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Incra infla números de reforma agrária

OESP, Nacional, p. A7
28 de Fev de 2011

Incra infla números de reforma agrária
Dados sobre assentamentos no governo Lula incluem famílias que já produziam na zona rural ou que ocuparam lotes abandonados

Roldão Arruda

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez mais pela reforma agrária do que todos seus antecessores juntos. É o que assegura uma série de números divulgada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). São dados que impressionam à primeira vista, mas também causam polêmica: segundo especialistas, eles foram anabolizados.
Pelos números do Incra, 48,3 milhões de hectares de terras foram incorporados às áreas de assentamentos e 614 mil famílias ganharam lotes rurais no período de 2003 a 2010. Isso significa que Lula teria garantido 56% do total de 85,8 milhões de hectares incorporados à reforma agrária em toda a história. Mais do que isso: ele seria responsável, sozinho, por 66,4% do total de 924 mil famílias assentadas no País.
Na opinião do geógrafo Ariovaldo Umbelino de Oliveira, pesquisador e professor de pós-graduação da USP, esses números não refletem a realidade da reforma de Lula. Para chegar a ela, é preciso desdobrar os números.
Ao fazer isso com os dados acumulados de 2003 a 2009, Oliveira verificou que quase um terço (26,6%) das famílias assentadas por Lula é, na verdade, constituído por famílias que já viviam e produziam na zona rural, mas sem título de propriedade. O trabalho do governo foi dar-lhes o título e incluí-las nos programas de apoio à agricultura familiar. "É acertado atender essas famílias", diz o professor. "Mas o governo deve esclarecer que não foram assentadas pela reforma."
Oliveira observou que também foram adicionados à coluna de novos assentamentos casos de famílias que ocuparam lotes abandonados em áreas de reformas já existentes. Pelas suas contas, eles representam 38,6% do total: "Isso é reordenação fundiária e não deveria aparecer na coluna de novos assentamentos".
Famílias que já tinham propriedade e tiveram que ser transferidas de um local para outro, em decorrência da formação de lagos para hidrelétricas, também foram usadas para engrossar a lista de novos assentados.
Após depurar os números do Incra, o professor concluiu que os novos assentamentos representam apenas 34,4% do total registrado de 2003 a 2009. Aplicando essa taxa ao número divulgado agora, pode-se concluir que foram assentadas 211 mil novas famílias - e não 614 mil.
A polêmica se estende ao volume de terras incorporadas. Quando se desdobra o total de 48,3 milhões de hectares destinados à reforma agrária no governo Lula, verifica-se que somente 4,5 milhões (9,3%) foram obtidos com desapropriações de áreas particulares. O grosso das terras - 43,3 milhões de hectares - eram terras públicas, da União ou dos Estados, localizadas sobretudo na Região Norte. "Isso é colonização e não reforma agrária, uma vez que não altera a estrutura fundiária", diz Oliveira.
Reforma possível. Para outro estudioso, o professor Bernardo Mançano Fernandes, do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (Nera), da Unesp, uma das principais características da política de Lula foi justamente a substituição da desapropriação pela regularização de terras. "Não havia força política para se fazer a reforma agrária com ênfase na desapropriação de terras improdutivas", afirma.
Lula, segundo Fernandes, fez a reforma possível, beneficiando famílias que podiam perder suas terras por falta de títulos e de assistência do governo. Transferiu para o futuro, porém, o problema da concentração da propriedade rural. "Ele apenas adiou o conflito pela terra."

Justiça atrasa desapropriação, alega órgão

O Judiciário constitui hoje o maior entrave para se conseguir a desapropriação de terras que poderiam ser destinadas à reforma agrária, segundo o presidente do Incra, Rolf Hackbart. "Atualmente existem 257 processos de desapropriação parados nas mãos dos juízes. Eles somam 500.415 hectares - terra suficiente para assentar mais de 20 mil famílias", afirma.
É essa resistência do Judiciário, segundo Hackbart, que teria levado os processos de desapropriação a perderem espaço no conjunto das ações de obtenção de terra para a reforma. Ele refuta, por outro lado, a acusação de que o Incra teria anabolizado os números do governo Lula.
"Quando promovemos a regularização fundiária e incluíamos as famílias no programa de reforma agrária, nós combatemos a grilagem e, ao mesmo tempo, passamos a oferecer crédito, recursos para a construção de casas, assistência, enfim, tudo que existe no programa da reforma", afirma. "Isso permite, sem nenhuma dúvida, incluí-las na contagem das famílias assentadas."
Ele também acha correto contar como novo assentamento a instalação de famílias em lotes abandonados. "Se o Incra pega a família que vive debaixo da lona de um acampamento e põe no lote, é justo contar como beneficiária da reforma."
Os créditos iniciais concedidos à família assentada somam hoje R$ 42 mil. Na Região Norte, onde se concentra a maioria dos assentamentos do Incra, cerca de 30% das famílias, segundo estudo do professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira, abandonam os lotes logo após receberem os créditos e venderem as benfeitorias realizadas (uma vez que não podem vender a terra).
Segundo o Movimento dos Sem-Terra (MST), o abandono deve-se sobretudo à precariedade dos assentamentos, que muitas vezes não contam nem com estradas de acesso ao lote.

OESP, 28/02/2011, Nacional, p. A7

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/2011022/not_imp685416,0.php
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/2011022/not_imp685417,0.php

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