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Incentivos e barreiras à geração distribuída

Valor Econômico, Opinião, p. A10
Autor: SALES, Claudio J. D.
21 de Fev de 2014

Incentivos e barreiras à geração distribuída

Claudio J. D. Sales

Enquanto a geração centralizada de energia é baseada em grandes fontes geradoras (tipicamente usinas hidrelétricas e termelétricas, com transmissão por longas distâncias até o consumidor final), a geração distribuída adota pequenas fontes, sendo que na sua maioria tais fontes estão localizadas no ponto de consumo. Os maiores benefícios da geração distribuída são o incentivo à utilização de energias renováveis em pequena escala, potencial redução de perdas e de investimentos na rede elétrica, e aumento da segurança energética por meio da diversificação de fontes geradoras.
A geração distribuída é normalmente desenvolvida a partir de políticas de incentivo, entre as quais se destacam as chamadas Feed-In Tariffs (FIT). As primeiras experiências de FIT foram desenvolvidas na Europa no final dos anos 80 e começo dos anos 90 e atualmente são adotadas por 87 países.
No Brasil, a partir de 17 de abril de 2012, a resolução normativa no 482 da Aneel estabeleceu as definições regulatórias de uma modalidade de FIT no Brasil, o Net Metering. Esta resolução regula a conexão da microgeração (até 100 kilowatts) e minigeração (de 100 kilowatts a 1.000 kilowatts) aos sistemas de distribuição de energia elétrica e o sistema de compensação de energia elétrica, permitindo que o consumidor instale pequenos geradores em sua unidade consumidora e injete energia na rede de distribuição em troca de créditos de energia que serão utilizados quando houver consumo.
Tal regulamentação somente é válida para geradores que utilizam fontes incentivadas (hídrica, solar, biomassa, eólica e cogeração). A ideia é possibilitar aos consumidores o uso de fontes renováveis, entre as quais miniturbinas eólicas e painéis fotovoltaicos.
Após 20 meses da publicação da resolução, apenas 34 projetos haviam sido desenvolvidos no Brasil, somando 263 kilowatts, ou 0,0002% da potência instalada no país. Os projetos se dividiram entre biomassa (1), eólica (6) e de energia fotovoltaica (27). Assim, a atratividade inicial global brasileira foi menor do que a que se verificou em países como a Alemanha, Itália, Espanha e Estados Unidos.
Alguns fatores principais podem explicar essa pouco exitosa adoção inicial: tributação, condições de financiamento e falta de conhecimento técnico por parte dos consumidores.
É importante lembrar que o sistema de compensação de energia elétrica instituído pela resolução 482/2012 da Aneel visa promover a geração distribuída para consumo próprio. A energia ativa gerada por unidade consumidora com microgeração ou minigeração que é injetada na rede de distribuição não tem fins comerciais: ela é uma permuta de energia a ser consumida pelo mesmo consumidor em outro horário. Dessa forma, uma das medidas mais simples e racionais para promover a geração distribuída seria reduzir a incidência de tributos sobre a atividade. Não faz sentido propor subsídios e em seguida tributar a mesma atividade subsidiada.
Portanto, se os legisladores desejam promover a geração distribuída em pequena escala, uma medida óbvia seria assegurar que a energia compensada não seja tributada (não só pelo ICMS, mas também pelo Pis/Pasep e Cofins e por qualquer outro tributo). Aliás, a resolução no 517/2012 da Aneel tenta proteger o "consumidor-gerador" de eventuais decisões dos agentes arrecadadores pela criação da figura do "empréstimo gratuito compensável" (sic).
No caso do ICMS, os legisladores poderiam assegurar a isenção de ICMS por meio de uma emenda à Lei Complementar 87 (Lei Kandir), acrescentando um inciso adicional no artigo 3o para incluir as operações de compensação de energia elétrica realizados sob o sistema de compensação instituído pela Resolução no 482/2012 da Aneel no rol de operações nas quais o ICMS não incide.
Cálculos realizados pelo Instituto Acende Brasil (por meio de um Projeto de Pesquisa e Desenvolvimento no Estado da Bahia, região de grande incidência solar) demonstram que a taxa de retorno de projetos fotovoltaicos variou entre 3% e 12%, dependendo do custo da tecnologia, do nível de radiação solar, da potência instalada e da classe de consumo.
Assim, para contornar o baixo retorno dos projetos (dado o estágio tecnológico atual) e a barreira do investimento inicial, uma medida de incentivo seria ofertar financiamento em condições atraentes para a instalação de unidades de mini ou microgeração. Uma forma de viabilizar tal financiamento seria disponibilizar recursos dos diversos programas voltados a fontes renováveis alternativas, como o Fundo Clima, Inova Energia, Finem Fontes Alternativas e Finame PSI.
Outro fator que emperra a adesão à geração distribuída é a falta de conhecimento técnico, por parte dos consumidores, para avaliar os custos e benefícios da adesão ao regime de compensação.
Ambos os problemas - acesso a crédito em condições competitivas e a necessidade de assistência técnica - poderiam ser resolvidos com um programa de financiamento análogo ao Programa de Microcrédito Produtivo Orientado, instituído pela Lei 11.110/2005, em que recursos das 'Instituições Financeiras Operadoras', tais como as instituições financeiras públicas federais (no caso dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT) e bancos públicos e privados (no caso dos recursos direcionados dos depósitos à vista) são intermediados pelas 'Instituições de Microcrédito Produtivo Orientado' (que no caso são cooperativas singulares de crédito, agências de fomento, sociedades de crédito ao microempreendedor, organizações da sociedade civil de interesse público) que não somente fazem a ponte entre as 'Instituições Financeiras Operadoras' e o consumidor que deseja instalar um mini ou microgerador, mas também oferecem assistência técnica.
Assim, até o momento, apesar de os primeiros passos terem sido trilhados pela Resolução no 482, ainda há um conjunto de iniciativas que precisam ser executadas por meio de políticas públicas bem coordenadas para que a geração distribuída ocupe um espaço relevante no Brasil.

Claudio J. D. Sales é presidente do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)

Valor Econômico, 21/02/2014, Opinião, p. A10

http://www.valor.com.br/opiniao/3438066/incentivos-e-barreiras-geracao-…

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