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Índios acusam Grupo Cassol de secar rios em RO

OESP, Nacional, p. A7
07 de Jun de 2004

Índios acusam Grupo Cassol de secar rios em RO
Segundo eles, usinas da empresa do governador são responsáveis por reduzir nível das águas, prejudicando as aldeias às suas margens

Bem perto de Alta Floresta, em Rondônia, o Rio Figueira está prestes a ser desviado de seu leito para abastecer uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH) que pertence ao Grupo Cassol, da família do governador Ivo Cassol (PSDB), e está sendo construída com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Tratores de esteira rasgam a selva, enquanto pás carregadeiras e caçambas retiram terra e árvores, cavando um canal que terá aproximadamente 3 quilômetros de extensão e está localizado entre os quilômetros 22 e 25 da Linha 47,5, que começa em Alta Floresta e termina na Terra Indígena Rio Branco.
A cerca de 45 quilômetros da obra, índios de oito etnias pedem providências contra o Grupo Cassol. O cacique Brasilino Tupari, de 42 anos, conhecido como Brasil, acusa o grupo de já ter desviado dois outros rios amazônicos.
"Isso espantou os peixes que pescávamos e está impedindo a navegação.Estamos perdendo nosso principal meio de transporte", acusou. "Daqui a algum tempo não vai ter mais rio. Vai secar tudo."
O Grupo Cassol fez a PCH Santa Luzia, que começou a operar em 1993, com uma turbina, no Rio Vermelho, a 100 quilômetros da reserva indígena. Para instalar outra turbina, precisava elevar o nível do Vermelho. Por isso, em 1994, desviou para lá parte do Rio Branco. Mas isso não foi suficiente para movimentar as 2 turbinas. No ano seguinte o Rio Jacaré foi canalizado para aumentar o fluxo de água.
O método de encher um rio com águas de outros é usado porque no chamado verão amazônico, que vai de junho a dezembro, chove muito pouco e o nível dos rios cai.
O cacique Brasil disse que, para os índios, o Rio Jacaré morreu. Ele agora está prevendo mais uma "morte" - a do Branco. "Há alguns anos, com ajuda da Fundação Nacional do Índio (Funai), eu e mais alguns índios fomos até a nascente do Rio Figueira. Até então, eu não acreditava que houvesse uma barragem, mas depois vimos e filmamos. Temos provas do desvio", contou.
Barragem - Brasil conta que depois que o Rio Branco começou a secar ouviu dizer que havia sido construída uma represa.
Ele conversou com o chefe do posto indígena na reserva, Tanúzio Gonçalves de Oliveira, e foi marcada uma visita à PCH do Grupo Cassol.
Um cinegrafista de Alta Floresta acompanhou o grupo. Seu vídeo traz imagens do antigo leito do Rio Jacaré totalmente seco e da barragem da PCH Santa Luzia. Brasil diz que é por isso que os índios não estão mais conseguindo levar mantimentos até as aldeias localizadas ao longo do Rio Branco e têm dificuldade em transportar doentes até o posto da Funai.
O vídeo mostra a aldeia Bom Jesus no verão amazônico. A voadeira - canoas com motor usadas pelos índios - não funciona em muitos pontos do rio. Os índios saltam, e com a água pouco acima dos tornozelos, empurram a canoa. O cacique José Anderê Macurapi diz na fita que o rio virou um canal. "Não ficava desse jeito. Está desaparecendo tudo, peixe e tracajá. Não respeitam nossa área. Não podem fazer isso com o rio." O cacique Brasil afirmou que há alguns dias foi até uma das aldeias pegar um índio doente. "Demoramos dois dias para chegar até lá. Antes da barragem, mesmo durante o período de seca, não demorava três horas. E ainda corremos o risco de pisar em alguma arraia.
A gente não é contra o progresso, mas não é certo que prejudiquem nossa comunidade."
Visita - Após a filmagem, os índios tentaram várias vezes contatar o Grupo Cassol. Há cerca de um mês, o governador foi de helicóptero até a aldeia e teria prometido que as obras da nova usina iriam parar. "Mas não acreditamos, porque ele já desviou a maior parte do Rio Branco", explicou Brasil. "Cassol disse que iria ficar tudo do jeito que está. Mas isso não convence a gente. Não acho que seja verdade", completou o índio Rui Canoé. "Se quisesse tirar a dúvida, viria aqui no verão para ver que o rio seca mesmo. Mas ele vem de helicóptero."
Na conversa, o governador teria dito que o Rio Branco não estava secando por causa da usina, e sim por causa das derrubadas nas matas ciliares. A explicação não convenceu os índios, porque, segundo eles, o Grupo Cassol já tinha derrubado o que havia de mata ciliar onde anteriormente corria o Rio Jacaré.
"A conversa não resolveu nada. Cassol sempre vem mentindo para a gente. O nível do Rio Branco continua baixo, por isso ninguém aqui está acreditando nele. Queremos o rio de volta. A nossa briga é por causa disso", disse Júnior Macurapi. Ele também ironizou o fato de Cassol usar um helicóptero, dizendo que assim não encalha no rio, como as voadeiras. "Cassol só vem por cima. Se viesse na seca eu o levaria até outras aldeias pelo Rio Branco.
