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Impasse sobre ampliação do parque

CB, Cidades, p. 26
06 de Abr de 2005

Impasse sobre ampliação do parque
Ibama ameaça não ceder área ao GDF para criação da Cidade Digital, caso seja aprovado o substitutivo que prevê a redução de área aumentada. Moradores do Lago Oeste protestam durante audiência pública

Samanta Sallum
Da equipe do Correio

Durante audiência pública, o Ibama afirmou que não cederá terras ao Governo do Distrito Federal (GDF) para instalação da Cidade Digital, se o projeto de ampliação do Parque Nacional de Brasília não for aprovado no Congresso conforme o texto original. A audiência foi realizada para fazer uma consulta pública sobre a polêmica proposta, que prevê a desocupação de áreas habitacionais.

Em meio às acaloradas discussões, o relator do projeto, deputado Pastor Jorge Pinheiro (PL-DF), afirmou que será votado na próxima quarta, na Comissão de Meio Ambiente da Câmara Federal, o seu substitutivo, que retalha em 50% as áreas a serem anexadas.

Houve tumulto do lado de fora do auditório do DNIT, onde foi realizada a audiência pública ontem à tarde. Trinta policiais militares tiveram de fazer a segurança do local. Uma pessoa foi presa por incitar a invasão ao auditório. Os PMs tiveram trabalho para conter os ânimos dos que não conseguiram entrar no local.

Cerca de cem pessoas ficaram do lado de fora, enquanto 450 lotavam o auditório. A maioria era formada por moradores e representantes de cooperativas que têm projetos habitacionais na região que deve ser anexada ao parque.

O projeto do Ibama quer aumentar a área da reserva ambiental de 30 mil para 46 mil hectares. E, para isso, cerca de 15% do Lago Oeste terá de ser desocupado. Segundo o Ibama, a medida não afetará mais do que 500 famílias. Já o relator do projeto afirma que prejudicará cinco mil. "Não aceitamos o substitutivo do relator.

Nosso objetivo é preservar a biodiversidade, o cerrado, os recursos hídricos que abastecem Brasília", sustentou o superintendente do Ibama no DF, Francisco Palhares, sob vaias e aplausos.

Refém do impasse está o GDF que espera uma solução para poder instalar a Cidade Digital - novo pólo de desenvolvimento econômico. O projeto já tem o Banco do Brasil como investidor. A previsão é criar 40 mil empregos. O Ibama tinha prometido ceder área de 233 hectares próxima ao Parque Nacional para a Cidade Digital, diante do compromisso do governo local em apoiar a ampliação da reserva. "Se não pudermos aumentar o Parque Nacional, não poderemos conceder as áreas que o GDF quer", destacou Palhares.

"O GDF está confiante de que o Ibama e o deputado Pastor Jorge encontrarão uma solução que não prejudique o desenvolvimento de Brasília. A Cidade Digital é muito importante para nossa capital. Esperamos que divergências políticas e querelas individuais não fiquem acima do interesse de todos os brasilienses", disse o porta-voz do GDF, Paulo Fona. O governo local tenta se manter afastado da polêmica e mandou apenas um representante como observador à audiência.

Decisões judiciais garantem posse

O Ministério Público Federal se posicionou contra o substitutivo do Pastor Jorge. Defendeu a proposta original do Ibama. "Não podemos deixar de ressaltar que inúmeras das ocupações nessa região são resultado da grilagem de terras. Pessoas sem escrúpulos parcelaram ilegalmente o solo. Lesaram o patrimônio público para enriquecimento próprio", denunciou o procurador Francisco Guilherme, durante a audiência. Segundo o Ibama e o Ministério Público, não haveria necessidade de consulta pública prévia para que o projeto fosse aprovado no Congresso.

O Pastor Jorge alegou que o projeto precisava ser mais discutido, porque muitas pessoas podem ser prejudicadas. "Muita gente mora nessas áreas. Há grileiros, mas com certeza há várias pessoas também de boa-fé que não podem ser despejadas. O Ibama está sendo inflexível. É preciso ceder um pouco", argumentou.

A maior divergência se refere à posse das terras. O Ibama afirma que a maior parte das áreas pertence à União. Moradores, no entanto, contestam. Um exemplo são os quatro mil hectares da Chapada Imperial, famoso ponto de ecoturismo em Brasília. A família que explora o local afirma que há decisões judiciais que garantem a posse da região, que tem dezenas de cachoeiras. "Nossa área é particular e é 95% preservada. Somos exemplo de ecoturismo no Brasil. No mínimo, o governo terá de gastar com indenização para pagar as benfeitorias que fizemos", disse Marcelo Imperial.

