VOLTAR

Impactos e controle socio-ambiental no novo Eldorado da Amazônia

Agência Carta Maior
14 de Fev de 2007

Impactos e controle socio-ambiental no novo Eldorado da Amazônia
Impactos ambientais e sociais em Eldorado do Juma tem dividido opiniões. Estado procura proteger local com "mandamentos" propositivos, mas especialistas alertam para riscos maiores.

A ação dos milhares de garimpeiros em Eldorado do Juma, no município de Apuí (AM), tem aberto um debate entre governo e especialistas sobre o provável impacto social e ambiental da atividade mineradora.

De acordo com Maria José Salum, diretora de Desenvolvimento Sustentável na Mineração do Ministério de Minas e Energia (MME), um estudo ambiental vai definir os procedimentos para minimizar os problemas causados. Até então, foram definidos dez "mandamentos" aos quais os garimpeiros devem seguir:
1.Tapar os buracos cavados para evitar focos de doenças;
2. Refazer os canais dos igarapés revolvidos;
3. Assentar folhagens para regeneração do bioma;
4. Construir pequenas barragens para evitar o assoreamento;
5. Diminuir o corte de árvores
6. Não será permitido o emprego de trabalho infantil;
7. Não usar maquinário pesado, mercúrio ou substâncias tóxicas;
8. Construir banheiros, fossas e enterrar o lixo;
9. Não usar drogas ou armas;
10. Participar e fortalecer as cooperativas.

"O garimpo é artesanal, não usa máquina e nem mercúrio, por isso a questão do impacto é muito reduzido", afirma Salum. Walter Arcoverde, diretor de Fiscalização do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), lembra que o impacto está restrito às quatro grotas abertas para o garimpo.

Quanto ao desmatamento, as clareiras abertas seriam pequenas, sendo a maior de 200 metros. "A grota rica (onde foi encontrada a maior quantidade de ouro) tem 100 por 100 metros", explica. Os rios também não tiveram a aparência de suas águas alteradas. "A sua cor escura continua a mesma e não chegou nenhum sedimento", afirma. Segundo o diretor do DNPM, a Secretaria de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas considerou o impacto mínimo e que as áreas podem ser recuperados. Em três meses, após a desativação do local, o ambiente retornaria ao que era antes.

Para que os mandamentos determinados sejam seguidos, uma equipe de 3 técnicos do DNMP e outros do Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas (Ipaam) foi enviada ao local. Eles são responsáveis pelo trabalho de apoio técnico. A Polícia Federal tem agido para evitar conflitos e a presença de armas e drogas, além de proibir a entrada de máquinas e mercúrio para o garimpo.

O DNPM determinou o bloqueio para o estudo de viabilidade de uma área de 390 mil hectares ao redor do terreno legalizado para o garimpo. Dependendo dos resultados, a intenção é transformar a região em uma reserva garimpeira. "Fora da área de 10 mil hectares [legalizados] vamos agir de forma enérgica e repressiva contra outros garimpos ilegais que já estão surgindo", adverte o diretor do DNPM. Ele também lembra que a região não toca nenhuma terra indígena ou unidade de conservação. "É uma área totalmente livre para a pesquisa mineral", diz.

Segundo a diretora do MME, "pequenos controles, sem uso de tecnologias, são mais que eficazes para controle ambiental. Estamos criando um modelo de garimpo na floresta".

"No Juma, já tem um impacto pesado do ponto de vista social e do meio ambiente. A intenção de mitigá-los é muito boa, mas a realidade não permite que ela funcione na prática. Não vai resolver do ponto de vista ambiental e social", afirma o pesquisador do Inpa, Reinaldo Corrêa Costa. Segundo ele, as medidas propostas são insuficientes se comparadas à proporção do dano causado pelo garimpo. Para o pesquisador, uma área revolvida, um igarapé desviado ou a retirada de nutrientes do solo não podem ser facilmente recuperados. Costa também não acredita que os garimpeiros cumprirão os mandamentos, pois a prática demandaria tempo e dinheiro para esses trabalhadores. Na opinião do pesquisador, o controle para que essas medidas sejam feitas é impossível, pois exigira uma fiscalização intensa com um número grande de homens para vigiar os locais.

Ainda que haja proibição do mercúrio, e as autoridades afirmem que ele não é empregado, Costa diz que é muito difícil descartar o seu uso, pois ele não apenas serve para a separação do ouro do ferro, mas também da argila. O mercúrio, segundo ele, é responsável por compactar o ouro. "Com ou sem mercúrio, há poluentes nas áreas de garimpo. Óleos e combustíveis usados para os motores de lavagem do ouro apresentam um alto grau de poluição nos rios", afirma.

