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Índios: celebração da diversidade e da riqueza humana deste país

24 Horas news-Cuiabá-MT
Autor: Eleuda de Carvalho
25 de Nov de 2005

Diversidade de sons, pinturas corporais, modalidades esportivas, artesanato. Fortaleza recebe, até amanhã, sábado, os VIII Jogos dos Povos Indígenas, idealizado pelos irmãos Carlos e Marcos Terena, da etnia terena, do Mato Grosso. Na areia da Praia de Iracema, uma celebração da diversidade e da riqueza humana deste país, que um dia se chamou Pindorama

Domingos Jorge Velho, você perdeu. De nada valeu sua sanha contra os negros dos quilombos nem sua fúria bandeirante sobre as aldeias tupis e tapuias da imensidão do Brasil. Pindorama, meu caro, está aí, vivinha da silva, e celebra a vida e a diversidade, enquanto você é um punhado de osso em pó, e olhe. Os descendentes daqueles que você exterminou, numa luta desigual entre o bacamarte e a borduna, estão fazendo a festa por estes dias, nas areias de Iracema. Estão todos em casa. Cabelos lisos, rapados na frente, aparados na altura das orelhas, com topetes, enfeitados de cocares, cada qual o traço de uma cultura diversa. Assim como a pintura dos rostos e dos corpos, traços geométricos, círculos, linhas contornadas de preto e o vermelho forte do urucum, tingindo a morenice da pele. Tem índias adultas, com seus peitos de coités enfeitados de colares de sementes as mais diversas, tingidas de cores as mais variadas. E as cunhãs novinhas, passeando na beira da praia sua nudez altiva e bela. Tem estes rapazes, sobrancelhas rapadas, tufos de espinho na aba do nariz, brincos de penas. Nossos primos da floresta celebram a vida e o encontro nos VIII Jogos dos Povos Indígenas, que acontece até amanhã nas areias da Praia de Iracema. E todos somos benvindos à festa.

Os jogos são um sonho real dos manos Carlos e Marcos Terena, de Mato Grosso. Desde os idos de 80, eles começaram a planejar um encontro entre as diversas etnias. Menos para medir força e competência, o objetivo é fortalecer a identidade cultural, promover o encontro dos povos indígenas e mostrar para todo o Brasil esta pluralidade que os livros de história não dão conta. Aliás, nem está nos livros de história. No último sábado, os índios da etnia Rikbaktsa, exímios canoeiros, realizaram a cerimônia do acendimento do fogo, que eles chamam de "izozyk". Na beira do mar, a arena dos jogos já estava preparada, assim como a grande oca da festa e do encontro. Por trás das arquibancadas, uma tenda azul, com a variedade artesanal das quase 60 etnias participantes. Fazendo as honras aos parentes de fora, os Pitaguary.

São mais de 1300 participantes, que vieram de muito longe para celebrar. Chegaram de ônibus e a lama na lataria dá bem a idéia da distância e dos caminhos percorridos. Do Pará, vieram índios Aikewara, Apiterewa-Parakanã, Assurini, Gavião, Kayapó, Tembé, Wai Wai e Xikrin. Do Mato Grosso, Bakairi, Bororo, Enawenê-Nawê, Kamayurá, Kuikuro, Manoki, Nambikwara, Pareci Halílti, Rikbaktsa, Tapirapé, Waurá, Xavante e Yawalapiti. Do Mato Grosso do Sul, Kaiwá e Terena. De Tocantins, os Javaé, Karajá, Krahô e Xerente. E também os Kanela, do Maranhão; os Matis, do Amazonas (que fizeram o primeiro contato com os "brancos" há menos de duas décadas); os Pataxó, da Bahia; de Roraima, os Suruí; e dois ramos dos Guarani de São Paulo, M´bia e Nhandevá. Para além de toda a diferença, a gente pode ver meninas do Norte cantando uma língua do tronco macro-jê em perfeita sintonia com um rapaz de nação guarani, lá do Sul.

Atletas, mulheres e homens, competem separadamente. Mas não há distinção de idade entre os participantes, novos, adultos e velhos juntando forças na brincadeira. E um mundaréu de curumins, brincando na areia, cuidados por todos, escanchados nos quartos das mulheres, embalados pelos homens ao som das sementes amarradas nos calcanhares, numa dança que é só para ninar. Mas há os jogos, a maestria dos arqueiros, o sopro feroz nas zarabatanas, jogos de futebol onde a bola é tocada só pela testa, como fazem os Pareci, ou com os joelhos. Grupos de homens se revezam na corrida da tora, um pedaço de tronco de buriti que pode chegar a 120 quilos, para eles, ou 70, para elas. E o finca-pé do cabo de guerra, e tantas vozes misturadas, sons nasais, línguas diversas, tantas. E a roda de gente se abraçando pelos ombros para celebrar a vitória - os que perderam são abraçados também, vê que beleza. Os VIII Jogos dos Povos Indígenas terminam amanhã, às cinco e meia da tarde. Vá ver, é lindo...

O CANTO DE DAIRSE BAKAIRI
Pena que a gente não saiba quase nada dessas línguas tão nossas, a não ser as palavras já incorporadas ao longo do tempo, como tapioca, por exemplo, alguns nomes de lugares, de plantas e animais, e só. A mulher bakairi sua sob a pintura vermelha, acabou de participar do cabo de guerra, as mãos estão machucadas, mas sorri. Para chegar até aqui, desde Paranatinga, Mato Grosso, Dairse viajou quatro dias. Ela me diz que sabe cantar, e canta, uma toada lenta, encantatória, deixa eu ver se consigo transmitir ao menos os fonemas desta voz, é assim: "Rõe-rõe-rõe, ê-rê, ia-rá, rô, io-rá-rê... Ianaí-rerrê, ianaianaí-rerrê, rãi-rãi-rãi... Rôi-rôi-rôi". Esta música que você cantou, o que ela diz? "Ela não tem tradução em português, só em bakairi". Mas qual é o sentimento que você tem quando canta? "Esta música fala do sentimento de alegria, de paz, de carinho. É isto. Canto nas festas, em qualquer lugar que eu vou. É a minha identidade".

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