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Índios denunciam 12 garimpos na reserva

Folha de Boa Vista - www.folhabv.com.br
Autor: Loide Gomes
29 de Nov de 2008

Dezesseis anos após a homologação da terra indígena Yanomami, em Roraima e no Amazonas, a garimpagem ilegal ainda avança sobre o rio e a floresta. Na estimativa dos índios, há cerca de dois mil homens extraindo ouro em 12 garimpos somente no lado roraimense da reserva. A exploração do minério utiliza balsas e pistas clandestinas, além de disseminar doenças entre os yanomami.

A garimpagem ilegal é uma das principais reclamações dos cerca de 280 índios que participam da III Assembléia Geral da Hutukara Associação Yanomami, que acontece desde o dia 23 na sede da instituição na terra indígena, às margens do rio Ajarani, no município de Caracara. No mesmo local, a Funai (Fundação Nacional do Índio) também mantém um posto de atendimento. A Assembléia termina neste domingo (30).

Os yanomami identificaram os pontos de garimpagem e montaram um mapa onde destacam com pontos vermelhos os locais onde a atividade é exercida. Pelo documento, percebe-se que a ação se estende por toda a reserva, que em Roraima tem 5,7 milhões de hectares.

Dário Vitório Kopenawa Yanomami, professor e tesoureiro da associação, conta que os garimpeiros exploram principalmente a região do rio Catrimani, em oito balsas. Na cabeceira do rio, há três pistas clandestinas. Duas delas são conhecidas por Hélio e Chico Relógio.

No Tootobi, segundo ele, existe outra pista clandestina, praticamente na linha que delimita o Brasil e a Venezuela. Já no Paapiu haveria mais garimpo. Neste ponto, os índios dizem que dez garimpeiros não só exploram o minério como fixaram residência. Na região do Alto Mucajaí, a ação é no Igarapé Jacaré. Dário afirma que os índios confirmaram uma balsa, mas suspeitam da existência de outras. Por fim, no rio Uraricoera, eles confirmam a existência de mais três garimpos.

O problema da atividade não se restringe à disseminação de doenças e destruição da natureza, com a conseqüente redução de alimentos para os índios, que ainda vivem da pesca, da caça e da coleta. A presença dos garimpeiros provoca a desordem social desse grupo de pessoas que habita a região há cerca de mil anos, segundo os estudiosos.

No Parafuri, um garimpeiro casou com uma índia e tem cinco filhos com ela. "A comunidade não aceita e quer expulsá-lo de lá", relata Dário. Em outras áreas, há mulheres trabalhando na extração do ouro. "Temos conhecimento de pelo menos três mulheres", acrescentou.

SELVA LIVRE - Os yanomami formam uma sociedade de caçadores-agricultores da floresta tropical do Norte da Amazônia (Roraima, Amazonas e Venezuela). Seu território cobre, aproximadamente, 192.000 quilômetros quadrados, situados em ambos os lados da fronteira Brasil-Venezuela na região do interflúvio Orinoco-Amazonas (afluentes da margem direita do rio Branco e esquerda do rio Negro).

Constituem um conjunto cultural e lingüístico composto de, pelo menos, quatro subgrupos adjacentes que falam línguas da mesma família (Yanomae, Yanõmami, Sanima e Ninam). No Brasil, a terra indígena cobre 9.664.975 hectares, ou 96.650 quilômetros quadrados de floresta. Em Roraima, são 5,7 milhões de hectares nos municípios de Caracaraí, Iracema, Mucajaí, Alto Alegre e Amajari. A população no lado brasileiro é estimada em 19 mil indivíduos.

A terra indígena foi homologada pelo então presidente Fernando Collor, em 25 de maio de 1992. Logo após, o Governo Federal iniciou a Operação Selva Livre, para a retirada dos garimpeiros, que no auge da corrida ao ouro somavam entre 30 e 40 mil.

A Polícia Federal encerrou a operação há sete anos, mas deixou para trás alguns núcleos de garimpagem, que só aumentaram desde então, afirma Dário. O pior, segundo ele, é que agora os índios também sofrem com o ataque de madeireiros, pescadores e fazendeiros. A região do Apiaú seria a mais atingida.

Governo prepara operação de retirada

O administrador da Fundação Nacional do Índio (Funai), Gonçalo Teixeira, explicou para os índios, durante a Assembléia Geral, que o Governo Federal prepara para o próximo ano uma grande operação para retirada dos garimpeiros que permanecem no local.

Gonçalo relatou que no dia 9 de novembro ele, um delegado da Polícia Federal e mais três agentes fizeram um levantamento dos garimpos. Eles tiraram fotos e identificaram as áreas com GPS (Sistema Global de Posicionamento). Depois, fizeram um relatório que foi encaminhado à Diretoria-geral da Polícia Federal, em Brasília. "Em comparação aos dados anteriores, aumentou consideravelmente o desmatamento na terra indígena", admite.

Enquanto a operação não é realizada, ele informou que a Funai iniciou uma ação de fiscalização em conjunto com os yanomami para coibir a mineração, o desmatamento e a entrada de pescadores. "Nós disponibilizamos um carro, que já está sendo usado para fiscalizar a região do Baixo Mucajaí, Alto Catrimani, Ajarani e Apiaú".

