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Índice mostra São Paulo com padrão de consumo insustentável

OESP, Especial, p. H3
27 de Jun de 2012

Índice mostra São Paulo com padrão de consumo insustentável
Estudo da WWF e da consultoria Ecossistemas revela que paulistano tem estilo de vida predador ao planeta e distante do modelo sustentável

CLARISSA THOMÉ / RIO

Uma das conclusões da Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável encerrada na semana passada, é de que o mundo precisa alterar radicalmente seus índices de consumo para lidar com o esgotamento dos recursos naturais do planeta. Um levantamento divulgado durante a Rio+20 mostrou que a lição precisa ser feita aqui mesmo em casa: de acordo com o estudo, se todos os 7 bilhões de habitantes da Terra tivessem o mesmo estilo de vida do paulistano, seriam necessários 2,5 planetas para sustentar esse padrão de consumo. Levando em conta todo o Estado de São Paulo, onde o padrão é menor do que na capital, ainda haveria necessidade de dois planetas.
Esse é o cálculo da pegada ecológica, índice que mede o impacto do estilo de vida sobre os recursos naturais. Ou seja: o rastro deixado pelos seres humanos no lugar onde vivem. Quanto mais rica é a família, maior é a pegada. O estudo foi feito pela organização não governamental da WWF e pela consultoria Ecossistemas, com o apoio da Prefeitura e do governo do Estado de São Paulo.
A pegada ecológica é a área que seria necessária para garantir determinado padrão de vida. O paulistano precisa de 4,38 hectares. Já o paulista, 3,52 hectares. Isso é considerado muito, uma vez que o planeta tem a oferecer apenas 1,8 hectare por pessoa.
Para chegar a esse número, são levadas em consideração informações como emissões de CO2, hábito de comer carne, moradia, lazer e consumo. "Conhecer a pegada não resolve todos os problemas ambientais, mas é um indicador importante do monitoramento dos recursos naturais. Depois do cálculo tem de haver mobilizações para que o consumo seja mais racional e depois iniciar a fase de compensação", alertou Michael Becker, coordenador do estudo.
Faixa. No Brasil, a WWF já havia feito o cálculo da pegada ecológica, mas só em Campo Grande (MS). Lá, o valor é de 3,14 hectares. Em São Paulo, pela primeira vez, foi analisada a pegada de acordo com a faixa de rendimento familiar. Para famílias do Estado de São Paulo que ganham até dois salários mínimos, é preciso uma área de 1,8 hectare por pessoa (o que equivale ao índice verificado em Gana, um dos países mais pobres do mundo).
Entre as que têm rendimento de mais de 25 salários mínimos, a área chega a 11,5 hectares por pessoa -próximo do nível registrado pelo líder do ranking, os Emirados Árabes (10,68).
Para Fabrício de Campos, diretor executivo da Ecossistemas, o brasileiro tem de estar atento ao tipo de alimento que ingere. O consumo de carne vermelha tem grande impacto na pegada ecológica, por conta da área utilizada para a criação do gado. Isso também ocorre com o tabaco, que é cultivado em amplas zonas agrícolas. A emissão de CO2 não tem tanto peso, porque o Brasil tem matriz elétrica bastante limpa.
No País, a pecuária e a agricultura são os fatores que mais contribuem para a pressão exercida sobre recursos naturais no País. A criação de gado representa 0,95 hectare dessa pegada - bem acima da média mundial (0,21). Essa pressão ocorre por conta da baixa produtividade. Já a agricultura foi responsável por 0,8 hectare, quando a média dos outros países é de 0,59.
Pelos cálculos da WWF, o planeta leva um ano e meio para renovar recursos consumidos e absorver o CO2 produzido durante um ano - o mundo consome 50% a mais do que a sua capacidade.