Seria uma viagem de 4 dias empurrando voadeira encalhada, passando por cima de paus no rio e pisando em arraias."
Laudo - Em novembro de 1999 o Ministério Público de Rondônia fez laudo sobre um "grande desmatamento com derrubada de mata ciliar" perto da barragem do Rio Jacaré, na fazenda de César Cassol, irmão do governador. Assinado pelo engenheiro florestal Luís Carlos Maretto, da Promotoria do Meio Ambiente, o texto informa que no local agora existe pastagem.
"O mais agravante é que no meio da pastagem existem vários igarapés tributários que deságuam no Rio Branco. Em nenhum dos igarapés foram respeitados os 30 metros de mata ciliar que deveriam ser preservados em cada margem. Devemos salientar que este local é cabeceira de rios...", diz o laudo. "O somatório dos desmatamentos, com derrubada de mata ciliar ao longo de vários igarapés tributários que abastecem o Rio Branco, vai contribuir futuramente para o desaparecimento dos mesmos e conseqüentemente para drástica redução no volume de água do Rio Branco."
O documento explica que o Plano de Controle Ambiental da PCH Santa Luzia especifica que, em caso de derivação das cabeceiras do Branco, fica assegurada vazão mínima de 30%. Mas os técnicos não constataram isso. "No dia em que visitamos (a PCH) não percebemos a manutenção mínima de 30%.
Aliás, não vimos nenhuma vazão no vertedouro construído na barragem do Rio Branco..."
Os técnicos também foram à PCH que o Grupo Cassol constrói no Rio Figueira.
No laudo, dizem que a Secretaria de Desenvolvimento Ambiental informou que o grupo não está licenciado para fazer a obra. "Concluímos, portanto, que a estão fazendo sem licença."
Funai - Em abril de 2002, o chefe do posto indígena fez relatório sobre a Santa Luzia ao Ministério da Justiça e à Funai. Nele, Tanúzio diz que as águas do Rio Jacaré e de 3 pequenas nascentes foram desviadas por um canal com 5 quilômetros. "Elas vão direto para o Branco, onde o Grupo Cassol construiu uma barragem. Após todas as águas estarem represadas, são desviadas de novo por outro canal artificial, com de 4 quilômetros, desaguando no Rio Vermelho", conta. "O Jacaré e as pequenas nascentes ficaram totalmente secos, ou seja, mortos."
O texto informa que o Branco passou a ficar seco durante quatro meses. E explica que a comporta para liberar água quando o reservatório estiver cheio fica fechada em alguns períodos para que as duas turbinas possam funcionar.
"O proprietário não quer ter 'prejuízos', parando uma das turbinas no verão.
Com isso, prejudica seriamente os povos indígenas e o meio ambiente", acusa o relatório, que pede a presença de uma equipe sem ligação com políticos de Rondônia para uma avaliação do problema.
Governador diz ter todas as licenças para as usinas
BRASÍLIA - O governador Ivo Cassol informou, por sua assessoria, que tem todas as licenças necessárias ao funcionamento de suas PCHs e está à disposição da Justiça, do Ministério Público e das autoridades ambientais para esclarecimentos. Ele disse que as licenças foram obtidas antes de tomar posse, atribuiu as denúncias a "politicagem" de adversários locais dirigidos pelo PT e desafiou alguém a provar que algum de seus empreendimentos esteja irregular. "Não ponho um tijolo sem licença."
Levantamento feito pelo Estado na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) revela que o Grupo Cassol responde por mais de 30% da energia das PCHs em Rondônia. As oito PCHs em operação produzem 29.127 quilowatts. As três do Grupo Cassol (Santa Luzia, Cabixi e Monte Belo) produzem 9.700 quilowatts, com água dos Rios Ávila, Colorado e Cabixi. Sob permissão da Aneel, o grupo constrói mais duas, a Ângelo Cassol e a Rio Branco, que produzirão 10.500 quilowatts com água do Rio Branco. É nessas que estão os problemas ambientais.
Cassol já foi duas vezes ao Ministério do Meio Ambiente se explicar. Na última, no fim do ano, saiu afobado do gabinete da ministra Marina Silva e esbravejou que faria a PCH "de qualquer maneira", pelo relato de funcionários.
O Ibama informou que acompanha a construção das PCHs e, se ficar provada alguma irregularidade, tomará providências para embargá-las. Mas como PCHs não exigem relatório de impacto ambiental, por serem consideradas de baixo potencial agressivo ao ambiente e são regulamentadas por lei estadual, o Ibama precisa ser provocado pelo Ministério Público, que já analisa o caso.
Cassol diz que a agressão ao Rio Figueira é causada pela PCH de outro grupo, o Eletron-Eletricidade, que estaria dragando um volume maior de água para as turbinas gerarem energia à noite. Ele ressalvou que todo o cronograma da empresa está vistoriado e aprovado pela Aneel.

