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Índio do BNDES

O Globo, Revista O Globo, p. 20-21
01 de Jul de 2012

Índio do BNDES
Winatan Pataxó, que ganhou fama ao ameaçar com arco e flecha seguranças do banco de desenvolvimento durante a Rio+20, tem 26 anos, mora numa aldeia na Bahia e vende canto, dança e artesanato pelo país

Por Pedro Sprejer
pedro.sprejer.personale@oglobo.com.br
Foto de Camila Maia

Impávido, um índio com trajes típicos e rosto pintado de urucum empunha seu arco e flecha no jardim do BNDES, surpreendendo dois seguranças que batem em retirada, aos tropeções. A inusitada cena, estampada na capa do GLOBO de 19 de junho, tornou-se o retrato de uma Rio+20 marcada pela presença maciça dos povos indígenas. Mas, afinal, quem é e de onde veio o protagonista da emblemática fotografia?
Winatan Pataxó, de 26 anos, é calmo, sério e tem um tipo físico semelhante ao do ex-jogador Romário. Habitante da Terra Indígena da Coroa Vermelha, no Sul da Bahia, veio ao Rio numa comitiva composta por 40 índios de sua aldeia.
Durante os dias da Rio+20, Winatan vendeu artesanato, encenou danças e frequentou assembleias na Cúpula dos Povos, no Aterro do Flamengo, onde conviveu com integrantes do movimento Hare Krishna, neo-hippies e bailarinos performáticos. À noite, dormiu num grande alojamento montado no Sambódromo.
Três dias após o episódio no BNDES, Winatan, com o arco à tiracolo, usava brincos de garras de tatu, tornozeleiras de casca de castanha-do-pará e cocar com penas de arara e galinha.
Falava com os companheiros no dialeto patchoran e, com os fregueses, num português carregado de sotaque baiano.
Ao seu lado, no Aterro do Flamengo, estava a esposa Jaci. Apesar de casado, usava pintura característica de solteiro, por achá-la mais bonita.
Os dois vendiam cuias e pratos de madeira, brincos de pena, apitos e zarabatanas. O famigerado arco - com dentes de vaca na ponta das flechas - não estava à venda.
- A maior parte da aldeia vive do artesanato e da pesca: situação difícil.
Só melhora no verão, com os turistas em Porto Seguro - explica o pataxó.
Winatan consentia com os insistentes pedidos de gente que queria posar para retratos ao seu lado. Um homem parrudo usando correntes de ouro apresentou- se. Era um mensageiro falando em nome da sogra, que oferecia R$ 200 pela bolsa de couro de porco-do-mato que o índio levava. Desdenhoso, Winatan respondeu que a peça valia mais de R$ 700. Dali a alguns minutos, o homem voltou trazendo sua comandante. Arriscaram um novo lance, mas não houve acordo.
- É um bicho difícil de caçar. Tem que flechar o último do bando ou todos vêm pra cima - valoriza.
Foi a primeira visita de Winatan (que no idioma Pataxó quer dizer "peixe do oceano") ao Rio. Habituado às metrópoles - conhece São Paulo, Santos, Vitória e Belo Horizonte -, diz preferir o mar e a tranquilidade de sua aldeia.
- Viajo por esse Brasil de ônibus, fazendo apresentações em eventos e hotéis, ou palestras em escolas- afirma Winatan, que, vez ou outra, canta, dança e vende artesanato no terminal rodoviário de Belo Horizonte.
Homologada em 1998, a Terra Indígena da Coroa Vermelha fica no município de Santa Cruz Cabrália, região em que os portugueses desembarcaram, em 1500. Vivem, na reserva, cerca de 4 mil índios, a maioria em condições precárias.
Quase não caçam mais; tentam investir no ecoturismo.
O antropólogo Rodrigo de Azeredo Grünewald, da Universidade Federal de Campina Grande, associa a indumentária típica do grupo a uma performance artística.
- Os pataxós de hoje sabem se apropriar do imaginário brasileiro sobre o que é o indígena. É a resposta a uma demanda preconceituosa por autenticidade - diz ele, que viaja todos os anos para a Coroa Vermelha.
Winatan não tem queixas diretas à atuação do BNDES. Ele e mais alguns pataxós foram à manifestação apoiar outras etnias descontentes com o financiamento do banco a obras como a Usina de Belo Monte.
- Somos uma só nação indígena - afirma.
Enquanto a maioria dos manifestantes protestava em frente à entrada principal do prédio, Winatan e mais dois índios entraram sorrateiramente por um jardim inclinado que fica atrás do Largo da Carioca.
Seguranças que montavam guarda em frente ao acesso na Avenida Chile viram um deles e foram abordá-lo.
Foi naquele exato momento que Winatan apareceu pisando o chão com força e emitindo sons tribais de advertência. Performance ou não, convenceu os guardas.
- Estava lutando pelo nosso benefício, mas não ia machucar ninguém - explica Winatan, que diz ter sido campeão indígena de zarabatana.
Posicionado em frente à entrada lateral do BNDES, o fotógrafo Guito Moreto, do GLOBO, conseguiu registrar a cena em seu primeiro clique.
- Acho que a simbologia da foto é muito forte: os prédios por cima, o índio na mata e os seguranças de terno correndo para uma espécie de caverna de concreto - reflete Guito

O Globo, 01/07/2012, Revista O Globo, p. 20-21

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