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Incra avalia titulação de comunidades remanescentes de quilombos

ribuna do Norte
Autor: Itaércio Porpino
18 de Nov de 2007

Incra avalia titulação de comunidades remanescentes de quilombos

18/11/2007 - Tribuna do Norte

Itaércio Porpino - Repórter

Pelas contas do movimento negro, há no Rio Grande do Norte em torno de 60 comunidades remanescentes de quilombos, no entanto é muito provável que a grande maioria não tenha surgido como reduto de escravos.

O antropólogo Thiago Leite de Barros, responsável na superintendência regional do Incra pelo Serviço de Regularização de Territórios Quilombolas, reconhece que a identidade quilombola nessas comunidades é resultado de um processo de reconstrução. E o reconhecimento dessa identidade, na maioria dos casos, não parte de um desejo espontâneo da comunidade.

Mas a questão, segundo Thiago, não pode ser encarada apenas do ponto de vista histórico e antropológico. De acordo com o antropólogo, o conceito de comunidade remanescente de quilombo que dá respaldo ao movimento negro é mais amplo, pois se sustenta no decreto 4.877, de 20 de novembro de 2003.

O conceito não está atrelado aos escravos que fugiram. É um conceito metafórico, que se refere a grupos étnico-raciais com presunção de ancestralidade negra relacionados com a resistência à opressão histórica sofrida.

Houve uma manipulação do conceito para atender aos anseios de uma militância. Os próprios militantes reconhecem isso, diz Thiago Leite, que entende o processo de identificação das comunidades de quilombo como uma possibilidade dessas pessoas reaverem direitos que lhes foram negados.

O Serviço de Regularização de Territórios Quilombolas, trabalho que ele coordena na superintendência regional do Incra, tem como foco a regularização das terras de comunidades remanescentes de quilombo. O processo de definição e titulação começou em sete comunidades. O Incra esperava ainda este ano dar o título de posse de terra a três comunidades, o que acabou não se concretizando. Esse é um processo novo. Ainda estamos aprendendo, justificou.

Thiago Leite explicou que para que as terras sejam regularizadas há uma série de procedimentos. Um deles é o estudo antropológico, feito por um antropólogo. É necessário, antes, que a comunidade envie um requerimento se autoafirmando como remanescente de quilombo e solicitando a regularização.

Geralmente, isso não é feito pela comunidade, e sim por alguém de fora, do movimento negro. Não parte de um desejo espontâneo, diz Thiago, que acredita que no Rio Grande do Norte as comunidades negras rurais não tenham se originado de quilombos propriamente.

Historicamente, é provável que não tenha existido quilombos no RN, fala. As famílias que vivem nas comunidades negras que Thiago Leite tem visitado a trabalho não têm identificação com os antigos quilombos.

Ele cita Boa Vista dos Negros, em Parelhas. A comunidade teria se desenvolvido com a chegada de uma escrava alforriada que se instalou ali após receber de presente do seu senhor um pedaço de terra.

O desenvolvimento da comunidade de Jatobá, no município de Patu, também teria se dado da mesma maneira. Um negro que comprou sua liberdade se instalou lá com a família.

Passado de Negros do Riacho é desconhecido

Depois que Tereza Maria da Conceição morreu, aos 104 anos, seu Laurentino Lopes da Silva, de 89, passou a ser a pessoa mais velha de Negros do Riacho, em Currais Novos. Tereza não contou nenhuma história aos mais novos sobre a origem da comunidade, e tudo que seu Laurentino sabe dizer é que seu pai foi um dos primeiros a chegar naquele tabuleiro, vindo de longe.

Se os mais antigos desconhecem o passado de Negros do Riacho, pior os mais novos. Não ficou registro escrito nem memória oral dando conta de que a comunidade tenha se originado de um quilombo, e é muito provável que não tenha surgido como reduto de escravos fugidos. No entanto, a comunidade foi reconhecida há poucos meses como remanescente de quilombola. Com ela, são 15 as que têm esse certificado no Rio Grande do Norte.

O que as famílias de Negros do Riacho sabem é que esse reconhecimento é importante para o processo de titulação das terras. Todos têm esperança de que esse processo, que ainda não teve início lá, melhore a vida na comunidade, pois a miséria é grande.

Negros do Riacho é uma comunidade rural que fica a 12 km de Currais Novos. Chega-se ao povoado por uma estrada estreita de areia. À beira do asfalto, uma panela de barro gigante indica o caminho até o local. A paisagem é seca - do riacho, só sobrou o rastro cortando o tabuleiro.

Isalice Lopes faz pote de barro, ofício que aprendeu com o pai Laurentino Lopes da Silva. Esse é o trabalho que tem, além de apanhar lenha para fazer carvão. Os moradores da comunidade também pedem dinheiro. Lá não há escola, creche, posto de saúde nem telefone público. Até 2005, as casas eram de taipa. As moradias antigas foram erradicadas por meio do projeto Dignidade, do Governo do Estado. A iniciativa também viabilizou documentos de identificação para os moradores. A comunidade ainda passou a contar com um sistema de abastecimento d´água com dessalinizador que transformou em água potável a água salobra.

Orgulho negro em Macaíba

Maria Basílio da Lídia, presidente da Associação de Mulheres de Capoeiras, em Macaíba, conta que foi ela quem começou com essa história de orgulho negro na comunidade. Eu envolvi a comunidade nisso. Antes, ninguém queria dizer que era negro; se alguém se referisse a Capoeiras como Capoeira dos Negros comprava uma briga, saía debaixo de pau, diz Lídia.

Hoje, segundo ela, todos têm orgulho de sua cor. Eles sabem que é importante, que a situação vai melhorar, pois os negros têm seus direitos. Lídia, no entanto, não começou sozinha o trabalho de conscientização na comunidade. Ela foi influenciada por uma liderança do movimento negro no Rio Grande do Norte.

Essa pessoa viu uma entrevista que eu dei, há uns 15 anos, e me procurou. A partir daí, passei a participar de encontros do movimento. Capoeiras foi reconhecida como comunidade quilombola e está no processo de titulação, comemora. Lídia conta que ouvia muitas histórias de um tio seu sobre o passado da comunidade e nessas histórias ele falava que a primeira pessoa que chegou em Capoeiras foi uma escrava fugida de uma fazenda.

Essa escrava deixou na comunidade netos e bisnetos, como a menina Tainah, de 10 anos. Francisca Emídio, uma benzedeira que morreu há uns cinco anos, era filha dessa escrava. Ela disse que tinha 115 anos, mas não era isso tudo, diz Lídia.

A origem quilombola de Capoeiras, no entanto, é desconhecida dos outros moradores da comunidade, que vive basicamente da agricultura de subsistência. O atual presidente da Associação de Moradores, Manoel Batista dos Santos, 61, fala, de ouvir dizer, que a comunidade começou com duas famílias. Não sei se eram escravos ou fugidos de engenhos, sei que essa coisa de comunidade de quilombo é recente. Tem uns três meses que nós conseguimos o reconhecimento da Fundação Palmares.

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