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Incra vai retomar terra de prefeito grileiro

O Globo, O Pais, p.14
03 de Mar de 2005

Incra vai retomar terra de prefeito grileiro
Evandro Éboli
Enviado especial
O Incra deverá retomar o lote do qual o prefeito de Anapu, Luiz dos Reis Carvalho (PTB), se apropriou há oito anos. A terra pertence à União e foi grilada pelo prefeito, que está irregularmente na área e não tem título de posse da propriedade. O presidente do Incra, Rolf Hackbart, afirmou que o governo vai retomar a terra se o prefeito não comprovar a titularidade.
— Vamos retomar todos os imóveis irregulares na região — disse o presidente do Incra.
O lote do prefeito tem cem hectares. Uma portaria divulgada pelo Incra no final de 2004 obriga que todo proprietário de terra que tenha até cem hectares a se recadastrar até abril para provar ser o dono legítimo da área. O proprietário terá que apresentar a cadeia dominial da propriedade — uma série de documentos com histórico de posse da terra.
Prefeito alega falta de tempo para regularizar terra
Se não comprovar, o prefeito grileiro perderá o lote, assim como todos os outros grileiros de Anapu. Nos registros do Incra, Luiz Carvalho não aparece como proprietário de terra. O prefeito admitiu anteontem ao GLOBO que não tem documento da terra e alegou que não legalizou a área porque não teve tempo devido a seus muitos compromissos políticos.
O perito agrário do Incra Hugo Picanço, que atua no oeste do Pará, na região de Anapu, onde morreu a missionária americana Dorothy Stang, confirmou que o prefeito ocupa uma terra ilegalmente. Ele explicou que a terra do prefeito fica numa região conhecida como Colonização Oficial, faixa à margem da Transamazônica, cujos lotes foram doados pelo governo militar durante a construção da rodovia, nos anos 70. São terrenos de cem hectares que ficam a distâncias entre dez a 15 quilômetros da estrada. Picanço explicou que há lotes regulares e irregulares. Carvalho invadiu a terra há oito anos.
O prefeito cumpre seu quarto mandato eletivo. Foi duas vezes vereador e, pela segunda vez, foi eleito prefeito da cidade. Carvalho já foi do PL e do PFL. Agora está no PTB. Tem 52 anos e quatro filhos.
O oficial de Justiça Cledston Ramos Souza voltou ontem à região de Anapu para dar a imissão da posse de mais uma terra ao Incra. É o lote 108, de três mil hectares, da gleba Belo Monte. O oficial estava com reforço de 12 soldados do Exército e dois agentes e um delegado da Polícia Federal. Ele estava acompanhado também do perito do Incra Hugo Picanço, que participou do ato.
Pistoleiros são transferidos de avião para Belém
O grupo encontrou na área, que será destinada a assentamento, dois funcionários do grileiro da terra armados com espingarda. A PF apreendeu a arma de um deles, que foi liberado pela polícia. O outro conseguiu fugir. Em uma semana, este foi o terceiro lote que a União retomou a posse na Justiça e que o Ministério do Desenvolvimento Agrário destina para sem-terra e pequenos agricultores da região de Anapu.
O fazendeiro Délio Fernandes, acusado pelo pistoleiro Rayfran das Neves Sales, de estar envolvido no esquema que matou a freira americana, negou ontem, em depoimento à Polícia Civil, que fosse emprestar seu avião para fuga dos bandidos ou participar de algum rateio de dinheiro para pagar advogados dos assassinos. Ele disse que conhecia Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, acusado de ser o mandante, mas que não tinha amizade com ele. Délio afirmou que tinha respeito pelo trabalho da irmã Dorothy.
— Sou católico fervoroso — disse o fazendeiro.
Os três envolvidos no caso que já estão presos foram transferidos no início da tarde de ontem para Belém. Rayfran Salles, Clodoaldo Batista e Amair Feijoli ficarão presos no Centro de Recuperação Masculino de Americano, cidade próxima a capital do estado.

General diz que governo está no Pará para ficar
O chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, general Jorge Armando Félix, reconheceu que a presença do governo federal no interior do Pará tem sido espasmódica. Félix participou ontem de reuniões em Anapu e em Medicilândia. Em Anapu, encontrou-se com freiras que trabalhavam com a irmã Dorothy Stang e com líderes sindicais.
— Reconheço que é espasmódica a presença do governo e vamos fazer todo o possível para que não aconteçam tensões. O governo pretende se estruturar no estado, numa área que os governos têm estado ausentes. Nossa idéia não é deixar a impressão de que o governo chega com tudo e faz toda essa cena. Garanto que viemos para ficar. A lei vai ser aplicada em locais em que talvez nunca tenha sido — disse o general.
Félix disse que o governo está disposto a ajudar quem está ilegal a entrar na legalidade.
— Não se pode radicalizar para um lado nem outro. O mundo não é preto nem branco. É cinza. Quem hoje está ilegal e quer ficar legal, temos que ajudar.
O general confirmou que alertou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, dos riscos que ela corria na reunião da qual participou no dia da morte de Dorothy perto de Anapu.

NYT: crime foi recado
Em seu editorial de ontem, o jornal The New York Times” diz que o assassinato da freira americana Dorothy Stang não é só um crime terrível, mas um recado dos grileiros ao governo”. Segundo o jornal americano, os grileiros quiseram mostrar que comandam o Pará. O governo brasileiro, de acordo com o editorial, respondeu com determinação ao crime, mas não é certo que consiga ser forte o suficiente para provar que os grileiros estão errados.
O jornal explica que a violência no Pará não é novidade, mas se intensificou: o valor da terra subiu e os grileiros estão matando trabalhadores e queimando casas para tomar as propriedades. Quanto à reação do governo, conta que após o assassinato foram enviados 2 mil soldados ao Pará, além da criação de áreas de preservação e da proibição da extração de árvores em 8 milhões de hectares. Mas para o New York Times”, o desafio é fazer as mudanças perdurarem.
Para o jornal, o governo de esquerda do Brasil precisa resistir às forças que têm se provado mais fortes que a lei”.

O Globo, 03/03/2005, p. 14

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