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Índia tremembé só pode casar com índio

O Povo-Fortaleza-CE
Autor: Débora Dias
01 de Abr de 2002

Para proteger suas terras, os índios tremembé do Córrego João Pereira estabeleceram uma nova regra de convivência. Entretanto, só as mulheres têm de obedecê-la. Quem quiser casar com um não índio vai morar fora da aldeia

Dança do torém na comunidade dos Tremembé, entre os municípios de Itarema e Acaraú, onde vivem 336 pessoas numa área de 3.140 hectares

''O homem é quem manda''. Essa é a explicação dos índios Tremembé do Córrego João Pereira, localizados entre os municípios de Itarema e Acaraú, para justificar uma nova regra de convivência criada após a demarcação de suas terras. As índias que se casarem com homens de fora do grupo têm de sair da aldeia. Porém, o mesmo não acontece com os índios, que podem levar mulheres de outros lugares para os territórios Tremembé. O fato acontece a 276 quilômetros de Fortaleza.

Os índios alegam que a regra tenta impedir pessoas que não são da comunidade de se apropriarem da terra e afastarem os descendentes nativos dos costumes indígenas. Segundo José Itamar Teixeira, líder Tremembé, como ''a educação dos filhos é dada pelos homens'', não há risco se a companheira for de outro lugar. Apesar disso, ele reconhece que são as mulheres que cuidam das crianças.

A regra foi aprovada em assembléia com a presença de mais de 60% da comunidade. ''Somos muito democráticos'', garante José Itamar. A coordenadora do Grupo de Mulheres Tremembé do Córrego João Pereira, Maria do Socorro dos Santos Moura, 46, confirma que as próprias índias concordaram com a decisão. De acordo com a líder, que fala pouco, ninguém foi contra. Mais desinibido, José Itamar completa: ''Não posso lutar contra um sentimento que tá dentro da gente''.

''O pai é o definidor do direito à terra'', afirma o antropólogo que coordenou o grupo de trabalho dos Tremembé do Córrego, Cristhian Teófilo da Silva. Ele explica que há uma ''patrilinearidade'' nas relações familiares dos Tremembé. Depois que os pais morrem, são os filhos homens que herdam a terra. Resta às filhas construírem suas casas perto do terreno da família.

Na divisão do trabalho, o homem também é o mais valorizado. Segundo o antropólogo, as principais culturas de subsistência são de responsabilidade deles. Entretanto, seus trabalhos são periódicos. E mesmo quando trabalham na lavoura, podem descansar quando chegam em casa.

''As mulheres não param nunca'', compara Cristhian. Ele diz que, além de trabalharem na roça ''maior'' com os homens, elas também são responsáveis pela roça ''menor'', que fica geralmente no quintal. O cuidado com casa e filhos e a criação de pequenos animais, como porcos e galinhas, são outras atribuições femininas. Em sua avaliação, as mulheres têm muito mais trabalho que os homens e, apesar de pouco reconhecidas, desempenham um enorme papel na comunidade.

''Quem se preocupa com a água da aldeia são as mulheres. Questões de casa, o homem não quer nem saber'', admite José Itamar. Foi a partir da necessidade de garantir água para todas as aldeias que as índias criaram o Grupo de Mulheres Tremembé do Córrego João Pereira.

As 72 integrantes do grupo se reúnem para discutir problemas da comunidade e encaminhar soluções há cerca de seis meses. Os encontros acontecem ao ar livre, em baixo de árvores. A organização feminina já conseguiu que a Fundação Nacional de Saúde construísse poços em todas as aldeias do Córrego João Pereira.

Além da água, as índias também lutam por educação diferenciada e melhor assistência de saúde. Cristhian Teófilo observa que as mulheres têm uma presença política muito forte naquela área. ''São elas que seguram a terra'', conclui.

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