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Índio ressalta cultura por meio da pintura

A Crítica (Manaus-AM)
Autor: Loredana Kotinski
23 de Abr de 2002

As mãos são do índio Dessana mas a alma é do artista plástico Feliciano Lana, 60. No papel, além de tinta guache e muita criatividade, as lendas do seu povo que servem de inspiração. Uma casa, uma paisagem, nada na obra do indígena se define em uma só tela. Tudo tem uma seqüência e conta uma saga, uma história. No Museu Amazônico está contada a História da Noite, uma coletânea de 30 telas - aquarela sobre papel - que mostram como a noite surgiu.

De autoria de Lana, a lenda do povo Dessana fala de um mundo onde só existia o dia e para que as riquezas do mundo não desaparecessem Deus criou a noite. São figuras de índios ocupando quase toda a tela e de paisagens da região de São Gabriel da Cachoeira, onde vive a etnia. Sem abusar da cromaticidade, o artista plástico prefere os tons pastéis para suas obras.

Os tons escuros e os traços mais firmes aparecem na retratação dos indígenas e nos detalhes de suas vestimentas. "A história é do meu povo, mas pinto muito o que vem na minha imaginação, nas lembranças", conta o artista. Desde 1996 sem criar uma nova coleção de telas, ele trabalha atualmente na ministração de oficinas para adultos e crianças.

Durante toda a semana passada esteve contando lendas Dessanas para estudantes de artes plásticas em uma oficina realizada no Museu Amazônico. Relatou contos, mostrou suas obras e acompanhou o povo branco pintar a vida da sua tribo. "Contei a história de um guerreiro, um deus que tudo queria e que era muito poderoso. Depois dividi em quadros e eles escolheram o que iam pintar."

O resultado vai virar uma mostra, mas por enquanto o mais famoso artista da etnia Dessana segue catalogando suas obras guardadas no museu. "Também comecei outra criação, a história da Avó dos Pássaros, um lenda Dessana." É nela que ele trabalha esta semana e gasta toda a sua criatividade. A primeira tela retrata o amor da Avó Amó pelos netos Garça e Jaburu. Para protegê-los do frio e do sol, conta a Lana, ela arrancava suas penas e fazia a cobertura de uma casa.

Tinta traz à tona paixão pela arte

Na imaginação do artista, é uma típica maloca, com telhado todo em penas brancas e paredes de penas negras. Com guache, ele vai dando forma ao que desenhou a lápis. Com paciência, ele se confessa um apaixonado pela arte e garante viver dela. "Sustento minha família há quase 30 anos só pintando. É o que mais gosto de fazer. Não preciso de mais nada." Cada tela do artista é comercializada a R$ 30 e suas obras já correram o mundo.

Na década de 80 ele teve seus quadros expostos na França, Áustria e Alemanha. As telas foram levadas por entidades internacionais que depois as devolveram e pagaram ao indígena uma espécie de cachê. Em Manaus ele já fez três exposições e ainda estão no seu currículo mostras em Belém (PA). Uma das suas mais famosas obras é a ilustração do livro "Antes o Mundo não Existia", que conta a história da criação do mundo sob a ótica Dessana, escrito por outro índio dessa etnia. Foi assim, contando histórias, que Lana começou a pintar. Na época, com 30 anos, ele colaborava com um padre que fazia um documentário fotográfico e histórico das etnias Dessana e Tucano. Entre os relatos que colhia estava o do sogro de Lana que mal conseguia se expressar em português. "Aí, para tentar fazer o padre entender a nossa história, o meu sogro falava e eu desenhava os quadros, explicando como tudo tinha acontecido.

Deu tão certo que o padre passou a fornecer material - papel, tinta e livros - para que Lana desenhasse e relatasse a história do seu povo. Durante anos ele aprendeu de forma autodidática a dominar as técnicas de aquarela, óleo sobre tela e acrílico sobre tela. "Comecei misturando, li um manualzinho que dizia como pintar com a tinta e guache e fui descobrindo. Mas acho que sempre soube como pintar. É meu dom", confessou.

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