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Índios da Nicarágua buscam independência

FSP, Mundo, p. A12
27 de Dez de 2009

Índios da Nicarágua buscam independência
Miskitos, que vivem de pesca de lagosta na região mais pobre e isolada do país centro-americano, querem ter próprio país
Maior motivação na luta pela autonomia é a crença de que recursos vão todos para Manágua, enquanto a região vive na miséria

Fabiano Maisonnave
Enviado especial a Bilwi (Nicarágua)

O gabinete presidencial está numa rua sem pavimento, tem apenas uma mesa, duas cadeiras e pequenas toalhas penduradas sobre o orifício da parede para tapar o sol. É dali que despacha Hector Williams, 57, nomeado em 19 de abril o líder da Comunidade Nação da Miskitia, país imaginário criado naquele dia na região mais pobre e isolada da Nicarágua.
"Bem-vindo à nossa nação", diz Williams, o wihta tara, (grande juiz, em miskito), ao receber a reportagem na porta.
Está de bermuda, sandália e camisa aberta até o peito. Traje adequado para esta tórrida cidade de 60 mil habitantes do Caribe, cujo nome já expõe a divisão: enquanto a maioria miskito a chama Bilwi, para os "espanhóis" ou "gente do Pacífico", os nicaraguenses de fora da região, é Puerto Cabezas.
O movimento independentista tem profundas raízes históricas. A anexação à Nicarágua ocorreu apenas em 1894, por meio de uma campanha militar. Antes, durante boa parte dos séculos 18 e 19, os miskitos escolhiam seus reis e viviam sob uma espécie protetorado inglês, ligação evidenciada pelos sobrenomes e pelas várias palavras da língua de Shakespeare adaptadas ao idioma local -o espanhol continua sendo a segunda língua, ensinada nas escolas.
Houve poucos avanços nesses 115 anos. Apesar de ter ganhado um regime autônomo em 1987, passando a escolher seus próprios governadores, a Miskitia tem os piores índices socioeconômicos da Nicarágua -que por sua vez é o país mais pobre da América Central. Só o desemprego ronda entre os 80% e 90%, segundo números oficiais.
Além da barreira cultural, a Miskitia, coberta principalmente por pântanos e florestas, vive fisicamente isolada do resto do país: sem nenhuma estrada pavimentada, a viagem de Bilwi a Manágua leva em média 30 horas em ônibus, apesar da distância de apenas 550 km.
Pelo ar, são apenas três voos diários de 1h30, em avionetas com 12 lugares. Bilwi impressiona pela pobreza: quase todas as casas são de madeira, construídas sobre palafitas para separá-las da água imunda que acumula no chão. A maioria das ruas é de terra, e a praia está coberta de lixo e imensas poças de água parada de esgoto.

Lagosta
Ao histórico isolamento se somou a decadência da principal atividade da região, a pesca de lagosta. Num caso raro de rompimento da lei da oferta e da demanda, o preço do crustáceo nos EUA, principal comprador, despencou no momento em que o crustáceo se aproxima da extinção.
No centro do discurso independentista está a percepção de que a maior parte do dinheiro ganho com a exploração dos cada vez mais escassos recursos naturais, principalmente a lagosta e a madeira, acaba na mão de empresários de fora e do governo central.
"Todos os impostos que saem daqui vão para a Nicarágua, para o Pacífico. A grande pergunta é: quanto fica aqui? Muito pouco, apenas o suficiente para pagar os funcionários que ficam aqui na região", acusa Williams.
O movimento independentista é tão pobre quanto a região. Em cima da mesa de Williams, um pastor evangélico que já trabalhou de operário em Miami, o "aparelho estatal" se resume a um cofrinho de plástico para receber doações, onde se lê "um córdoba (R$ 0,08) pela independência" e papéis timbrados com o escudo do país virtual.
Williams, escolhido por um Conselho de Anciãos que representa cerca de 300 comunidades de miskitos, diz que o orçamento vem de doações individuais. Os gastos mensais são de cerca de R$ 1.700 e incluem o pagamento de dois programas diários de rádio em favor da independência.
"Há pouco apoio real ao movimento, mas muita simpatia", afirma o pesquisador independente miskito Juan Carlos Ocampo, 26, que tem escrito sobre o movimento. Segundo ele, o principal problema é a falta de dinheiro. "Eles não têm recursos para visitar as comunidades, para organizar as suas bases."
Até agora, a ação mais de maior impacto do movimento foi uma tentativa de tomar o Palácio de Governo regional, em 19 de outubro. Liderado por Williams, o grupo de cerca de 3.000 pessoas foi detido por dezenas de policiais antimotim enviados pelo presidente esquerdista Daniel Ortega. No confronto, um idoso morreu após inalar gás lacrimogêneo.
No dia seguinte, Ortega acusou o movimento de ter financiamento estrangeiro. "Os oligarcas e os vendedores da pátria, com o acompanhamento de funcionários de algumas embaixadas e ONGs, vão para o Caribe tentar semear a discórdia", disse o presidente. "Deixem de alimentar essa violência, porque o país está cansado de guerras, e lá tem corrido muito sangue", disse Ortega, em alusão aos anos 1980, quando centenas de miskitos, financiados e armados pelos EUA, aderiram ao movimento dos Contras na luta contra o seu primeiro governo (1985-1990).

