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Indígenas se mobilizam para travar extração ilegal de madeira no Parque Nacional do Monte Pascoal

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Autor: Duda Menegassi
12 de Fev de 2020

Os conflitos de uso e ocupação da terra no Brasil existem desde que as primeiras caravelas portuguesas aportaram no litoral brasileiro. Parece sintomático, portanto, que um dos locais onde esse embate é mais grave e complexo seja exatamente aos pés do monte que teria feito Cabral exclamar o famoso "Terra à vista!" e aportar pela primeira vez no país. A visão que o navegador português teve em 1500 do morro emblemático rodeado por uma floresta verde exuberante que se estendia até tocar o mar, entretanto, não existe mais. A Mata Atlântica antes dominante na paisagem do sul da Bahia a cada ano perde mais espaço frente aos avanços da extração ilegal de madeira e das monoculturas de eucalipto.

Quase meio século depois da esquadra de Cabral, em 1961, o Monte Pascoal, como ficou conhecido o morro, virou uma unidade de conservação integral: o Parque Nacional do Monte Pascoal (BA). À época da criação, entretanto, da mesma forma como há 500 anos, a terra já tinha seus habitantes nativos: os índios Pataxós. O reconhecimento oficial do direito ao território pelos indígenas só veio trinta anos depois, com a homologação da Terra Indígena Barra Velha (Decreto No 396/1991), com todos os seus 8.627 hectares reconhecidos sobrepostos à área do parque. A sobreposição de áreas protegidas, entretanto, não significou proteção extra e tampouco foi capaz de impedir a extração ilegal de madeira. "Sumiram os parajus, os jacarandás, as braúnas, essas madeiras nobres... É um monte de árvore que não existe mais no parque", lamenta a gestora do parque, Cássia Saretta.

A retirada de madeira é um conflito entre os próprios indígenas, já que parte deles está envolvida na extração enquanto outra parte luta pela preservação da mata e entende que ela é sua maior herança e legado. "A floresta é minha mãe", conta o cacique Braga, da aldeia Pé do Monte, uma das 17 que vivem dentro e no entorno do parque. O impasse entre os índios e a falta de fiscalização fez com que o Conselho de Caciques das aldeias do Monte Pascoal tomasse uma decisão na última sexta-feira (07/02): fechar a porta da guarita principal do parque e revezar turnos de vigia durante a noite para bloquear a entrada e saída de caminhões de madeira.

"Essa tiração de madeira não é de agora e está prejudicando a gente. Tomamos a decisão e passamos o cadeado no portão. O parque não está fechado para os visitantes, nem para os parentes e moradores das aldeias, não está fechado para o carro do ICMBio, do IBAMA nem da Polícia Federal. Nós fechamos a porta para os carros madeireiros", explica o cacique Braga, que aponta que a última operação de fiscalização no parque foi há pelo menos uns 3 anos.

Ele conta que o esforço, por ora voluntário de vigília, é uma medida emergencial, mas que eles esperam ter apoio dos órgãos ambientais para institucionalizar a vigilância permanente na guarita, que apesar de não ser o único acesso possível ao interior da unidade de conservação é a entrada principal do parque.

Presidente do Conselho de Cacique da Terra Indígena Barra Velha, o cacique Alfredo Santana reforça o apelo por fiscalização e apoio. "Decidimos fechar o portão do pé do monte para não sair um graveto mais deste parque nacional por aqui. E pedimos à justiça que nos apoia, por fora, que faça seu trabalho de fiscalização e que possa nos ajudar", fala em vídeo gravado e compartilhado nas redes após a primeira noite de vigília. Vários pedidos por fiscalização já foram protocolados por indígenas junto ao Ministério Público.

Gestora e única servidora do parque e de seus 22 mil hectares, Cássia admite a dificuldade em fazer a fiscalização do território pela ausência de apoio e explica que aposta no diálogo com os pataxós. "Nossa opção foi por realmente tentar uma gestão compartilhada com os índios. Foi uma aposta nossa. Todos os meus brigadistas são indígenas. Todos os meus vigilantes são indígenas. A gente tenta contratar sempre mão-de-obra das aldeias. Mas a gente precisa de apoio. Eu preciso que as outras instituições estejam comigo. Eu preciso que a FUNAI [Fundação Nacional do Índio] esteja mais presente no território, preciso que o IPHAN - já que é um patrimônio tombado -, as Polícias Militar, Federal e Rodoviária estejam presentes comigo. Além das Organizações Não Governamentais (ONGs) para apoiarem e pensarem em projetos que seriam interessantes para os índios, como alternativa de renda à extração de madeira", explica.

Uma alternativa é exatamente o turismo, por sua vez repelido pela extração da madeira. "A extração ilegal de madeira chegou num ponto em que eles começaram a extrair a madeira das trilhas que os outros índios usam quando levam os turistas", conta Cássia.

