VOLTAR

A imolação de Dorothy

CB, Opinião, p. 18
15 de Fev de 2005

A imolação de Dorothy

Os disparos que trucidaram a missionária norte-americana Dorothy Mae Stang alvejaram mais uma vez a imagem do Brasil e o expuseram à consciência civilizada do mundo como um país onde não se respeitam os direitos humanos. Havia trinta anos que a religiosa naturalizada brasileira dedicava-se à proteção das comunidades pobres da região. Atuava em meio ao violento conflito agrário em cujo extremo desamparo figuram lavradores, peões, índios, colonos extrativistas. Seu trabalho consistia em apoiar projeto de desenvolvimento sustentável da floresta conforme ação social da Comissão Pastoral da Terra (CPT).

O atentado contra alguém que consagrou a vida ao serviço de vítimas de histórica exclusão social já é o bastante para suscitar comoção e repulsa. Choca e estarrece ainda mais o fato de que Dorothy estava marcada para morrer. Ela, em entrevista a uma estação de tevê, alertara as autoridades que recebia constantes ameaças de morte. Nenhuma proteção lhe foi dada. São, portanto, cúmplices de sua imolação os agentes do Estado que, por obrigação irrecusável, deveriam tê-la posta a salvo da sanha de facínoras.

Na área da Transamazônica e em outros tratos amazônicos, reinam há anos confrontos cada vez mais violentos pela posse da terra. De um lado, lavradores em busca de áreas para cultivar, colonos assentados em programa de exploração sustentável e peões submetidos a regime de trabalho escravo. De outro, latifundiários, grileiros, empresas madeireiras ilegais, jagunços no aguardo de empreitadas sinistras.

Em meio ao terror, avulta o vácuo da autoridade pública. Escassas medidas surgem para conter a situação explosiva. O vórtice do clima saturado de ameaças e confrontos já sugou a vida de dezenas de sindicalistas, membros leigos das igrejas, agricultores sem terra e ativistas do meio ambiente. Entre eles figuram Gabriel Sales Pimenta, fuzilado em 1982, e Chico Mendes, abatido em 1988. Agora foi a vez da freira norte-americana.
A decisão do governo federal de organizar força-tarefa para apurar o caso é iniciativa óbvia. O episódio conclama-o a resgatar os anos de omissão mediante diretrizes consistentes e atos concretos capazes de assegurar na região o direito à vida. Do contrário, os braços assassinos que eliminaram Dorothy continuarão a ditar ali quem deve e não deve viver.

CB, 15/02/2005, Opinião, p.18

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.