'Precisamos de uma sensação de urgência'

Entrevista: William Rees, ecólogo

A ideia de que a humanidade consome os recursos naturais mais rapidamente que a capacidade que o planeta tem de se regenerar - a chamada pegada ecológica - nascia há 20 anos em artigo do ecólogo canadense William Rees. Anos depois, seu aluno suíço Mathis Wackernagel desenvolveu a metodologia para medi-la e desde então a ferramenta se tornou o mais conhecido indicador de sustentabilidade. Nesta entrevista, Rees critica a lentidão na mudança de comportamento para um modelo de desenvolvimento sustentável.

Como surgiu a ideia de medir a pegada ecológica?

Desde criança eu era muito sensível ao fato de estar conectado com a terra. Nos anos 1970, comecei a me interessar pelo conceito de capacidade de suporte (o tamanho máximo que uma população pode ter para que o ambiente possa sustentá-la indefinidamente). Estava no começo do movimento ambientalista. Publiquei um paper sobre quanto a minha região, no Canadá, poderia sustentar, mas um economista me disse que se eu continuasse fazendo aquele trabalho, minha carreira acadêmica seria curta. Por causa de tecnologia, comércio, engenhosidade humana, imaginava-se que poderíamos crescer para sempre. Anos depois vi que a pergunta não era quanto uma região poderia suportar, mas quanta superfície da Terra é necessária para suportar esta população. Não importa onde ela está. Por exemplo, a Holanda. A população acha que vive na Holanda, mas eles excedem sua capacidade de suporte do país. Ele não teria como suportar um décimo da população na sua própria terra. É assim que medimos a pegada ecológica. Significa que o crescimento em um lugar requer recursos importados. As grandes cidades funcionam como drenos do que é produzido no campo. Mas as pessoas nas cidades não estão conscientes dessa ligação ou que seus padrões de consumo estão esgotando a terra de alguém ou o estoque de peixes de outro. A análise da pegada ecológica procura mostrar as consequências físicas e biológicas do modelo de crescimento. O mundo está além do seu limite. Usamos mais peixes, mais florestas, mais solos do que o planeta consegue suprir.

O conceito da pegada ecológica tem os mesmos 20 anos da Eco-92, que também buscou essa conscientização. Por que a mudança ainda não ocorreu?

Mudanças sociais sem revolução, sem catástrofe, são um processo muito lento. A esperança é que vamos aumentando a consciência das pessoas ao ponto que faça diferença para a mudança política. Até agora não fez. Precisamos de uma forte sensação de urgência. Mas como espécie, não queremos considerar a redistribuição da riqueza para resolver a pobreza. Porque isso significaria dividir, ter impostos justos, o mundo corporativo contribuir mais com a sociedade. No modelo corrente, favorecemos a ganância, o individualismo, perdemos o senso de comunidade e a compaixão. É muito difícil persuadir as pessoas que a coisa mais importante é cooperar pelos interesses mútuos em vez de competir para crescer mais que o outro.

Qual é o desafio?

Para que os países mais pobres possam crescer para um padrão razoável, os ricos deveriam retrair em seus níveis de consumo de energia e materiais. Temos de convergir para um estilo de vida sustentável, adequando todo mundo. Um mecanismo para isso acontecer é mexer nos preços. Até hoje não pagamos o real custo de produzir coisa alguma. Por exemplo, no Canadá eu pago por US$ 1,35 por um litro de gasolina, mas o preço verdade deve ser 5 ou 6 dólares. Se fosse assim, provavelmente eu usaria muito menos gasolina. E se custasse tudo isso, a economia iria responder. Teríamos de ter carros três vezes mais eficientes. Haveria um grande reajuste em toda a economia para reduzir consumo sem prejudicar o estilo de vida. Esta é a forma fácil de fazer.

Isso está longe der ser fácil.

Bom, é mais fácil que lidar com uma catástrofe, com as mudanças climáticas. Mas somos uma espécie que vive iludida ao pensar que preços baixos são sempre bons. Eles não são. / GIOVANA GIRARDI

OESP, 27/06/2012, Especial, p. H3

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,indice-mostra-sao-paulo-com…

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