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Indígenas no rastro dos sonhos

Marcos Terena
Autor: Marcos Terena
07 de Abr de 2003

Como primeiras nações do Brasil, somos cerca de 350 mil pessoas vivendo em mais de 500 terras indígenas reconhecidas pelo governo federal, apesar de nem todas terem sido demarcadas. Representamos um universo de recursos minerais, como o nióbio, e naturais, como a água potável e a biodiversidade, que preservamos ao longo de 500 anos de resistência como fator importante para a qualidade de vida de nossas gerações.

É possível ouvirmos índios falando francês no Oiapoque, castelhano no Amazonas e inglês no Pará, com sotaques nordestino, gaúcho e mato-grossense. E convivendo com ecossistemas estratégicos para o país, como o Cerrado dos Xavante, o Pantanal dos Terena, o Semi-árido dos Fulni-Ô, a Mata Atlântica dos Guarani, os Pampas dos Kaigang e, naturalmente, a Amazônia dos Karitiana ou dos Tembé, entre outros.

Quando caminhamos para o futuro, não podemos esquecer dos rastros de nossos antepassados. Ao vermos o presidente Lula subindo a rampa do Palácio do Planalto, acreditamos na possibilidade de concretizar sonhos remanescentes, como a demarcação de nossas terras, o respeito a nossa cidadania com um novo Estatuto dos Direitos Indígenas, sistema de saúde específico, programa de educação bilíngüe e capacitação para acesso universitário. Juntaria a isso a importância da nomeação de dirigentes indígenas para gerenciar essas ações e presidir a Funai (Fundação Nacional do Índio).

Países como a Bolívia e o Peru tiveram presidentes e vice-presidentes indígenas e, mais recentemente, no Equador, o presidente e coronel Gutierrez nomeou um líder indígena para ministro da Agricultura e uma mulher indígena para ministra das Relações Exteriores.

No Brasil, a ótica colonialista, racista e preconceituosa se esconde de governo a governo. A justificativa de que não existe um indígena que tenha unanimidade, capacidade política e visão administrativa sempre foi utilizada para descartar a presença indígena nas instâncias de poder, seja na ditadura militar, no governo neoliberal e, para nossa surpresa, também no novo governo.

É certo que um governo sério não pode se restringir apenas à nomeação de um índio ou de um branco para presidir o órgão indigenista. Muito menos a grupos políticos de ONGs e partidários que representam, pois gera desconfiança e indefinições que ocasionam invasão ao prédio da Funai, constrangendo servidores e o presidente do órgão.

Na verdade, o governo brasileiro nunca teve um plano para levar a verdadeira cidadania e dignidade ao índio, apenas o assistencialismo, que deturpou essa relação. Há o desafio de educar o sistema de governo do homem branco a respeito da questão indígena.

Sabemos o que o governo Lula representa para nossa gente e para o país, principalmente diante de um mundo conturbado pela fome, guerra e destruição ambiental. Falar dos povos indígenas e do governo Lula significa não perder a fé na possibilidade de um caminho comum, que não seja burocratizado em comissões e conselhos sob argumentos de consultas democráticas.

Precisamos de um plano mínimo e urgente que reorganize estruturalmente a Funai com definições claras e orçamentos compatíveis, visando ao fortalecimento e à eficiência de ações que se contraponham aos acordos políticos antiindígenas que já ocorrem em Roraima, no Mato Grosso do Sul, em Rondônia e no Amazonas.

Destacaria como experiências bem-sucedidas as ações afirmativas de governos como o de Jorge Viana, no Acre, e de João Capiberibe, no Amapá, que investiram na capacidade do índio para as obrigações administrativas, repassando recursos diretos para aplicações nas aldeias, sem esquecer do direito à representação política desses povos, nomeando assessores, elegendo vereadores, vice-prefeitos, prefeitos e até um suplente de senador.

Somos parte importante no processo de organização social, econômica, geográfica, religiosa e cultural do Brasil. No passado, ajudamos com nossa força de trabalho os portugueses, holandeses, franceses e espanhóis a equilibrarem suas relações de comércio exterior e prestigiamos a primeira missa católica e as estratégias militares. Houve um tempo em que buscamos a liberdade e o respeito mútuo numa aliança com negros e brancos, como ocorreu na Confederação dos Tamoios, no Quilombo dos Palmares e, mais recentemente, na Rio 92, na defesa dos direitos humanos e proteção ambiental e no combate à discriminação racial durante a Conferência da África do Sul.

As instâncias do governo popular e democrático não podem desconsiderar como parte de um novo diálogo a existência de uma consciência indígena no cenário nacional. Essa consciência vem ampliando suas conquistas nos debates da Organização das Nações Unidas (ONU), em um Fórum Permanente para as Questões Indígenas, em Nova Iorque; na Organização Mundial da Propriedade Intelectual, onde se debate a proteção dos conhecimentos tradicionais, em Genebra; na Organização dos Estados Americanos (OEA), onde está sendo redigida a Declaração Interamericana dos Direitos Indígenas, em Washington; participando e acompanhando ainda outros aspectos dos direitos indígenas no Brasil.

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