"Não podemos ser tratados como criminosos. Aqui há muitas vítimas de grileiros. Não somos contra a expansão do Parque Nacional. Temos consciência ambiental. Mas acreditamos que exista outra alternativa além da desocupação´´, afirmou o presidente da Associação de Moradores do Lago Oeste, Djalma Nunes da Silva. Existem na região 1.200 chácaras e cerca de 200 estão ameaçadas.

Associações de servidores do GDF também compareceram à audiência, porque têm projetos habitacionais na região do impasse. A Lei Distrital no 184, de 1998, destinou terrenos próximos à Vila Weslian Roriz para esses projetos. ``Estamos preocupados com o projeto do Ibama que toma nossas áreas. Há 700 famílias que seriam beneficiadas com as casas no local. Viemos aqui defender o substitutivo do Pastor Jorge´´, disse o presidente do Sindicado dos Servidores de Atividade de Fiscalização do GDF, Gleiston Marcos de Paula.

ANÁLISE DA NOTÍCIA

Pelo interesse público

Carlos Alexandre
Da equipe do Correio

O debate sobre a ampliação do Parque Nacional tem como raiz um dos mais complexos problemas sociais brasilienses: a questão fundiária no Distrito Federal. A discussão sobre os limites da área ecológica, que põe em lados opostos a demanda por moradia e a preservação ambiental, é conseqüência de um crescimento urbano sem o controle do Poder Público. Durante anos, a omissão institucional permitiu a farra de grileiros e o comércio de lotes sem respaldo legal e planejamento urbano.

Percebe-se nesse contexto que existem personagens de fato interessados em dar um caminho para o impasse. É o caso das associações de moradores que investiram as economias em uma moradia - cabe à Justiça diferenciar o cidadão do grileiro - e das instituições empenhadas na questão. Note-se, por exemplo, o trabalho desenvolvido pela Secretaria de Patrimônio da União, que busca ,juntamente, com a comunidade do Lago Oeste, um caminho para a regularização.

A audiência pública realizada ontem foi marcada pelo recrudescimento do debate. E indica uma perspectiva perigosa para os próximos dois anos. Com a proximidade das eleições, o discurso de políticos e representantes do Poder Público tende a passar a falsa impressão de que a questão fundiária no Distrito Federal pode ser resolvida assim, de sopapo, numa canetada ou projeto de lei. O desenvolvimento sustentável é que deve nortear as dimensões do Parque Nacional. E não o interesse político.

Entenda o caso

O Ministério do Meio Ambiente enviou ao Congresso Nacional, há cinco meses, projeto de lei que amplia a área do Parque Nacional de Brasília de 30 mil para 46 mil hectares. O projeto chegou à Câmara dos Deputados em caráter de urgência e, por isso, deveria ser votado em 45 dias.

O Projeto de Lei 4.186/04 acrescenta ao parque a região de nascentes dos rios Palma e Ribeirão Dois Irmãos e do córrego Cupim. Reintegra também áreas hoje ocupadas pelo Núcleo Rural Lago Oeste. O projeto prevê a desocupação de 15% das moradias da região.

O relator do projeto, deputado Pastor Jorge Pinheiro (PL-DF), apresentou substitutivo reduzindo em 50% a área a ser ampliada. Retirou da ampliação regiões de conflito. Há divergência em relação à posse de áreas. O Ibama afirma que as terras a serem anexadas ao parque são públicas e foram griladas. Moradores contestam.

Diante do impasse, o Ministério do Meio Ambiente retirou o caráter de urgência do projeto e decidiu, depois de muita pressão, realizar, por meio do Ibama, audiência pública para debater a proposta de ampliação do parque. A audiência foi realizada ontem em clima tenso.

O projeto substitutivo do Pastor Jorge será votado na próxima quarta-feira na Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados. O Ibama não aceita a proposta do Pastor Jorge que reduz a ampliação da reserva. Se não houver acordo, o instituto não irá conceder terras para instalação da Cidade Digital.

O GDF depende da aprovação do projeto do parque para instalar a Cidade Digital - um novo pólo de desenvolvimento econômico que vai gerar 40 mil empregos. O Ibama prometeu conceder a área diante do apoio do governo à ampliação da reserva. Mas o acordo está agora ameaçado.

CB, 06/04/2005, Cidades, p. 26

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