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Impactos climáticos já são irreversíveis em alguns ecossistemas e falta de ação é alarmante, diz novo relatório do IPCC

Valor Econômico - https://valor.globo.com/mundo/noticia
Autor: CHIARETTI, Daniela
28 de Fev de 2022

Impactos climáticos já são irreversíveis em alguns ecossistemas e falta de ação é alarmante, diz novo relatório do IPCC
Relatório do Painel sobre Mudança do Clima mostra que mudança climática induzida pelo homem está causando perturbação perigosa e generalizada na natureza

Por Daniela Chiaretti, Valor - São Paulo 28/02/2022

No momento em que o mundo assiste à guerra na Ucrânia com consequências imprevisíveis e ainda não se livrou da pandemia da covid-19, um relatório científico mostra os efeitos devastadores da emergência climática em curso: a mudança climática induzida pelo homem está causando uma perturbação perigosa e generalizada na natureza e afetando a vida de bilhões de seres humanos, apesar dos esforços para reduzir os riscos. Alguns impactos já são irreversíveis.
Entre 3,3 bilhões a 3,6 bilhões de pessoas são extremamente vulneráveis à mudança do clima. O aumento de eventos extremos climáticos está levando a impactos irreversíveis nos sistemas humanos e naturais, que estão além de sua capacidade de adaptação.
Estas mensagens estão no resumo para formuladores de políticas do relatório do grupo II do IPCC, o Painel sobre Mudança do Clima. O relatório, trata de impactos, adaptação e vulnerabilidade à mudança climática. Envolveu seis anos de trabalho e 270 autores de 67 países, sendo cinco brasileiros. Tem capítulos dedicados às cidades, além das florestas e da biodiversidade, e dá destaque à contribuição de povos indígenas e de boas iniciativas de adaptação. Enfatiza que é preciso agir imediatamente.
O relatório diz que extremos climáticos estão ocorrendo ao mesmo tempo, causando impactos em cascata cada vez mais difíceis de administrar. Estão expondo milhares de pessoas à insegurança alimentar aguda, assim como falta de água. Isso está acontecendo em lugares na África, Ásia, América Central e do Sul.
"Este relatório é um aviso terrível sobre as consequências da falta de ação", diz Hoesung Lee, o economista sul-coreano que preside o IPCC desde 2015, em material à imprensa. "Mostra que a mudança do clima é uma grave e crescente ameaça ao nosso bem-estar e a um planeta saudável. Nossas ações de hoje moldarão como as pessoas se adaptam à natureza e responderão aos riscos crescentes do clima".
"Enfatiza a urgência de uma ação imediata e mais ambiciosa para enfrentar os riscos climáticos", continua Hoesung Lee. "Medidas pela metade não são mais uma opção".
Com aquecimento de 1,5oC, o mundo enfrenta inevitáveis riscos climáticos múltiplos durante as próximas duas décadas. Mesmo excedendo apenas temporariamente o limite de 1,5 oC - porque os gases-estufa permanecem por décadas na atmosfera - alguns impactos do aumento da temperatura serão irreversíveis.
O aumento de ondas de calor, secas e enchente já estão acima dos limites de tolerância para evitar a mortalidade em massa de algumas espécies de árvores e de animais. Em algumas regiões, por exemplo, é o caso de corais.
"O processo causado pelo homem compromete a capacidade de sistemas sociais e naturais se adaptarem a uma nova condição climática do planeta", diz Jean Ometto, coordenador do Centro de Ciências do Sistema da Terra do Inpe e um dos cinco brasileiros autores do relatório. "O relatório mostra que está acontecendo muito rápido".
"Ter entre 3,3 bilhões e 3,6 bilhões de pessoas já afetadas pela mudança do clima é um número dramático", continua Ometto.
"A janela de oportunidade para vários sistemas se adaptarem está se reduzindo rapidamente. Na trajetória em que estamos, os extremos climáticos têm levado a alguns impactos irreversíveis em sistemas atuais. Isso quer dizer que estão passando de seu limite. Ocorre com alguns corais, em ecossistemas em regiões de montanhas e polares", diz o cientista.
