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Indígenas Potiguaras do Estado

DIÁRIO DE NATAL - RN
Autor: Jussara Galhardo Aguirres Guerra
19 de Jan de 2009

A partir do século XVI, com a expansão européia e o avanço colonial, ocorreu no Rio Grande do Norte, a exemplo de outras províncias, uma massiva ocupação territorial em busca do desenvolvimento de monoculturas e criação de gado. Imperavam, na oportunidade, os interesses econômicos de forma a expulsar os indígenas de seus territórios tradicionais, não importando a preservação da integridade desses povos, que tinham seu próprio modo de vida, costumes, cultura e
tradições. A ação religiosa efetivada pelos padres jesuítas foi um dos fatores responsáveis pela facilitação desse processo de desocupação das terras, chegando a confinar os diferentes grupos indígenas em aldeamentos. A ""fúria"" cristã impunha aos índios uma forma alienígena de pensar e de agir que abominava todos os padrões de cultura ancestral. Uma perseguição ideológica e cultural agia em parceria com o poder político-econômico na desestruturação dos povos indígenas. A Revista Sociologia - Ciência & Vida - Ano I; número 3 (p. 41-9) divulgou matéria intitulada Selva de Pedra. Em seu conteúdo, a autora do texto chama atenção para os estereótipos que impedem percepções de uma dinâmica histórica e cultural dos indígenas brasileiros, que estão cada vez mais inseridos num contexto urbano e
tecnológico sem perderem sua identidade. Hoje, convém ressaltar, mais da metade dos índios brasileiros moram nos centros urbanos, conforme a matéria aponta. Nesse sentido, muitas famílias se dispersaram, procurando lugares-refúgio em busca de paz e sobrevivência. Dizer-se ""índio"" soava como uma sentença de morte. Diante desse contexto adverso, a auto-referência ""caboclo"" agia como defesa estratégica, um eufemismo eficiente para o que se concebia no
senso comum como ""índio bárbaro"" e ""canibal"". No século XX, segundo dados historiográficos locais, já não havia mais quaisquer ""remanescentes"" indígenas no Estado; estava decretado o fim dos índios potiguares. Mas, a cada dia, esse suposto desaparecimento étnico perde sua força de convencimento. Vale lembrar que a imagem criada pelos estereótipos que consagra o ""índio puro"", o ""índio quinhentista"" é desvinculada da realidade histórica e específica dos diferentes povos indígenas no Brasil. Deve-se dar lugar a uma nova compreensão do ""ser índio"" inserido no contexto histórico e de transformação sócio-cultural constante. Para isso se concretizar, os arquétipos ""fossilizados"" referentes ao indígena devem ser banidos do senso comum e até do próprio meio acadêmico, onde ainda persistem certas opiniões conservadoras. De fato, o que não mudou, o que continua estático é o olhar perverso do outro. O próprio
órgão indigenista oficial, a FUNAI, gradativamente toma ciência da realidade indígena no Rio Grande do Norte e no Piauí. No entanto, faltam iniciativas dessa instituição no sentido de respeitar o auto-reconhecimento étnico e o atendimento às demandas diferenciadas das comunidades indígenas potiguares, sobretudo em questões territoriais. No Rio Grande do Norte inúmeras famílias se estabeleceram em ambiente rural, por meio de deslocamento dentro do próprio Estado, e por vezes, migrantes da Paraíba e de Pernambuco. Há famílias que se tornaram meeiras, ou seja, não são donas da terra em que trabalham, dividindo toda a produção com o dono da propriedade. Há ainda aquelas que perderam grande parte de suas terras para usinas e outros empreendimentos regionais. Algumas dessas famílias aderem a movimentos sociais em questões que envolvem conflitos de terras, no entanto seu reconhecimento como identidades diferenciadas dependerá de iniciativas dos próprios atores sociais, cuja prática de liberdade de expressão é algo muito recente em seu cotidiano histórico. É importante observar que esses grupos revelam história oral e memória social que fazem ponte com antecessores indígenas, revelando origens e identidades diferenciadas, apesar dos
