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Índio atendido por caravana solidária volta a enxergar após 5 anos na Bahia

G1 - http://g1.globo.com
20 de Mai de 2016

Fazia apenas alguns minutos que Domingos Santana, de 75 anos, tinha acabado de voltar a enxergar em Santa Cruz Cabrália (BA) naquela manhã quente de terça-feira, 19 de abril. Mal recobrou as vistas e o velho índio começou a brincar com quem achava feio - "baiká" - ou bonito - "baiachú" - conforme dizeres da língua pataxó.

Aquela breve brincadeira da redescoberta das cores e formas demorou cinco anos para se concretizar, desde que Santana, oriundo da Aldeia de Barra Velha, a 80 quilômetros dali, perdeu completamente a visão em função de uma catarata.

Realização possibilitada pelo mutirão da oftalmologia do "Voluntários do Sertão", projeto de Ribeirão Preto (SP) que há 16 anos leva diferentes atendimentos médicos gratuitos à Bahia. Em 2016, a iniciativa centralizada no município ao lado de Porto Seguro (BA) realizou 4.694 consultas apenas na oftalmologia que resultaram em 1.420 cirurgias de catarata, como a de Santana.

"É diferente, agora vai mudar, né?", afirma Santana, ainda surpreso com o movimento de pessoas enquanto aguardava o colírio para refrescar seus olhos renovados após a primeira consulta oftalmológica de sua vida.

Para ele, hoje já não importam as causas da perda da visão, mas garante que só ficou cego devido a um remoto episódio no meio da mata em sua juventude.

"Eu era sãozinho. Trabalhando na roça, na mata, caçando tatu pra comer, pra fazer mangute [comida, em pataxó], as teias de aranha passaram em meus olhos e os deixaram ruins", conta o indígena.

Isso teria acontecido na Aldeia de Barra Velha, uma das bases da tribo pataxó na região, onde Santana nasceu e teve 13 filhos antes de se mudar para a Aldeia Coroa Vermelha, próximo ao ponto de atendimento do Voluntários. "Já tive umas quatro jokanas [mulheres]", acrescenta.

Sentado e com óculos escuros, o índio comemorou quando viu de perto, pela primeira vez em anos, um de seus filhos. "Esse aqui é meu kitoke [menino/filho]."

"Kitoke" de Santana, o pedreiro Benedito Gonçalves Santana, de 54 anos, também chamado na tribo de Parapati, conta que seu pai nunca se preocupou com a saúde dos olhos e, antes de ir ao mutirão, tinha desconfiança em relação ao atendimento dos voluntários do interior paulista. "Ele estava com medo de operar, mas falei pra ele: vamos confiar", afirma o filho.

A jornada do índio até ali não tinha sido fácil, segundo ele, sobretudo pela falta de recursos para bancar um tratamento particular - um médico chegou a cobrar R$ 10 mil, afirma Parapati.

"Eu não tinha condições de pagar. Aí eu falei: vou entregar na mão de Deus. Foi quando aconteceu. Agradecemos a Deus por isso."

Trabalho gratificante

Dramas como os de Domingos Santana foram recorrentes na rotina da oftalmologia do projeto em 2016 e demonstram a falta de acesso da população às tecnologias hoje disponíveis na área, afirma Fábio Vieira, diretor responsável pelas três carretas e nove profissionais que trabalharam no setor pelos "Voluntários".

"Pra gente é muito gratificante operar um paciente desses. A cirurgia da catarata é de resultado imediato. O paciente entra cego e sai de lá enxergando", afirma o oftalmologista, que atua pelo projeto desde a sua criação.

Mutirões como os do interior de São Paulo, para ele, ajudam pessoas que, sem condições de pagar por atendimento particular, sofrem na dependência do sistema público.

"É muito gratificante e ao mesmo tempo muito frustrante. Esse paciente ficou cinco anos cego. Isso é uma prisão. (...) As unidades móveis têm o que existe de mais moderno. Quanto tempo vai demorar para uma tecnologia dessas chegar lá em condições normais?", questiona.

http://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/noticia/2016/05/indio-aten…

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