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Índia que seria enterrada viva volta à aldeia

O Popular-Goiânia-GO
Autor: Isabel Czepak
08 de Set de 2003

Tanomakalu, de 17 anos, registrada como Tanna pelos pais adotivos, embarcou no sábado para uma temporada na aldeia Kuykuro, no Xingu

Há 17 anos, quando Tanomakalu Kuykuro nasceu, o pai queria um menino. No dia do parto, ele não estava na aldeia, havia viajado. Mas, como já havia manifestado seu desejo, a mãe resolveu fazer o que mandava o costume kuykuro, tribo indígena que vive no Parque Nacional do Xingu, no Mato Grosso: cavou um buraco, pegou a menina ainda com a placenta e jogou dentro. Quando estava pronta para enterrá-la viva, a enfermeira a serviço da Fundação Nacional do Índio (Funai) na aldeia, Maria Lenes Damasceno, então com 37 anos, pediu para ficar com o bebê.

A mãe aceitou. Maria tirou Tanomakalu do buraco, lavou-a e cortou o cordão umbilical. Rasgou as próprias roupas para embrulhá-la. Quinze dias depois, a menina era levada para Brasília, onde passou os primeiros meses de vida, até ser adotada pelo irmão de Maria, que sempre morou no Tocantins. Há dois anos, pai legítimo e filha se reencontraram. Desde então vivem uma história cheia de conflitos e culpa, de idas e vindas de Tanomakalu ao Xingu. No sábado, ela embarcou mais uma vez para a aldeia kuykuro, depois de se encontrar com o pai em Goiânia, na casa de Maria.

Yakallo Kuykuro, de 54 anos, vice-cacique de sua tribo, arrependeu-se de ter rejeitado a filha no dia em que voltou de viagem, logo após o nascimento da menina. Conta que ficou angustiado de pensar que Tanomakalu pudesse ter sido enterrada viva. "Não devia ter falado que não queria a menina", reconhece, com lágrimas nos olhos. Desde então, tem tentado mudar o costume do seu povo, mas os demais caciques são contra. Na semana passada, enterraram um menino que era filho de mãe solteira. "Acho errado, mas os outros caciques querem preservar o costume."

Na tribo no Xingu, se o pai não quer uma filha, se a criança (menino ou menina) nasce com alguma deficiência, é filha de mãe solteira ou se são gêmeos, os bebês são enterrados vivos. Mas o costume já está sendo revisto pelos kuykuro. Nos últimos tempos, muitas crianças, ao invés de serem mortas, foram doadas para outras tribos. "É o mais certo", argumenta Yakallo. O vice-cacique diz que tem pena dos bebês, mas também está preocupado com a possibilidade de seu povo desaparecer. "Somos só 560 índios. Precisamos que essas crianças cresçam e tenham filhos para aumentar o nosso povo."

Quando soube que a filha havia sido doada pela mãe, Yakallo pensou em pedi-la de volta, mas acabou aceitando a decisão da mulher. "Disse para Maria que ela levasse minha filha para estudar e que, um dia, a trouxesse de volta, para ensinar o que aprendeu à tribo." Quando a menina já estava engatinhando, os pais a reencontraram numa viagem à Brasília. "Minha mulher chorou muito e brigou comigo. Já tinha outro filho, mas queria a menina de volta. Aí, a Maria já havia se apegado a ela e não quis nos devolver." Maria conta que tinha medo de Tanomakalu não se adaptar. "Ela estava acostumada a outro tipo de vida."

Registrada pelo pai adotivo como Tanna Makallo Medeiros Damasceno, a menina passou 15 anos no Tocantins. A rebeldia adolescente a colocou frente a frente com o pai verdadeiro. "O pai adotivo dela passou uma mensagem por rádio dizendo que os dois não estavam se entendendo e pediu para devolvê-la", conta Yakallo. O encontro foi em Brasília. "Nós dois choramos muito. Ela não me aceitava, não queria ir." Contrariada e com medo, Tanna enfrentou uma viagem de 18 horas rumo ao desconhecido. "Foi um choque entrar pela primeira vez numa maloca", conta a adolescente.

Tanna foi recebida como uma princesa. "Todos foram muito carinhosos comigo, sabiam da minha história. Mas não consegui me adaptar." A menina voltou para a casa dos pais adotivos. Depois disso, já morou em Brasília, sob a guarda da Funai, mas também não se adaptou. De volta à aldeia, passou um ano e meio lá. Até que a mãe adotiva a chamou de volta. Estava com saudades. Cursando o primeiro ano do ensino médio, Tanna diz que quer "dar um tempo" na escola. Pensa que essa nova visita aos pais verdadeiros deve durar dois anos.

"Não penso em ficar lá definitivamente. Esse nunca foi o meu propósito." Yakallo quer a filha ao seu lado para sempre. "Quero que ela se case com alguém da tribo e tenha filhos." Educada como branca, dona de uma personalidade forte, Tanna diz que só vai se casar quando e com quem quiser. Também não pretende dividir o marido com outra, como é o costume da comunidade indígena. Nem enterrar vivo um filho seu. "Sei que é o costume deles. Mas não aceitaria, jamais." Se vai conseguir se entender com o pai, ela não sabe.

Por enquanto, Tanna se ocupa em conhecer os costumes, aprender a língua e em se divertir nas festas. "Quando chego lá, corto a franja e me pinto como as minhas irmãs. Acho bonita uma faixa vermelha que as mulheres usam e adoro dançar." O pai já avisou que um pretendente a espera. Mas, de casamento, Tanna só quer falar daqui a uns três anos, "pelo menos". Primeiro, quer concluir os estudos.

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