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Índios desabafam sobre construção da Usina de Belo Monte

Fantástico - http://fantastico.globo.com/
25 de Abr de 2010

Onde fica Belo Monte? Quem vive lá? Entenda por que tem tanta gente brigando por esse pedaço de terra.

Belo Monte fica no Pará, a 940 quilômetros de Belém, e há mais de 30 anos está no noticiário. Tudo por causa da intenção do governo de construir ali a terceira maior hidrelétrica do mundo. Esta semana, em meio a uma batalha judicial que ainda não acabou, o leilão para a construção da usina foi, enfim, realizado.

A palavra é Belo Monte. "Belo Monte? Que eu conheça é um bar que tem ali", diz um jovem. "É alguma coisa ligada à moda? Não?", pergunta uma mulher. Passaram longe! Será que alguém sabe onde fica? "Não faço a menor ideia", confessa um senhor.

Poucas paisagens no mundo guardam tantas formas de vida. É justamente na Volta Grande do Xingu que será construída uma obra gigantesca. A barragem da usina de Belo Monte vai passar exatamente num trecho do rio com muitas ilhas mais montanhosas, o que vai ajudar no represamento das águas. Só que a energia só vai ser gerada a 50 quilômetros da barragem.

A água vai ser desviada por imensos canais, de 250 metros de largura. Eles vão alimentar um lago, inundando 516 quilômetros quadrados de terra. É de um reservatório que sairá a água para rodar as turbinas da terceira maior usina do mundo.

Só que esse desvio das águas vai reduzir a vazão em cem quilômetros do rio, quase toda a Volta Grande do Xingu. Em época das chuvas, a água avança pra dentro da mata.

Chegamos à aldeia dos Araras da Volta Grande. No limite das fazendas, eles já sofreram miscigenação e falam português. Ainda estavam sob o impacto da notícia do leilão que decidiu o consórcio que vai construir a usina.

É que os Araras vivem bem na curva da Volta Grande do Xingu, esse pedaço do rio que vai ter a vazão controlada. Depois de construída a represa, o Xingu não vai ter nem cheia, nem seca. Vai correr sempre no mesmo nível. O que os Araras temem é que o rio seque, a água fique quente demais e mate os peixes, que são a fonte da vida na aldeia.

"Tem muitas crianças que vão ver quando chegar na idade deles, já vão encontrar o rio seco. Não vão mais encontrar do jeito que Deus deixou", disse uma índia.

O jovem cacique Joceney Arara, de 23 anos, sabe que dias difíceis virão. "A gente está preparado pra o que der e vier. A gente já fez vários movimentos pra chamar a atenção do governo. A gente não vai recuar, vai partir para cima para mostrar como é o nosso dia a dia na comunidade".

Na aldeia, o diretor do filme "Avatar", James Cameron, e a atriz Sigourney Weaver se reuniram com lideranças indígenas da região. Cameron se engajou na luta. Nos anos 1980, o cantor Sting e o cacique Raoni conseguiram impedir a construção com projeto que alagaria uma área três vezes maior. Na época, a pressão do exterior funcionou porque o Brasil precisava de dinheiro de fora para obra.

Na cidade de Altamira, pelo menos quatro mil famílias que vivem nos igarapés devem ser transferidas, porque a água vai subir. "Sou contra, porque a barragem vem trazer muita destruição pra nós", afirmou a dona de casa Francinete Kuruaia.

Para quem não tem trabalho, a usina é esperança. "O único movimento que tinha aqui era madeireira. Agora fechou tudo, agora a gente ficou desempregado um tempão e nunca teve uma solução para nós", alegou José Carlos Ferreira

Os empresários de Altamira apóiam a obra, mas com condições. "Só interessa Belo Monte se resolver o ordenamento fundiário, a Transamazônica, eletrificação rural. São os três maiores gargalos que nós temos", avaliou Vilmar Soares, do movimento Fort Xingu.

A obra vai atrair 80 mil pessoas. Com asfalto na Transamazônica, deve aumentar o desmatamento na região, que já é a campeã de destruição. Os pequenos agricultores que vão ter os sítios inundados não querem deixar a terra de fartura.

"Vem o milho, vem o arroz, vem o feijão, vem o cacau. Isso aqui é como se fosse uma vaca de leite que todo dia você tira, todo dia vinga", diz um agricultor.

Seguimos a viagem. Uma hora de voo sobre a floresta intocada até avistarmos a aldeia às margens do Rio Bacajá, um afluente do Xingu. Os Xicrin são um ramo dos Kaiapós e uma das seis tribos que serão atingidas. O povo xicrim faz a dança da guerra, mas o ânimo que encontramos não foi o de guerreiros prontos para a batalha e sim o de um povo com medo e sem saber o que esperar do futuro.

Os homens se reúnem na casa do guerreiro e, numa deferência, convidam a repórter Sonia Bridi a sentar com eles. As mulheres não se aproximam, continuam suas tarefas, tímidas. Na beira do Rio, o velho cacique Onça explica seu temor: "E se o rio secar, o que vão fazer conosco? Sem água, a caça vai embora, não vai ter peixe nem água pra beber. Então por isso nós somos contra a barragem".

O risco de destruição foi apontado por um painel de 40 cientistas. Em Brasília, o responsável pelo projeto, Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética, responde: "É importante tranquilizar a população local, porque foi estipulado pela Agência Nacional da Água e pelo Ibama uma vazão que seja condizente com a manutenção da piscicultura, a manutenção da navegação, com a manutenção da vida das comunidades que vivem do rio".

Os índios exigem que um 'benajoro', um líder grande, vá até a aldeia e dê sua palavra. De repente, uma das mulheres chega empunhando um facão e se posiciona na frente da câmera.
A repórter se lembra na hora da índia Tuíra, também kaiapó, que duas vezes enfrentou autoridades armada assim.

Em 1989, num debate sobre a usina, ela tocou com seu facão um engenheiro, que hoje é o presidente da Eletrobrás. Dezenove anos depois, de novo Tuíra começou uma confusão que deixou ferido um engenheiro. Mas hoje a índia Moroktchoi quer falar.

"Tenho medo porque tenho neto, tenho minha mãe velhinha, tenho medo de morrer. Que venha o chefe branco, explique o que vai acontecer. Porque se matar minha mãe e meus netos, vou matar também", desabafou a índia.

Feita a ameaça, ela se afasta e, uma a uma, as mulheres vêm falar do medo, da insegurança que sentem. A velhinha diz que já não dorme, não come, nem trabalha direito. O Xingu está prestes a mudar mais uma vez. E de novo os índios estão se unindo, para tentar impedir que seu paraíso desapareça.

http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL1578965-15605,00.html

A REPORTAGEM ACOMPANHA VÍDEO.

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