"A urgência é na necessidade de agir. O que está claro é que o planeta será diferente", segue Ometto. "Temos o direito de ser a causa de algumas espécies não conseguirem sobreviver porque mudamos rapidamente o ambiente? Isso vai além da questão ética e filosófica. São questões prementes ao planejamento e à sustentabilidade ambiental e social da vida no planeta, de como a conhecemos", continua.
As cidades, onde vive mais da metade da população do mundo, têm ênfase neste relatório. São foco de impactos e riscos, mas também parte fundamental da solução.
A vida, a subsistência e a saúde pública estão sendo cada vez mais afetadas pelas ondas de calor, tempestades, secas e enchentes. Os impactos atingem propriedades e infraestrutura como sistemas de transporte e energia.
"A urbanização crescente e as mudanças climáticas criam riscos complexos, especialmente para as cidades que já passam pelo crescimento mal planejado com altos níveis de pobreza e desemprego, além da falta de serviços básicos", aponta Debra Roberts, copresidente do Grupo de Trabalho II do IPCC.
"Mas as cidades também oferecem oportunidades para a ação climática", diz a arquiteta brasileira Maria Silvia Muylaert Araújo, outra autora do relatório. Ela cita edifícios verdes e corredores verdes para reduzir as ilhas de calor nas cidades.
"O relatório mostra que não adianta trabalharmos apenas com análises de riscos, mas temos que contribuir com propostas viáveis de futuro. Há exemplos no relatório do conhecimento de comunidades tradicionais e grupos indígenas em se adaptar."
"Temos cada vez mais certeza sobre os impactos da mudança do clima, como escassez de água em determinadas regiões", diz a urbanista Maria Fernanda Lemos, autora do relatório. "Não estamos conseguindo reduzir os riscos. Os impactos que vínhamos diagnosticando como previstos, já estão ocorrendo", ressalta.
"Estamos preocupados porque não estamos conseguindo bons resultados em relação à desigualdade e à informalidade nas cidades. Os assentamentos informais, na maior parte dos casos, são precários. Temos precariedade na ocupação de áreas de riscos", alerta Maria Fernanda.
O sumário, conhecido pela sigla em inglês SPM, foi divulgado hoje depois de ter sido aprovado por representantes de 195 governos depois de duas semanas de sessões virtuais. É um resumo de 27 páginas de um relatório gigante, de seis anos de esforços dos autores em encontrar estudos e o grau de evidências científicas em impactos, adaptação e vulnerabilidade.
"Para evitar a crescente perda de vidas, de biodiversidade e de infraestrutura, uma ação ambiciosa e acelerada é necessária para se adaptar à mudança climática, ao mesmo tempo em que se fazem cortes rápidos e profundos nas emissões de gases-estufa", diz o material divulgado à imprensa.
Os processos na adaptação aos impactos são desiguais e há lacunas crescentes entre as ações que foram tomadas e o que é necessário para lidar com riscos crescentes, diz o novo relatório.
Na biodiversidade global, a extinção de populações locais causadas pelo clima foi detectada em 47% de 976 espécies examinadas. A subespécie branca de uma espécie de gambá, por exemplo, desapareceu depois de ondas de calor em Queensland, na Austrália. Um roedor conhecido como Bramble Cays Melomys não foi mais visto depois de 2009 e declarado extinto em 2016, com o aumento do nível do mar e de tempestades.
A vulnerabilidade dos ecossistemas e das pessoas às mudanças do clima difere entre regiões e dentro delas. Isso é impulsionado por padrões de desenvolvimento socioeconômicos diferentes, pelo uso insustentável dos oceanos e da terra, pela desigualdade e marginalização de alguns. Comunidades e ecossistemas mais frágeis estão sendo duramente atingidos.
O que se sabe agora com clareza é que a vulnerabilidade é interdependente. O atual padrão insustentável de desenvolvimento aumenta a exposição das pessoas e dos ecossistemas aos riscos climáticos.
O relatório de impactos, adaptação e vulnerabilidades é o segundo divulgado pelo IPCC nos últimos meses. O primeiro, divulgado em agosto, foi alarmante sobre as evidências atuais da ciência do clima. Mostrava que a crise climática piorou, os extremos acontecem antes do previsto e ações de eliminação de gases-estufa são ainda mais urgentes.

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