeiros sempre viveram na mesma área. E, mesmo que não tivesse uma convivência cordial, pelo menos era pacífica até o mês passado, quando diversos grupos indígenas começaram a usar e abusar da violência para conseguir mais terra. O primeiro caso acontece com a família de Almir Borges e logo em seguida na Fazenda Brasília Sul, em Jutí (MS).

Lá foi bem pior. Além de fazerem trabalhadores como reféns, os índios depredaram a propriedade, numa ação que o delegado Lásaro Moreira da Silva, chefe da Delegacia da Polícia Federal em Dourados, definiu muito bem: "Foi banditismo puro". O policial culpa a família Veron, formada pela acadêmica de Direito Dirce, seu irmão Araldo, que é motorista, e o pai Marco, aposentado do Ministério da Agricultura. "Eles não tinham porque fazer isso.

Na aldeia onde moram tem água e tudo que precisam", afirma Lásaro.

A atuação dos Veron leva policiais e os produtores a acreditarem na existência de um movimento de incitação aos índios. Tanto é que o episódio da Fazenda Brasília Sul está servindo de exemplo para outros grupos. "Se a Justiça não garantir o resto da terra, vamos invadir de qualquer jeito", anuncia o índio 'capitão' Nelson Conciança. Eles reivindicam 1.240 hectares, sendo que 7,5 ha já foram tomados de Almir Borges. "Vamos ocupar tudo."

Apesar disso, Conciança é tido como uma pessoa de diálogo, ao contrário das jovens lideranças, que desafiam a todos.

Vizinho de Borges, o pequeno agricultor Mário Lopes de Oliveira também teme pelo pior. "Se eles fizeram isso em outras terras, podem querer a minha também. E a área não está entre as reivindicadas pelos índios", afirma Oliveira, que cria galinha, planta milho e soja nas terras adquiridas há 46 anos. "Não podemos continuar neste clima de tensão", diz o colono, dividindo a atenção entre o cultivo da terra e uma aldeia de índios formada dentro das terras do vizinho.

O problema se estende há mais de meio século e se agravou há cinco anos, quando o então ministro da Justiça, Nelson Jobim, hoje no Supremo Tribunal Federal (STF), assinou uma portaria reconhecendo as terras como indígenas. A partir daí, os conflitos se tornaram maiores e ainda não terminou em tragédia por causa da precaução dos dois lados. "O índio e o colono são pacíficos, mas hoje estamos sem amparo nenhum", diz o deputado e pecuarista José Teixeira (PFL).

O pecuarista afirma que os índios estão sendo seduzidos pelas organizações não governamentais, além de se basearem em um único documento, para tentar a posse da terra. Teixeira refere-se ao relatório feito pelo antropólogo Antonio Brand, da Universidade Católica Dom Bosco, de Campo Grande. "Tudo baseado na história de um único índio. Quer dizer que, se ele estiver mentindo, a mentira vale mais que dez verdades nossas", observa Teixeira.

Barril - Até mesmo pessoas ligadas à causa indígena admitem a interferência de outros setores nas aldeias, principalmente nos últimos dois anos. "A tática que alguns índios estão adotando é da irresponsabilidade total. Acho estranho que eles participem hoje de atos absurdos e contrários até à cultura deles mesmos", afirma o antropólogo Gilberto Azanha, que atua na região. "Acredito que alguém possa até usar essas táticas para descaracterizar a cultura dos guaranis. A opção de luta adotada não é característica deles", analisa.

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), acusado de estar por trás das ações desencadeadas pelos índios, defende-se afirmando que, caso fizesse isso, estaria prejudicando a si próprio. "Que interesse temos nas invasões, se ela se voltará contra nós? Se quiserem um bode expiatório, ele é o próprio governo, causador disso tudo", afirma o assessor jurídico da instituição, Maucir Pauletti.

O próprio Cimi afirma que os conflitos devem crescer nos próximos meses, podendo chegar até 20 áreas. "Os índios retomaram o processo de conscientização. Em quatro ou cinco aldeias eles batem o pé, dizem que não deixam a terra e conseguem a demarcação", diz Pauletti, sentenciando: "A região é um barril de pólvora."

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