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Indígenas querem ir além da curiosidade

Diário do Amazonas - Manaus-AM
Autor: Ivânia vieira
12 de Jan de 2005

A mídia (jornal e TV), fez uma festa de imagem com as cenas proporcionadas pela ocupação da sede da Fundação Nacional do Índio (Funai), por indígenas, em Manaus. Índios e índias pintados, armados de arco e flecha e cocar, em plena cidade, era um achado para flash e filmadora. Algo pitoresco. Desta vez, porém, os indígenas não se prepararam para receber autoridades, tratava-se de um protesto de verdade. Mas, foi o exotismo o que chamou a atenção.Virou manchete. As fotografias estampadas nos jornais e as imagens na TV ganharam maior dimensão do que a denúncia e a razão do protesto protagonizado pelos indígenas. Se esse é o meio para despertar o interesse da opinião pública e dar visibilidade às ações, os manifestantes conseguiram. O imaginário dos não índios parece guardar, com marcas fortes, as velhas cenas tão exploradas nas escolas, nas produções cinematográficas e nos relatos ora românticos, ora exóticos sobre os índios.

Há algum tempo as lideranças indígenas vêm denunciando uma série de problemas ao mesmo tempo em que pedem aos representantes governamentais que agilizem providências. O fazem espalhando documentos ou convocando entrevistas. Não têm conseguido respostas, pelo contrário, vêem a situação tornar-se cada dia mais grave. Acompanham, nas comunidades, o sofrimento de seus parentes e amigos, os programas não avançam emperrados por longo fio de desculpas dadas pelas autoridades. Muito além da representação de uma parte da realidade, mostrada na fotografia, está uma feição da luta dos indígenas. Nesse acontecimento os corpos seminus, as peles pintadas, os arcos e as flechas, os cocares e outros adereços dos indígenas não são parte de um desfile de moda, nem tampouco teatro, são o penúltimo gesto em um confronto provocado pela lentidão do Governo. É uma reação a não ação. As terras indígenas estão sendo comprimidas, gradativamente encurraladas em nome de outros projetos, reservas como a de Raposa Serra do Sol (RR) não se confirmam e os "novos" desbravadores desse Estado são representados, pela mídia, como salvadores da pátria, responsáveis pelo crescimento econômico. Nessa lógica, o problema são os indígenas e eles devem ser afastados, ignorados na mais profunda exclusão, a que inclui para negar. A revolta indígena não é apenas pela não demarcação da área dos Mura, no município de Autazes (AM) ou pela destituição do dirigente da Funai local. Cada ato não realizado soma-se a outro e faz surgir um panorama de omissão, de descaso. É esse cenário que os indígenas estão denunciando, sem exotismo.

Banalizar o ritual com o qual os manifestantes se apresentam é fruto do nosso enorme desconhecimento a respeito das culturas indígenas. As fotografias no jornal impresso ou nas imagens da TV não podem servir para saciar a curiosidade. É muito pouco e não resolve o problema da ignorância dos brasileiros sobre os indígenas. Que elas possam ultrapassar essa fronteira e ser instrumento de apoio na causa dos povos indígenas. Que o olhar firme, mais forte do que a tinta na pele, se concretize na decisão de não desistir e mobilizar o mundo, se preciso for. A fotografia é a porta de entrada. Existe, depois dela, um universo a ser revelado.

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