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Índio comemora dia, mas a situação está difícil

O Liberal-Belém-PA
19 de Abr de 2002

Com a certeza de que estão muito longe de verem seus direitos respeitados, índios de todo o Pará comemoram hoje o seu dia em meio ao saque de suas reservas e à falta de uma política pública que garanta o uso exclusivo da terra que conseguiram conquistar. De acordo com a Fundação Nacional do Índio (Funai), são cerca de 24 mil índios, de 32 etnias, vivendo em 40 áreas no Estado.

Apesar de reconhecidas, dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) mostram que cerca de 90% delas estão invadidas. Paulo Dutra, missionário do Cimi, órgão anexo à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), destaca que a maioria das terras indígenas está invadida por posseiros, madeireiros, garimpeiros e pescadores, situação que impede que índios possam até caçar e usufruir da própria terra, sendo muitas vezes ameaçados de morte.

Aliás, garantir aos índios o usufruto exclusivo dessas áreas é o maior desafio do governo federal, avalia o indigenista da Funai, Juscelino Arlindo do Carmo. Ele diz que essas áreas representam 20% do territério paraense, o suficiente para garantir a sobrevivência dos índios, mas a grande questão é que não existe uma fiscalização que garanta isso.

"Sempre se falou no estabelecimento e legalização de áreas indígenas, mas nunca foram criadas políticas de fiscalização, o que está trazendo danos irreparáveis a eles", ressaltou o indigenista. Ele cita como exemplo a reserva do Alto Rio Guamá, nas regiões de Santa Luzia, Garrafão do Norte e Paragominas. São 270 mil hectares, 40% já devastados pela exploração madeireira. Também moram na área mais de mil famílias de agricultores.

"Nem a própria Funai possui um departamento específico para essa fiscalização, que é feita pelos próprios indigenistas, que não chegam a uma dezena no Pará. Em Belém, são apenas dois. Não há dinheiro para isso", lamenta Juscelino.

Além da falta de fiscalização, a morosidade do poder público na resolução de conflitos dentro das reservas favorece a impunidade: "Apreenderam madeira extraída na área Tembé em novembro de 2001, mas somente no mês passado a Justiça decidiu que ele deveria ser vendida e o lucro repassado ao índios. Só que boa parte dessa madeira já foi extraviada, o que gera mais descontentamento entre eles", exemplifica. Segundo o Cimi, a exploração de madeira é mais grave no Sul do Pará. Todos os dias grandes carregamentos de mogno saem de terras indígenas, tidas como áreas onde se costuma apenas "esquentar a madeira".

Festa - Em Icoaraci, na Casa do Índio, para onde povos de várias regiões do Estado são encaminhados para tratamento médico especializado, o clima era de festa ontem, enquanto várias etnias preparavam bebidas e alimentos para o 19 de abril. Mas, apesar da animação do lugar, eles têm a certeza de que o clima vivido em suas reservas não é o mesmo.

Luciano Munduruku Burum, 42 anos, vive com mais 360 pessoas na aldeia Tembé Tekuhaw, localizada no rio Gurupi, em Paragominas, divisa com o Maranhão. Ele trabalha na roça, onde planta farinha e arroz. Pintado com tinta de genipapo, representando a momento festivo, Luciano lembra das histórias contadas por antepassado que narravam as guerras entre vários povos e as mortes de pessoas queridas, mas ressalta que isso faz parte do passado. "Munduruku já matou muito Kaiapó, mas percebemos que somente unidos conseguiremos seguir em frente"diz.

Pesquisa tenta preservar língua dos povos indígenas na Amazônia

Manter vivas sua cultura e língua é para os índios um desafio tão grande quanto o que eles enfrentam pelo uso da terra. Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), existem hoje no Brasil cerca de 160 línguas indígenas, de um universo de aproximadamente mil línguas faladas à época da chegada dos portugueses, em 1500. Mais de 70% desse universo, cerca de 130 línguas, são encontradas na região Amazônica. A grande maioria das línguas sobreviventes está ameaçada de extinção, especialmente aquelas que contam com um número reduzido de falantes.

Cerca de 110 línguas possuem menos de 400 falantes. Várias não possuem nem 100 falantes. Um exemplo é a língua Mekens, falada por 25 índios do povo Sakörabiat, em Rondônia, e estudada desde 1994 pela pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goledi (MPEG), Ana Vilacy Galúcio. Em risco de extinção ainda maior está a língua Xipaya, falada por duas mulheres em Altamira e, da língua Umutina, que possui somente um falante, no Estado do Mato Grosso.