Colaborou Amália Morales

País é ponto estratégico para garimpeiros

Da Redação

Estima-se que haja de 15 a 18 mil brasileiros trabalhando ilegalmente em garimpos do Suriname, o equivalente a até 4% da população do país. A atividade se concentra na busca por ouro em florestas do sul, terrenos com condições geológicas semelhantes às do Brasil.
O país se tornou estratégico para garimpeiros após o aumento do rigor na fiscalização da fronteira do Brasil com a Guiana Francesa, outro destino para a atividade, que cresce acompanhada pelo fluxo de prostitutas do Brasil.
A legislação local também contribui para a entrada de brasileiros. O Suriname adotou recentemente nova legislação que não exige visto de brasileiros para ingressar no país. Mas para ficar mais de três meses é preciso registro.
Com PIB menor do que o da cidade de Bauru (SP), o Suriname tem na exploração mineral 85% das exportações e 25% das receitas do país.
É também apontado como uma das principais bases do tráfico de armas que abastece o Brasil. Por ter sido colônia holandesa, o país tem livre acesso ao porto de Roterdã (Holanda), de onde é embarcado o armamento vindo de países como Líbia e China.

Tartarugas sofrem na mão de miskitos

Do enviado a Bilwi

Exatas 5h da manhã. O ex-mergulhador Octavio Morales, 50, levanta o facão e corta a cabeça de uma gigantesca tartaruga marinha verde. Quinze minutos depois, seu corpo em pedaços está num carrinho de pedreiro, pronto para ser levado ao mercado de Bilwi. Já a carapaça é disputada por cachorros e urubus em busca da carne que sobrou.
A poucos metros do matadouro, outras três tartarugas, de casco virado e patas costuradas com um corda azul, esperarão até 15 dias para ter o mesmo destino. Até a hora da morte, permanecerão vivas e imobilizadas.
A comercialização e consumo de carne de tartaruga é uma prática legal e antiga dos miskitos, que as capturam em alto mar por meio de redes. Os animais são vendidos no porto, onde cada um sai em média por R$ 70. No mercado local, um quilo de sua carne é vendido por cerca de R$ 6.
Anualmente, cerca de 11 mil tartarugas-verdes adultas são mortas por ano na Nicarágua, segundo a ONG Sociedade de Conservação da Vida Selvagem (WCS, na sigla em inglês). A caça desenfreada colocou a espécie na lista dos animais ameaçados de extinção do país.
Pelas ruas de Bilwi, é comum ver tartarugas gigantes vivas de cabeça para baixo diante das casas, enquanto as carapaças vazias se espalham por terrenos baldios e na areia da praia.
A venda de carne de tartaruga é a principal ocupação de Morales, que deixou de mergulhar há sete anos, depois de começar a sentir dormência nas pernas -ele caminha mancando. "Os barcos tiram todo o nosso leite e não dão nada", afirma. (FM)

Acidentes e preço derrubam mergulhadores

Do enviado a Bilwi

Paraplégico há nove anos, o ex-mergulhador Cleos Cardenas, 37, vive sozinho numa pequena casa de madeira de um cômodo. Como dezenas de colegas seus, está desempregado desde que ficou impossibilitado de pescar lagostas. Sobrevive pedindo esmolas pelas ruas de Bilwi.
"A empresa só me ajudou nos primeiros meses. Depois, não recebi mais dinheiro nem tratamento", afirma Cardenas, que durante nove anos trabalhou pescando lagosta para empresas da região. Agora, só sai de casa com a ajuda de uma cadeira de rodas de madeira doada por uma ONG americana.
Como Cardenas, ao menos 300 outros mergulhadores miskitos da região de Bilwi têm sequelas permanentes adquiridas após acidentes em alto mar, segundo dados do hospital Nuevo Amanecer, o único capacitado para atender mergulhadores. Muitos ficam tetraplégicos, e outros morrem antes de voltar ao porto.
A maior parte dos acidentes está relacionada às precárias condições de trabalho. Sem nenhum treinamento, os miskitos mergulham três vezes por dia em profundidades de até 40 metros. Permanecem dentro da água de 5 a 6 horas diárias. O equipamento se resume a um arpão, luvas, máscara e tanques quase sempre em mau estado.
Com o esgotamento das lagostas, as viagens de barco pularam de uma média de 11 dias, há dois anos, para 15 dias. O número de mergulhadores por barco também saltou de 20 para 30, uma forma de compensar as distâncias mais longas e a produção menor.
"Os mergulhadores são um problema de saúde pública da região", diz o médico Manuel Salas, do hospital Nuevo Amanecer e docente universitário. Segundo ele, há em média cinco acidentes de trabalho nos sete meses de pesca por ano.
A maior parte está relacionada ao problema da descompressão, com a formação de bolhas de ar. As principais sequelas incluem problemas neurológicos e nas articulações, segundo Salas.
O problema é que a maior escassez do produto coincidiu com a crise americana -grande parte da produção local acaba na rede de restaurantes Red Lobster. Assim, a produção de um barco caiu pela metade, de 1,8 tonelada para 900 quilos, segundo o empresário Roy Foster, presidente da Apan (Associação dos Pescadores do Atlântico Norte).
Pior para o mergulhador, que agora recebe US$ 2,50 por 1 libra (0,45 kg), contra US$ 3,50 pelo mesmo peso dois anos atrás, e é obrigado a se arriscar mais. Uma viagem hoje rende cerca de US$ 175, gastos rapidamente nos seis dias que ficam em terra.
Foster estima que há 8.000 mergulhadores miskitos em toda a costa, mas ele prevê que a lagosta, antes pescada perto do litoral e a pouca profundidade, deve estar praticamente extinta dentro de três anos.
Sobre os acidentes, o empresário diz que mergulhadores recebem indenização adequada -no máximo US$ 5.000. Ele culpa os mergulhadores pelos acidentes. "Eles fumam maconha, usam cocaína, bebem álcool. Não se cuidam e depois nos culpam." (FM)

FSP, 27/12/2009, Mundo, p. A12

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