A visitação no parque funciona através do turismo de base comunitária. Não há cobrança de ingresso para entrada, mas os guias - todos eles indígenas - cobram um valor pelo passeio. A atividade é a principal fonte de renda para alguns dos moradores das aldeias do entorno.

"Chegou o dia em que o companheiro foi levar o turista no Poço Sagrado e no acesso ele encontrou pilhas de madeira cortada. Isso para nós é uma grande vergonha. O Pataxó tem vergonha. A gente tem vergonha de falar que estamos preservando e chega lá e o turista vê a madeira empilhada na trilha", lamenta o cacique Braga.

Em 2018, o Parque Nacional do Monte Pascoal recebeu 1.150 pessoas (Fonte: ICMBio). "Em 2019, a gente estima um número parecido. É muito pouco para o potencial do parque. A motosserra tem afastado muita gente. Ninguém quer ir num parque onde tem motosserra e tiro. O parque precisa ser apropriado pela sociedade, para elas cuidarem do parque, e as pessoas hoje têm medo do parque. Nesse contexto todo, não adianta só vir fiscalização, precisam vir parceiros, projetos, coisas que mudem a estrutura", acrescenta a gestora.

"Essa madeira sai e vai para o país todo: Rio, São Paulo, Brasília, Curitiba, Santa Catarina. É madeira nobre, de qualidade: conduru, pau d'arco... E sai barato, porque é mercado ilegal. Quem está tirando não percebe que a mata é deles, dos filhos deles, e que eles vão pagar um preço muito alto por essa destruição. E quem trabalha na mata não tem dinheiro. Quem está ganhando mesmo são os atravessadores que estão vendendo essa madeira para fora", relata o Cacique.

Enquanto parte da madeira é levada em toras a diferentes centros comerciais, outra parte da madeira fica com os próprios pataxós, que a usam para fabricação de gamelas [vasilhas de madeira] e colheres de pau que são vendidas em barracas na margem da estrada, ao longo de todo trecho da BR-101 que conecta Porto Seguro ao parque.

Segundo a diretora-executiva da Fundação SOS Mata Atlântica, Marcia Hirota, falta também uma maior conscientização dos turistas sobre a origem da madeira dos produtos de artesanato. "Uma coisa é a exploração da madeira de forma legal e sustentável para atividades de subsistência ou usos culturais. Outra coisa é a exploração predatória, o industrianato, que é essa extração ilegal da madeira para produção do artesanato pro comércio. E as pessoas viajam pro sul da Bahia, compram esses produtos - gamela, pente, pilão - sem saber a procedência e nem imaginam que estão ajudando a devastar o que a gente tem de patrimônio ali na região. A pessoa está ajudando a desmatar a Mata Atlântica e não sabe", aponta a diretora-executiva.

O desmatamento no sul da Bahia

De acordo com os últimos dados de monitoramento divulgados pela Fundação SOS Mata Atlântica, entre outubro de 2017 e outubro de 2018, o estado da Bahia registrou o desmatamento de 1.985 hectares, o equivalente a quase 2 mil campos de futebol. O estado ocupa a quarta posição no ranking brasileiro do desmatamento na Mata Atlântica. Os dados de 2019 ainda não estão disponíveis.

Conforme explica Marcia Hirota, "Historicamente, a Bahia sempre esteve no topo do ranking de desmatamento dos estados da Mata Atlântica. É um estado que ainda tem muita floresta e isso faz com que ainda haja muita pressão sobre essas áreas. Não apenas no sul da Bahia, mas também no interior, nas matas secas". A diretora lembra ainda que resta apenas 12,4% da cobertura original da Mata Atlântica no país, "é um bioma que já foi muito devastado".

Dentro do Parque Nacional do Monte Pascoal, o último pico de desmatamento foi registrado no período entre outubro de 2015 e outubro de 2016, quando a unidade de conservação perdeu 632 hectares de floresta. O monitoramento só é capaz de identificar desmatamentos superiores a 3 hectares, o que invisibiliza as possíveis supressões arbóreas feitas em menor escala.

"Essa extração ilegal de madeira acontece há 30, 40 anos aqui. Eu já perdi a dimensão. Todo dia são 24 horas de movimento de madeireiros. Há indígenas se sentindo suprimidos do direito de manutenção da mata e da própria cultura indígena. Não pode ter vitimismo, mas também não pode só culpar. É um problema muito complexo", completa a gestora do parque.

Reflorestamento dentro do parque

Na contramão do desmatamento, no último domingo (09/02), houve uma ação de plantio de mudas nativas dentro de uma área desmatada no parque. A iniciativa é parte de um projeto financiado pelo BNDES e executado por uma cooperativa dos Pataxós, a Cooplanjé. O projeto visa a recuperação de uma área degradada de 220 hectares dentro do parque e os próprios índios da cooperativa são contratados para produzir e plantar as mudas. "Já saiu foi muita madeira, mas nós estamos lutando para recuperar a mata", afirma o cacique Braga. Um respiro de esperança, mas que ainda assim não basta para apagar o alerta vermelho na floresta.

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