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Indígenas dão alerta

A Crítica, Cidades, p. C1
06 de Abr de 2005

Indígenas dão alerta
Humberto Costa prometeu que vai priorizar o atendimento de saúde nos hospitais próximos às aldeias

Durante o lançamento da Semana de Vacinação nas Américas, ontem, em Autazes, lideranças indígenas informaram o ministro da Saúde Humberto Costa a morte de 15 índios, dos quais sete crianças, por hepatite tipo delta e desnutrição. 0 problema atinge etnias no Vale do Javari

Claudia do Valle de equipe de A Crítica

As populações indígenas da Amazônia aproveitaram a presença do ministro da Saúde, Humberto Costa, na abertura da Semana de Vacinação nas Américas, ontem, no Município de Autazes (a 118 quilômetros de Manaus), na aldeia mura Trincheira, para denunciara ocorrência de mortes de índios no Estado do Amazonas. Do final do ano passado até agora, 15 índios (sendo sete crianças) morreram vítimas de desnutnção e de hepatite do tipo delta na região do Vale do Javari, principalmente das tribos canamari, na cidade de Atalaia do Norte (a 1.138 quilometro da capital). O sinal foi dado pelo coordenador geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Gecinaldo Barbosa Cabral, da etnia sateré-maué, durante a cerimônia de lançamento da campanha.
Internado
Um adolescente matis, do vale, das margens do rio Ituí, está internado na UTI do Instituto de Medicina Tropical (IMT), em estado grave, com suspeita de febre amarela ou hepatite B, apesar de ter sido vacinado em 1998. Três canamaris, da mesma região, recebem tratamento na enfermaria da unidade, já com a confirmação de hepatite. Os quatro foram transportados para Manaus no último sábado, de helicóptero.
0 ministro Humberto Costa garantiu que a situação no Vale do Javari será analisada e investigada para, no menor tempo possível, tomaras medidas cabíveis e urgentes. Ele adiantou que, a exemplo de outras situações críticas, como a existente em Dourados, em Mato Grosso do Sul, a ação deverá priorizar reforço no quadro de agentes, no atendimento nos hospitais próximos às aldeias, na distribuição de cestas básicas e bolsas-família, além de financiamentos para as comunidades se tornarem auto-sustentáveis.
Abandono
"Sabemos que a situação e dramática, mas trata-se de um abandono histórico ao qual essas populações foram relegadas por anos. Hoje, a saúde sanitária indígena é de responsabilidade do Ministério da Saúde e da Funasa por determinação do presidente Luís Inácio Lula da Silva. Antes não havia nada", diz Humberto Costa, afirmando, no entanto, que é um escândalo a mortalidade infantil precoce, antes de 1 ano, por desnutrição e outras enfermidades.
Doenças como febre amarela, cuja mortalidade tem sido de 50%, de 1998 a 2004 - para os 21 casos registrados ocorreram 11 óbitos -, e hepatite podem ser controladas com a vacinação, um dos motivos da campanha aberta ontem, que busca imunizar os povos que vivem nas áreas mais isoladas,vulneráveis e de difícil acesso do Brasil. E a aldeia Trincheira foi escolhida como sede para o lançamento por representar um povo acostumado à luta, como a travada durante a Cabanagem, e por realizar um bom trabalho na área de saúde indígena, apesar da distância dos pólos.
Preocupado com os casos recentes de mortes nas tribos brasileiras, na próxima semana o presidente Lula estará reunindo ministros de pastas estratégicas - Saúde, Desenvolvimento Social, Educação, entre outros - para traçar planos de atuação e combate às doenças, especialmente as endêmicas, que pioram a qualidade de vida das populações ou até mesmo aumentam a mortalidade no País. E em maio, atendendo a pedido feito por Gecinaldo, ontem, em Trincheiras, o ministro receberá lideranças indígenas para tratar de uma carta de solicitações dos povos da Amazônia Brasileira. Além do alerta, o coordenador da Coiab chamou atenção para o trabalho permanente de imunização que deve ser feito nas tribos brasileiras. 0 primeiro passo para estabilizar e transformar em rotina a vacinação entre os povos, segundo o ministro, está acontecendo com a semana, que prioriza no Brasil, neste momento, as aldeias com baixas coberturas vacinais; os locais com fragilidade de informações; e as inter-fronteiras, que aumentam o risco epidemiológico.
Vacinação
Quarenta e cinco milhões de pessoas, entre crianças e adultos, deverão ser vacinados nas Américas durante esta semana. Os dados são da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), do representante no Brasil, Horário Toro Campo, que acredita que ninguém ficará sem receber as doses de imunização do calendário básico, que protege contra 14 doenças (poliomielite, tríplice viral e bacteriana, tetravalente, hepatite B, BCG, varicela, influenza (gripe), pneumococos, dupla adulto, febre amarela e Haemophilus influenzae tipo B). "Todos os países escolheram diferentes maneiras de abrir a semana e o Brasil dá exemplo quando a autoridade máxima em saúde do País viaja do centro e vai até um dos lugares mais distantes para vacinar."
Ontem, em Trincheiras, às margens do rio Preto Pantaleão, onde vivem 350 índios, o pequeno mura Sávio Santos Santos, 4, foi o primeiro a receber uma dose da gotinha das mãos do ministro.

