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Indignação apenas...

Instituto Warã
Autor: Azelene Kaingáng
12 de Fev de 2004

Nos últimos dias tenho acompanhado através da imprensa os discursos de alguns Senadores da República contrários aos direitos indígenas, não me causa medo, causa revolta na medida em que abusam do poder que lhes foi concedido através do voto popular.

Especialmente três discursos me causaram indignação, cujos autores são no mínimo racistas, fascistas e intolerantes com a diferença.

O primeiro deles, já um velho conhecido do movimento indígena, Mozarildo Cavalcanti Senador pelo PPS de Roraima, contrário a homologação de Raposa Serra do Sol, em seu discurso de 31 de janeiro de 2004, faz o seguinte questionamento: "Não consigo entender como uma população de 0,2% de índios que compõem a população indígena no Brasil, que já tem 12% do território nacional demarcado, ainda assim continue pretendendo mais terras".

Simples, somos 0,2 % da população brasileira graças a intolerância e o preconceito de pessoas como ele, que em pleno século XXI não tem o mínimo pudor em subir numa tribuna do parlamento brasileiro para negar os nossos direitos, o direito a nossa terra, temos 12% do território nacional porque foi o que nos restou dos saques que cometeram contra nossos antepassados que aqui viviam quando chegaram os portugueses e espanhóis, esta terra tinha dono sim, este país era indígena, agora descaradamente dizem que estamos inviabilizando o País e ameaçando a soberania! E a nossa soberania enquanto Povos diferentes? Porque é que eles querem 88% de um país que não é deles? Nos roubam e dizem que são os donos legítimos deste chão encharcado pelo sangue dos nossos povos. Ele ainda faz mais uma pergunta: "Então temos que devolver o Brasil todo para os índios? Deveriam, é assim que agem homens de boa fé, e quando não conseguem procuram pagar pelo erro. É isso, deveríamos exigir do Estado brasileiro uma indenização justa por termos sido despojados do nosso bem maior, as nossas terras.

Os Senhores Senadores deveriam lutar para garantir nosso direito a terra, direito esse que é perfeitamente compatível com um novo modelo de desenvolvimento para o País, com um modelo que reconheça e respeite as diferentes formas e conceitos de produção e de visões de mundo, ao invés de fazer ecoar pelos quatro cantos que os índios são uma ameaça ao desenvolvimento. Graças aos 12% do território indígena, o Brasil é hoje o maior País megabiodiverso do mundo, posição estratégica que ocupa nas negociações internacionais em fóruns como a OMC e a OMPI, portanto o que chamam de atraso, chamamos de estratégia, porque um modelo de desenvolvimento que não esteja alicerçado na recuperação e no uso sustentável da biodiversidade, não pode ser considerada a política ideal para a inclusão dos povos indígenas e tradicionais, se não um modelo impositivo e retrógrado chamado de "desenvolvimento e progresso".

Não entendo porque tanta indignação do Senador Juvêncio da Fonseca, no seu discurso do dia 21 de janeiro de 2004, quando fala dos índios que usam capuz para retomar seus territórios, deve ser o medo de serem reconhecidos na próxima curva, num banco de praça, numa rodoviária, é o medo de serem queimados, de serem mortos a pontapés e pauladas, terem seus olhos furados ou seu pescoço cortado, ou simplesmente morto com um tiro pelas costas, porque é assim que fazem os "caçadores de índios" os capangas de fazendeiros, eles nunca agridem pela frente, todos os nossos grandes líderes dos quais 24 foram barbaramente assassinados em 2003, morreram sem ver o rosto dos seus inimigos, porque foram mortos enquanto dormiam ou enquanto lutavam, mas sempre pelas costas.

Ao tomar um aparte no discurso do Senador Juvêncio da Fonseca, o Senador Paulo Paim diz que continuar demarcando terras indígenas é destruir o País, fico me perguntando se ele é também contra a demarcação de terras para os remanescentes de quilombos, direito recém conquistado por esse povo tradicional.

Se, graças a campanha dos Senadores fascistas e racistas, a competência pela homologação de terras indígenas passar para o Senado Federal, aí sim finalmente estaremos derrotados, podemos perder a esperança de ver nossos territórios demarcados e homologados, pior que isso teremos as nossas terras reduzidas, nossos direitos constitucionais deixarão de existir, porque a primeira providência será a de mudar o texto do artigo 231 da nossa Carta Magna, que é o que tem movimentado e indignado estes representantes do Povo brasileiro, mudar a Lei que eles mesmos aprovaram, aliás não, não foram os mozarildos, os juvêncios, os osmar, os flamarions, os paulos, os augustos, os blairos que foram favoráveis ao artigo 231 e o 232 da nossa Constituição, eles jamais teriam feito isso, jamais teriam feito o que Nobres Parlamentares como Severo Gomes, Benedita da Silva, Ulisses Guimarães, Florestan Fernandes, Roberto Freire e outros Brasileiros solidários, humanos e responsáveis fizeram, que foi reconhecer todo o sofrimento, as mazelas, o genocídio, os saques que sofreram nossas terras, nossas vidas e nossas culturas, esses foram os responsáveis por garantir e assegurar os direitos indígenas históricos na legislação maior do nosso País.

Queríamos ter direito a defesa na mesma tribuna onde eles se refezam para explicitar, sem nenhum escrúpulo, o racismo que caracteriza a classe política e dominante desse País.

O Senador Osmar Dias do Estado do Paraná, no seu discurso do dia 28 de janeiro de 2004, reclama a sorte de mil pequenos produtores que estão ameaçados de perderem suas propriedades para que sete índios do povo Xetá sejam empossados nas suas terras tradicionais e classifica os Povos Indígenas de "minorias".

Gostaria de lembrar o Senador que graças ao extermínio promovido pelo Estado realmente só existem hoje sete índios Xetá, mas que são um povo com cultura, com crenças, com tradições diferentes, não importa que sejam funcionários públicos integrados ou não, ainda assim são povos indígenas...diferentes, diferença essa que incomoda, que faz doer nos seus olhos as nossas pinturas vermelhas e pretas, diferença essa que tentam esconder porque os remete para a história de massacres e de perdas de milhões de vidas e que insistem em esconder, mas que insistimos em gritar e lembrá-los até que o Criador nos permita...

É certo que é uma "queda de braço", é uma luta muito desigual porque o Senado tem o poder e é inatingível por nós cidadãos comuns, enquanto nós Povos Indígenas não temos sequer um senador, um deputado e contamos apenas com alguns poucos e corajosos aliados no parlamento que se diz representar as vontades do povo brasileiro.

Não nos resta nenhuma outra esperança, senão a que nos fez acreditar o presidente Lula, esperamos que toda a movimentação que está sendo feita no senado federal em torno de uma Proposta de Emenda Constitucional ao artigo 231, não encontre apoio na bancada do governo no Congresso Nacional. Uma mudança nesse sentido marcaria a história do Brasil como um dos maiores retrocessos contra os direitos dos primeiros e verdadeiros donos desta terra.

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