Em razão da diversidade lingüística na Amazônia e, sobretudo, da ameaça de desaparecimento dessa diversidade, o Museu Goeldi mantém um programa de lingüística voltado para o estudo e documentação das línguas amazônicas. As pesquisas fazem a descrição e análise dessas línguas com base em trabalho de campo nas comunidades indígenas e o estudo comparativo das línguas estudadas, principalmente as do tronco Tupi.

Cerca de 17 estão sendo estudadas por pesquisadores e bolsistas afiliados ao Museu Goeldi. Eles investigam algumas das questões fundamentais das línguas amazônicas, como quais as propriedades estruturais delas e suas implicações para a teoria lingüística e quais as inferências possíveis sobre pré-história amazônica com base em evidências lingüísticas.

Entre as línguas com grave ameaça de extinção está a Puruborá, na região de Guajará-Mirim e Costa Marques, em Rondônia, que vem sendo estudada desde julho de 2001 por Ana Vilacy Galúcio.

O povo Puruborá foi considerado extinto na década de 1980, mas, ao final de 2000, o Cimi de Rondônia localizou uma família Puruborá. A partir das informações do Cimi e do lingüista holandês Hein van der Voort, do MPEG, a pesquisadora localizou outras famílias Puruborá e conseguiu encontrar os dois mais antigos Puruborá, que ainda lembram da língua indígena. Ana Vilacy está fazendo a documentação e gravação da língua e já conta com um acervo de mais de 400 itens lexicais, que é basicamente tudo o que se tem hoje sobre essa língua.

Em dezembro de 2001, a lingüista reuniu os dois falantes Puruborá, seguindo uma sugestão deles, para que juntos tentassem recordar mais coisas na língua tradicional."O resultado foi muito promissor, uma vez que com o estímulo da convivência renovada, eles lembraram de vários itens que não haviam lembrado na visita anterior", avaliou.

Um dado interessante da pesquisa é a identificação do tipo de vocabulário que é mais lembrado por esses dois falantes de Puruborá, que não utilizavam a língua há pelo menos duas ou três décadas.

"Se nos perguntarmos o que as pessoas vão lembrar depois de 20 ou 30 anos sem falar uma língua, a resposta não é necessariamente óbvia. No caso dos Puruborá, eles conseguem lembrar dos nomes para várias espécies de animais e aves, mesmo os menos usuais, chegando, por exemplo, a listar os nomes de cinco espécies diferentes de gavião ou de nambu. Porém, dados mais gramaticais, como demonstrativos e pronomes, mesmo os mais comuns, estão esquecidos", destacou Ana Galúcio.

Para a pesquisadora, esse trabalho é fundamental tanto para os índios, que fazem questão de tentar recordar mais palavras de sua língua tradicional, quanto para os estudos comparativos das línguas indígenas amazônicas, já que torna disponíveis dados inéditos de uma língua que chegou a ser considerada extinta, mas que é fundamental para a reconstrução do proto-tupi, língua ancestral dos povos Tupi, falada há cerca de 3 mil ou 4 mil anos na Amazônia.

"Descobrimos, por exemplo, que a língua Puruborá possui um sistema vocálico composto de sete vogais orais. Esta informação é importantíssima, pois até então a única língua do tronco Tupi, fora da família Tupi-Guarani, que possuía um quadro documentado de sete vogais, era a língua Karo, também de Rondônia. A descoberta de um quadro de sete vogais no Puruborá pode ajudar a esclarecer a evolução das vogais a partir da proto-língua", destacou Ana Galúcio.

Outra língua que também já foi considerada extinta está sendo documentada e estudada pelo dr. Denny Moore, também do Museu Goeldi. Há cinco anos não havia registros de falantes da língua Mondé, mas atualmente sabe-se que existem três semifalantes dessa língua, em Rondônia. Denny Moore tem trabalhado na documentação e gravação do Mondé e suas pesquisas já revelam a importância de seu conhecimento para o estudo comparativo da família Mondé, tronco Tupi, uma vez que ela pode ser a ponte de ligação entre a língua Suruí e a língua dos dialetos Gavião-Zoró-Cinta-Larga.

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