Como não há infra-estrutura propícia no local do garimpo, há o acúmulo de dejetos e de lixo, que são os resquícios da própria atividade mineradora e de consumo das pessoas que estão vivendo ali. O pesquisador explica que esse ambiente é um foco para a transmissão de doenças. "A água parada é um chamariz para a malária e para a hepatite, além dos acidentes de trabalho".

O pesquisador lembra que no início da atividade de Serra Pelada não houve emprego de máquinas; o garimpo era feito manualmente, como no Juma. "E mesmo assim teve impacto". A busca pelo ouro foi tão intensa, bem como as perfurações, que o lençol freático da região se rompeu.

"Nesse tipo de corrida pelo o ouro, o pior tipo de exploração mineral para questões ambientais e sociais são os que não tem controle. O resultado são rios poluídos com mercúrio e assoreamento. Em alguns casos, o rio deixa de existir e vira um monte de lagoas. Há o impacto na juzante do rio. Além de contaminar as águas, o mercúrio contamina os peixes e quilômetros rio abaixo, atingindo áreas indígenas, por exemplo. O assoreamento modifica a fauna aquática", avalia Raul Telles do Valle, assessor jurídico da organização não-governamental Instituto Socioambietal (ISA).

Social
"O garimpo em Juma é parecido com a mineração feita no Brasil colonial e estamos nos anos 2000. Tragicamente o tempo transcende as épocas e se reproduz", afirma o pesquisador do Inpa, Reinaldo Corrêa Costa.

Apesar de as autoridades afirmarem que o garimpo do Juma não é uma "nova Serra Pelada", Costa identifica semelhanças nos dois processos. "Garimpos assim têm como característica a formação de pobreza, porque a atividade não vai proporcionar grandes ganhos às pessoas nesse primeiro momento. Quatro mil pessoas é muita gente. Não é todo esse pessoal que vai bamburrar (gíria garimpeira que significa enriquecer). Os lucros não são generalizados, como garimpo nenhum foi no Brasil", afirma. Segundo o pesquisador do Inpa, quem realmente ganha com o boom são aquelas pessoas que trabalham com a infra-estrutura do negócio: vendedores de instrumentos de garimpo, mantimentos, mercúrio e provedores de transporte.

Maria José Salum, do Ministério de Minas e Energia, explica que, na prática, os garimpeiros cooperados continuam trabalhando como autônomos, pois não são empregados da cooperativa. Segundo ela, há uma organização interna. Atualmente, as áreas do garimpo são divididas em "barrancos", cujo proprietário recebe uma parte daquilo que os seus três ou quatro empregados garimpeiros conseguirem encontrar. "Tem dono do barranco que não se suja de barro, porque tem empregados", descreve Costa.

O pesquisador explica que essa forma de trabalho dá brecha para um processo de endividamento do garimpeiro. "Ele tem a esperança de pagar tudo com a renda do ouro e não é sempre que se acha tanto minério. Lá, dívida não se perdoa. O lado mais fraco de todo esse processo é o próprio garimpeiro". Para piorar a situação, o custo de vida nessas áreas é alto, pois os produtos, mesmo os de necessidades básicas, são inflacionados.

O contrabando do minériotambém impede a distribuição de riquezas na região. Costa lembra que mesmo em Serra Pelada, cuja vigilância era rigorosa e feita pelo governo militar, houve um pesado contrabando de ouro, espacialmente para o Uruguai. "O contrabando é mais lucrativo para o garimpeiro do que convertê-lo legalmente na Caixa Federal", afirma.

"Outro drama é a prostituição. O garimpo vem e ela está lá", diz Costa. No caso do Juma, não foi diferente. "Do outro lado do rio, numa área fora do garimpo, construíram uma casa numa clareira", afirma Walter Arcoverde, diretor de Fiscalização do DNPM.

A saúde também deu sinais de que pode ser preocupante tanto para as autoridades como para quem vive com os pés enfiados na lama o dia todo. Arcoverde reconhece que surgiram casos de malária e acidentes na estrada que segue para o garimpo, mas não saberia quantifica-los. "O garimpo tem, como tradição, atrair grandes levas de migrantes. A infra-estrutura dos municípios vizinhos não tem condições nem para atender a sua população".

"Há aumento de casos de doenças sexualmente transmissíveis e malária. Os garimpeiros vivem em condições insalubres, que contribuem para a proliferação de doenças". Segundo o assessor jurídico do ISA, essa situação acarreta uma demanda grande para o serviço de saúde dos municípios vizinhos. "Há um stress das instituições públicas", descreve Valle.

O pesquisador do Inpa afirma que, mesmo não havendo estimativas de quantas pessoas ficam nas áreas de garimpo e quantas se estabelecem no município de Apuí, o fluxo intenso estimula o surgimento de favelas nas periferias e ocupações irregulares e precárias em igarapés.

Natalia Suzuki

Agência Carta Maior, 14/02/2007

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.