DESINTRUSÃO - Paralelo ao trabalho de fiscalização, Gonçalo anunciou que a Funai atua na desintrusão dos fazendeiros que permanecem na terra indígena. Segundo ele, há dois grupos de trabalho da fundação trabalhando no pagamento da indenização de 17 famílias cujas posses já haviam sido vistoriadas.

O outro grupo começou na quinta-feira o levantamento fundiário das fazendas Nossa Senhora Aparecida, Paludo, Nova Esperança, Três Barras, Lajeado, Repartimento e Pouso Alegre, todas na região de Ajarani, em Caracaraí.

O trabalho é feito por três técnicos da Funai e um do Incra. A previsão é que o serviço seja concluído no dia 20 de dezembro. Após a elaboração do laudo fundiário, a Funai deverá efetuar o pagamento das indenizações pelas benfeitorias de boa-fé, uma vez que os dois fazendeiros remanescentes concordaram em deixar a área. Eles perderam a ação judicial para permanecer na terra indígena.

Davi Yanomami conclama a união de índios e não-índios para preservar a Amazônia

Na abertura dos trabalhos da Assembléia da última quinta-feira, o presidente da Hutukara, Davi Kopenawa Yanomami, fez um duro discurso contra a garimpagem e a assistência precária à saúde e à educação na reserva, mas também defendeu a paz e conclamou a união entre os povos. "Índio é gente, chega de inimizade com o branco. Nós queremos respeito e não a contaminação da nossa língua, saúde e cultura".

Em sinal de respeito ao seu povo, primeiro o líder falou para os parentes, em yanomami. Depois, discursou em português especialmente para o administrador da Funai (Fundação Nacional do Índio), Gonçalo Teixeira; Titonho Beserra, superintendente do Incra(Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em Roraima; para a vice-prefeita de Caracaraí, Socorro Guerra e para representantes da Funasa (Fundação Nacional de Saúde), da Secretaria Estadual de Educação e da Diocese de Roraima, convidados a dar explicações sobre as reivindicações dos yanomami.

"Somos todos brasileiros. Vamos defender e preservar nosso país, nossa floresta, nossos rios, nossa água, pois sem a água vamos todos morrer de sede", pontuou.

Davi Yanomami lembrou que embora seu povo seja um grupo pequeno, não vai desistir de preservar a Floresta Amazônica. "Somos pequenininhos, mas temos coragem de dizer: queremos que vocês sonhem o sonho da terra, que pede socorro, porque estão acabando com a floresta".

Realista, ele observou que se a floresta tombar, não é só o índio que vai sofrer. "Vai faltar comida para o branco também. Por isso, vamos lutar juntos para defender nossa terra. Foi para isso que chamei vocês aqui, para conversarmos antes de destruírem a natureza", pediu, lembrando que

se a reserva não tivesse sido demarcada e homologada, a devastação seria ainda maior. "Se não tivesse índio aqui, vocês já tinham acabado com tudo". Pertinente o discurso do yanomami, palavra que em nossa língua significa ser humano.

Associação inaugura malocão na terra indígena

A III Assembléia Geral é o primeiro evento realizado no malocão da Hutukara Associação dentro da terra indígena. O local fica a cerca de 165 quilômetros de Boa Vista. Saindo da Capital, o acesso é pela BR-174. Antes de Caracaraí, é preciso pegar a BR-210, conhecida como Perimetral Norte. Quase cinqüenta quilômetros depois rodando em estrada de chão, o visitante chega a uma das fazendas que ainda não foram desocupadas.

É nesta fazenda que os funcionários da Funasa, da Funai e os convidados da Assembléia pegam as voadeiras que os levarão até a primeira base da terra indígena. A viagem dura mais de uma hora. Primeiro, descendo o rio Repartimento. Depois, subindo o rio Ajarani. Também é possível ir a pé ou de moto. A caminhada dura quarenta minutos. De moto, o percurso é de apenas dez minutos.

A recepção dos yanomami é calorosa. Eles gritam - como se fosse uma vaia - para dar boas-vindas aos visitantes. Eles são alegres e muito organizados, embora de baixa estatura e aparentando desnutrição. Muitos prepararam adereços novos especialmente para a ocasião. Entre os participantes, havia homens, mulheres e crianças.

Os jovens eram os mais interessados durante a fala dos visitantes. Anotavam tudo em seus cadernos. Usando laptops, os relatores preparavam as atas em três idiomas: português, yanomami e yekuana. Menos interessadas, as mulheres catavam e matavam nos dentes os piolhos dos filhos.

Entre os yanomami, há brasileiros e estrangeiros que os assistem - e eles realmente precisam de cuidados. O frei Carlos, que por quase vinte anos trabalhou com os índios, foi recebido com muito afeto. Além dele, havia representantes do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Instituto Sócio-Ambiental (ISA), CCPY e yanomami da Venezuela e do Amazonas.

A assembléia, a terceira deste ano, foi realizada com dinheiro internacional. A Hutukara elaborou projeto pedindo auxílio financeiro de diversas instituições brasileiras e estrangeiras. A ajuda só veio da Embaixada da Finlândia e de entidades de Londres (Inglaterra) e da Noruega. Foram gastos R$ 83 mil na compra de um gerador de energia, no transporte, alimentação e estadia dos índios, que ganharam até as redes.

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