Destaque
Para combater os problemas de saúde das tribos Indígenas, o Ministério da Saúde usará a força do Exército brasileiro, para ampliara cobertura vacinal. Além disso, será lançada a bolsa-trabalho para levar profissionais a áreas de difícil acesso do' País, onde é complexo manter um posto de saúde.

BLOG
Raimundo Siqueira
Tuxaua Mura de Trincheira
"A vacinação é um ato muito importante para a tribo. É também um prazer receber a todos que querem ajudar. Trincheira foi escolhido para abrir a campanha, mas todos os municípios estão envolvidos na vacinação e terão atividades do tipo, envolvendo as etnias. Juntos, podemos alcançara melhoria e a saúde". As palavras do índio mura Raimundo Siqueira, tuxaua da aldeia Trincheira, foram de agradecimento pela atenção dada aos povos da Amazônia, ontem, em Autazes.

Números
30 de abril é o último dia da vacinação nas Américas. A previsão é aplicar 30 mil doses de vacina no Brasil, atingindo 550 aldeias, principalmente crianças até 5 anos, mulheres em idade fértil e gestantes.
18 Distritos Sanitários Especiais Indígenas serão beneficiados, no Acre, Pará, Roraima, Amazonas, Mato Grosso, Tocantins, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco, Minas Gerais e Espírito Santo.
7,5 mil índios mura vivem em Autazes, cidade com 32 mil habitantes. No município, até o dia 12, serão vacinados crianças, homens e mulheres das 11 aldeias.
R$ 23,10 é o valor per capita, repassado pelo Ministério da Saúde, para a capital Manaus, para ações de atenção básica. No Estado atuam 5.267 agentes comunitários.

Zé Gotinha fez a alegria das crianças
Um Zé Gotinha com cocar indígena foi a figura emblemática da abertura da Semana de Vacinação nas Américas, que no Brasil vai priorizar os índios. 0 ministro da Saúde, Humberto Costa, acompanhado do secretário de Estado da área, Wilson Alecrim, do presidente da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Valdir Camarcio, do representante da Organização Pan-Americana (Opas), Horário Toro Campo, e do membro da Unicef, Marcelo Mazoli, chamou atenção para a dimensão e as imensas dificuldades de se fazer saúde e promover o bem-estar às tribos indígenas da Amazônia e a necessidade de se ter um tratamento diferenciado para as cidades de difícil acesso do País. Como exemplo, ele citou o financiamento para o programa Saúde da Família, cuja verba para comunidades índias, quilombolas e áreas de assentamento é 50% maior do que para o restante do sistema.
"Há muito o que se fazer e sérios problemas, duplamente negativos, em relação à população brasileira, nas tribos, de desnutrição, DSTs, tuberculose e alcoolismo. Mas estamos reestruturando a política de saúde indígena, assumindo a responsabilidade sanitária, em alguns casos em parceria com ONGs sérias e respaldadas nos interesses da Nação", explica Humberto Costa.
Agressão e revolta, em pleno século 21, para o ministro, é ver mortes de crianças com menos de 5 anos por desnutrição, como aconteceu no Município de Dourados (MS), que revelou a pobreza impiedosa nas aldeias locais, dos guarani-caiuá, que garantem que a situação é conseqüência histórica da falta de terra. Entre as causas dos seis recentes óbitos indígenas na cidade, registrados nos primeiros dois meses do ano, estão a baixa qualidade da saúde e a contaminação da água.

A Crítica, 06/04/2005, Cidades, p. C1

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