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11 de Abr de 2025
Indígenas reivindicam demarcação como política do clima
Organizações pedem também mecanismos de financiamento diretos e eficazes
11/04/2025
Juliana Causin
Enfrentar a crise climática requer a participação dos povos que, ao longo de séculos, trabalharam na conservação dos ecossistemas que sustentam a vida no planeta. Esse é um dos argumentos de lideranças indígenas que exigem mais participação nas instâncias internacionais que se articulam para tentar frear o colapso do clima.
As organizações também alertam que, para boa parte dos territórios indígenas, a crise climática não é uma ameaça do futuro, mas uma realidade que já afeta as populações.
A inclusão dessas comunidades nas mesas de negociação e tomadas de decisão não é apenas uma questão de justiça, mas de sobrevivência do planeta, diz Valéria Paye, diretora executiva do Fundo Indígena da Amazônia Brasileira, mecanismo voltado para populações originárias.
"Não aceitamos ser só 'convidados'. Se hoje temos uma copresidente indígena na UNFCCC é porque lutamos por isso", afirma Paye, citando Sineia do Vale, do povo Wapichana, que é copresidente do Fórum Internacional de Povos Indígenas sobre Mudanças do Clima, conhecido como Caucus Indígena.
A própria criação do Caucus, em 2008, foi um marco ao institucionalizar um fórum permanente de articulação de povos indígenas como parte da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC). Mas a avaliação é que a participação ainda precisa ser mais efetiva nas decisões globais.
Para a conferência em Belém, as lideranças estimam a participação de 3 mil a 4 mil indígenas de todo mundo, números que superam em pelo menos quinze vezes a presença na COP de Dubai, até então aquela que mais teve a representatividade de povo tradicionais.
A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), chegou a pleitear, em Baku, uma copresidência indígena na COP30. "O pedido não foi acatado, mas a estratégia ajudou a chamar a atenção para a principal agenda dos povos indígenas, que é inserir a demarcação e a proteção das terras indígenas como políticas de clima nas NDCs do Brasil e dos demais países da Bacia Amazônica", diz Toya Manchineri, coordenador-geral da Coiab. Além disso, foi formado um grupo, capitaneado pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) com 15 representantes de povos indígenas dos cinco continentes para levar suas contribuições à presidência da COP30.
O tema da demarcação como ação aliada do clima consta ainda de carta de oito organizações da Bacia Amazônica, divulgada em fevereiro, com exigência de que os países coloquem a demarcação ou titulação dos territórios indígenas no centro de suas políticas climáticas e nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs).
"O reconhecimento da importância dos povos indígenas não pode ser apenas retórico; deve se traduzir em ações concretas que assegurem nossos direitos", afirma o texto assinado pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e Organização Nacional dos Povos Indígenas da Amazônia Colombiana (Opiac), entre outras associações brasileiras e latino-americanas.
O assunto também foi trazido à tona esta semana, na abertura do Acampamento Terra Livre, mobilização anual dos povos indígenas em Brasília, numa declaração conjunta assinada por organizações indígenas da Amazônia, das Ilhas do Pacífico e da Austrália.
"A partir de agora, estaremos unidos, declarando ao mundo que, se depender de nós, a COP na Amazônia será o símbolo de uma virada decisiva nas negociações e mobilizações climáticas", afirmam as organizações no texto. "A presidência brasileira da COP30 atendeu ao clamor dos Povos Indígenas da Amazônia e do Brasil e propôs a criação do Círculo de Liderança Indígena. Agora, aguardamos que essa instância se torne real e eficaz, e que tenha peso nos mais altos níveis. Não queremos uma instituição meramente simbólica e performática, sem impacto político concreto", declaram.
Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), cerca de 80% da biodiversidade mundial encontra-se em terras indígenas e comunidades locais. Paye lembra da contribuição dessas populações para preservação de áreas nativas.
Outra demanda é a criação de uma arquitetura financeira na UNFCCC que considere o financiamento direto a organizações indígenas, a partir de mecanismos próprios, com destinação de recursos voltados a ações climáticas de mitigação, adaptação, perdas e danos nos territórios indígenas.
Para reforçar a importância do tema, Kleber Karipuna, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) cita um estudo, encomendado pela Rainforest Foundation Norway, que revelou que menos de 1% do financiamento voltado para essas populações de fato chega aos povos indígenas. "Queremos que o reconhecimento sobre a importância da preservação pelas populações indígenas deixe de ser um reconhecimento somente científico e passe também a ser político, com apoio direto para as populações", avalia a liderança da Apib.
A avaliação de Paye é que a abertura do governo brasileiro para participação indígena na conferência em Belém ainda é limitada e que, por isso, essas populações têm se organizado em eventos paralelos e consolidação de "redes globais" de mobilização. Representantes indígenas também estarão na Cúpula dos Povos, espaço independente que vai reunir 400 movimentos sociais durante a COP30.
Para a conferência em Belém, a participação indígena e de povos tradicionais também esbarra nos problemas de infraestrutura enfrentados por outros setores da sociedade civil, que geram preços altos para quem busca hospedagem na cidade. A expectativa de organizações do setor é que o governo brasileiro consiga intervir para oferecer estadias mais acessíveis.
Além das demandas indígenas, lideranças quilombolas alertam para a falta de representação efetiva nos espaços da COP30. Érica Monteiro, liderança da Coordenação Estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará (Malungu), diz que, embora a COP no Brasil tenha um foco significativo em povos indígenas, outras comunidades tradicionais - como quilombolas, ribeirinhos e extrativistas - têm ficado à margem das discussões.
Ela critica a dificuldade de acesso a recursos e estruturas que permitam uma participação no evento, e observa que a organização da conferência precisa de espaço para essas populações.
"No Pará, somos 130 mil quilombolas. Quem está preservando as florestas hoje? São os povos tradicionais: indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores. Mas nossa voz não está sendo considerada", afirma ela, que acrescenta que a agenda prioritária do movimento é regularização fundiária dos territórios quilombolas. "Mas ainda não chamaram a população quilombola para uma conversa. É tudo muito distante." (Colaborou Andrea Vialli)
https://valor.globo.com/publicacoes/especiais/cop30/noticia/2025/04/11/…
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