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Indígenas sem direito à voz

A Crítica, Cidades, p. C3
23 de Ago de 2002

Indígenas sem direito à voz

A realização da 1ª Conferência dos Pajés promovida pelo Governo do Estado viveu um dia de impasse ontem. A ausência da Coordenação das Organização Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) ou de lideranças indígenas na condução dos trabalhos do evento e a discussão de um texto já pronto da Carta de Manaus levou a muitos questionamentos.
Em carta encaminhada ao presidente da Fundação Estadual de Política Indigenista (Fepi), Ademir Ramos, a coordenação interventora da Coiab afirma que houve falta de parceria da Fepi com as organizações indígenas. João Neves Marworno, membro da coordenação, diz que a Coiab está passando por um processo de reestruturação que, em nenhum momento, reduz sua representatividade de 13 anos na liderança do movimento indígena. "Nunca estivemos a reboque dos eventos oficiais e não seria agora que isso aconteceria", afirmou Neves.
Na carta, a Coiab diz entender que parceria implica num trabalho conjunto, o que não aconteceu no caso da organização da 1ª Conferência dos Pajés. "A Fepi toma iniciativas e elabora documentos sem antes ouvir os índios. Esse tipo de atitude é contrária aos nossos anseios e não atende às nossas expectativas", diz João Neves, explicando que o movimento indígena tem condições de formular suas própria reivindicações, especialmente em assuntos difíceis de se dominar como os do conhecimento indígena. "Essa questão tinha que ter sido mais discutida. Não dá para receber documento só para assinar", assegurou.
O gerente técnico dos Projetos Demonstrativos para os Povos Indígenas (PDPI), Gersem dos Santos Luciano, também contestou a forma como foi conduzida a organização do encontro dos pajés. Isso, segundo ele, vinha sendo dito desde a primeira reunião sobre o encontro dos pajés. "Acreditamos que as questões religiosas e do conhecimento dos processos de cura realizadas por especialistas dos diversos povos indígenas deveriam ser tratadas com mais cuidado, sempre com a participação efetiva desses especialistas", afirmou Gersem, para quem os assuntos que dizem respeito à riqueza e ao patrimônio dos índios devem ser geridos por eles próprios.
Outra crítica feita foi com relação à representatividade dos pajés. Segundo Gersem, a grande maioria dos índios do evento não exerce esse papel nas aldeias, ou seja, não têm a capacidade de expor e discutir o amplo conhecimento dos pajés.

Participação é destacada

O presidente da Fepi, Ademir Ramos, disse que essa discussão é pequena diante da grandiosidade do evento que reuniu pajés. Ele destacou a participação das lideranças na discussão do Núcleo de Propriedade Intelectual Indígena, que foi coordenada pelo índio Jorge Terena, além de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Disse que a Coiab não quis participar, apesar de ter sido convidada, e que a carta que foi discutida ontem à tarde pelos pajés e líderes era, na verdade, uma proposta de carta que poderia ser alterada da forma como as lideranças entendessem. "Todos os parceiros têm conhecimento da carta, que foi feita antes por ser um assunto técnico, mas ela será submetida a emendas", disse Ademir, ontem à tarde. A proposta de carta, segundo o presidente da Fepi, foi escrita por lideranças que estão na base.

Pajé quer de volta sangue de irmãos

O pajé Davi Kopenawa, da aldeia ianomâmi de watoriki, criticou ontem a biopirataria e a violação dos direitos genéticos dos povos indígenas. Davi quer de volta o sangue de seus irmãos levado por pesquisadores norte-americanos para fazer estudos genéticos fora do País, há alguns anos. Davi quer que a sociedade, o povo brasileiro e autoridades ajudem a pressionar os Estados Unidos para resgatar os bens indígenas roubados.
Davi é um dos 40 líderes espirituais que participam da 1ª Conferência de Pajés. O evento será encerrado com uma confraternização entre tribos no Ariaú Towers, na maloca dos Tarianos, no domingo, dia 25. Davi tem um currículo extenso de luta contra a destruição dos ianomamis e o saber xamanístico. Tornou-se o porta-voz da nação no Brasil e no mundo e tem levado suas reivindicações por onde anda.
Marcos Terena, um dos criadores do movimento indígena no Brasil e coordenador geral dos direitos dos povos, disse que discutir, debater e expor propostas para a preservação do conhecimento tradicional, a etnobiologia, uma ciência empírica e milenar, é um dos passos importantes para levantar um tema escondido, mas tão importante: a soberania dos índios e do próprio Brasil.
Para o diretor do Inpa, Marcus Barros, chegou a hora de realizar uma integração indígena, preservando a natureza e o Estado contra a biopirataria. "O mais seguro é o casamento entre a segurança clássica e o conhecimento tradicional. Esse é um resgate que o Governo do Estado começa a fazer e que temos de acompanhar porque a tecnologia internacional avança muito rápido e tem domínio sobre a Amazônia", diz.

A Crítica, 23/08/2002, Cidades, p. C3

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