Com rio baixo, pesca deixa de ser tradicional
Quem vai até a Terra Indígena Rio Branco percebe que a vida nas reservas da Amazônia é bem diferente do que moradores de grandes cidades pensam. Na escola da aldeia Bom Jesus, os índios se vestem como brancos e aprendem a falar e escrever em português ainda crianças. Também aprendem a falar os dialetos macurapi e aruá. Os professores são índios.
Arco e flecha são usados para pescar. Júnior Macurapi conta que antes era fácil flechar pintados de até 8 quilos, mas agora que o nível do Rio Branco baixou "só dá para pegar curimba", que chega a 2 quilos. "E mesmo assim é preciso ficar até uma hora esperando aparecer alguma", explica. "Com o nível do rio baixo, são poucos os homens que pescam. Mas as mulheres ficam com anzol, para ver se pegam alguma coisa."
Com os peixes desaparecendo, os homens da aldeia Bom Jesus passaram a caçar mais nos últimos anos. Para isso usam espingarda. Júnior Macurapi diz que o tempo em que eles matavam animais usando arco e flecha acabou. "Agora mesmo, só na base da chumbeira. É muito mais fácil. Plantamos feijão, milho, arroz, café e cacau. Quando saímos do trabalho, vamos caçar", conta.
A reserva tem 235 mil hectares e em seu centro passa o que restou do Rio Branco. Às margens dele há outras 13 aldeias. Lá vivem 518 índios das etnias aruá, macurapi, canoé, tupari, campé, aricapu, saquirabiá e jabuti. Duas aldeias estão na Reserva Biológica do Guaporé.

OESP, 07/06/2004. Nacional, p. A7

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