discursos hegemônicos e oficiais ignorarem as histórias particulares. Assim sendo, ao se falar dos Eleotério do Catu - Canguaretama/RN, dos Mendonça do Amarelão - João Câmara/RN; dos Caboclos de Açu; da Comunidade de Banguê e à de Trapiá, estas últimas também em Açu; da Comunidade de Sagi, cujos antecessores Potiguara vieram da Baía da
Traição/PB, deve-se estar atentos à construção de suas identidades específicas e diferenciadas, além de sua conexão com antecessores indígenas, muito embora não apresentem contemporaneamente uma cultura marcadamente diferenciada (e nem poderia dada as adversidades sofridas) que se ajuste idealmente nos arquétipos construídos no senso comum com base no índio quinhentista ou amazônico. Portanto, o atual campo de batalha continua intensamente assentado em território político e ideológico, o que tem resultado em sérios danos à vida dessas famílias no decorrer de séculos de usurpação de seus direitos e da recusa de sua própria existência como grupos diferenciados. Todos esses grupos estão com problemas relacionados à questão territorial, a exemplo da comunidade da praia de Sagi, no litoral de
Baía Formosa/RN. A especulação imobiliária estrangeira está ameaçando tomar-lhe as terras para construção de resorts, inclusive desrespeitando a existência do cemitério local, onde jazem seus familiares há quase cem anos. Há indígenas Potiguara na comunidade de Sagi, vindos da Baía da Traição, e que ali se estabeleceram no início do século passado. Outras famílias da comunidade, além de ressaltarem a origem indígena, falam que se estabeleceram no lugar há mais de cem anos, muito antes do povoado começar a se desenvolver na região. Esses são apenas alguns exemplos da realidade peculiar e dos dramas enfrentados no cotidiano das alteridades locais. Por outro lado, sob um ponto de vista mais abrangente, é importante ressaltar que a partir do ano de 2005 as comunidades indígenas do Estado passaram a
participar ativamente de encontros, audiências públicas, marcando presença em diversos eventos culturais, além de elaborarem projetos em benefício de suas comunidades. Nessas ocasiões, eles têm demarcado suas peculiaridades históricas e culturais no Estado, mesmo sob resquícios de protestos obsoletos e ignaros. Mais recentemente, uma
representação dos Eleotério de Canguaretama/RN e dos Mendonça do Amarelão-João Câmara/RN esteve presente nas discussões da Comissão Nacional dos Povos Indígenas - CNPI, realizadas entre 15 e 17 de outubro de 2008, em Fortaleza. Os debates se desenvolveram com vistas a propor um novo conteúdo para o Estatuto Indígena. Dentre outras ações, a comunidade Mendonça (da etnia Potiguara), de João Câmara/RN, encaminhou projeto ao Ministério da Cultura no início deste ano e foi contemplada com o Prêmio Xicão Xucuru - Prêmio Culturas Indígenas. O referido projeto intitula-se Motyrum-Caaçu: unidos pela arte (o nome está escrito na língua Tupi que em português significa Mutirão no Mato Grande). O projeto realizará oficinas em outras comunidades indígenas, difundindo o ofício do artesanato indígena e, posteriormente, irá constituir o primeiro grupo de artesãos indígenas no Rio Grande do Norte. Foram encaminhadas mais de 500 iniciativas para concorrer a esse prêmio, mas apenas 102 foram contempladas, sendo esta no Rio Grande do Norte. Esse prêmio homenageia, em sua segunda edição (2007/2008), uma importante liderança indígena de Pernambuco - Xicão Xucuru, que lutou pelo retorno à posse e demarcação do território tradicional, bem como pela valorização da identidade Xucuru. Foi morto a tiros por pistoleiros que defendiam os interesses dos fazendeiros locais. Para finalizar sugere-se que, aqueles que não querem enxergar a luz do sol devem despir-se de velhas roupagens, arriscar-se na incessante busca do saber, sem temor, sair da tumba e, à luz do grande astro, clarear as idéias que
persistem teimosamente no obscurantismo.

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