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Inconvenientes do aquecimento mal começaram

OESP, Vida, p. A30
Autor: GRUNWAL, Michael
30 de Jul de 2006

Inconvenientes do aquecimento mal começaram

Michael Grunwal
Articulista do 'Washington Post'

O aquecimento global está tendo seu momento de brilho. A crise climática foi tema do programa 60 Minutes, de um novo documentário de Tom Brokaw, apareceu na capa das revistas Time e Newsweek e no filme (e livro, já considerado um best seller), do ex-vice presidente Al Gore.

Porém, apesar de as pesquisas mostrarem que muitos americanos estão começando a acreditar que o aquecimento global é algo real e que a culpa é mesmo do homem - em Washington, sob o calor intenso da semana passada, era mais real do que nunca - eles estão muito menos preocupados do que os outros que não são americanos e muito menos dispostos a apoiar uma ação de peso para resolver o problema.

A questão é que muitos cientistas acreditam que são realmente necessárias medidas vigorosas para impedir uma catástrofe climática. Alertam que, a menos que os seres humanos reduzam as emissões que produzem o efeito estufa em 70%, o aquecimento global ameaçará as próprias condições de habitação da terra. Eis a parte inconveniente de An Inconvenient Truth. E quando os críticos de Gore se queixam de que essas reduções drásticas serão um ataque ao nosso estilo de vida, também estão dizendo a verdade.

Mas, e se os americanos decidirem que essas mudanças são de fato necessárias? Neste caso, teremos de mudar não só nosso modo de viver ou de dirigir, mas também nosso modo de pensar as questões políticas. E não apenas a política energética e ambiental. Se os cientistas estiverem certos sobre um futuro apocalíptico, o aquecimento global é uma ameaça existencial que deve afetar nossa abordagem sobre qualquer assunto.

É possível imaginar uma política consciente da questão climática que se estenda bem mais além das modestas reduções de carbono do Protocolo de Kyoto. De fato, já começa a surgir um caminho na direção dessa política, com conversas surgindo dentro do círculo político de Washington.

MUDANÇA ABRANGENTE

O governo dos Estados Unidos fornece anualmente cerca de US$ 25 bilhões em subsídios para setores que operam com energia fóssil; os ambientalistas esperam eliminar esses subsídios ou transferi-los a atividades direcionadas à economia de energia, energia solar e eólica e outras tecnologias limpas. Alemanha, Grã-Bretanha e Holanda já se comprometeram a reduzir as emissões em até 50%, 60% e 80%, respectivamente. Nos EUA, embora "Kyoto" ainda seja palavrão no Capitólio, os senadores John McCain, Joseph Lieberman e James Jeffords apresentaram um projeto de lei que prevê redução de 80% nas emissões de carbono - até 2050.

No futuro, contudo, o debate será bem mais amplo, abrangendo não só a questão energética. Precisaremos de energia e combustível mais limpos, mas será necessário também usarmos menos energia e menos combustível. Isso vai exigir que mudemos nossas rotinas consumidoras de energia - mais bicicleta, caminhadas, revezamentos no uso do carro, uso de sistemas de metrô e ônibus, mais reciclagem, menos desperdício. Necessitamos de uma economia ecologicamente sustentável, não como esta atual baseada em petróleo barato. É aí que a nossa consciência climática realmente se torna inconveniente.

Uma política de desenvolvimento urbano consciente poderia desestimular a criação de bairros muito expandidos e, ao invés disso, promover a criação de bairros mais densamente povoados que reduziriam as distâncias para as viagens até os centros.

Uma política de agricultura pró-clima deveria estimular a criação de fazendas orgânicas e de medidas para encorajar a produção local, para reduzir a irrigação com uso intensivo de energia, o uso de pesticidas e fertilizantes e o transporte de longa distância.

Uma política florestal consciente deveria recompensar os proprietários de terras que plantam árvores que absorvem o gás carbônico.

Uma política externa consciente do clima deveria encorajar outras nações, especialmente países com crescimento rápido, como Índia e China, a agirem com responsabilidade.

Finalmente, uma política de financiamento de campanhas eleitorais sintonizada com os desafios ao clima deveria procurar neutralizar o poder de influência de setores de combustível fóssil. "Não conseguiremos de jeito nenhum resolver todos esses problemas enquanto o monopólio do carvão e do petróleo tiver poder de decisão em Washington", diz Ross Gelbspan, autor do livro Boiling Point.

OESP, 30/07/2006, Vida, p. A30

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