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Imigração indesejada

O Globo, Ciência, p. 30
13 de Jun de 2007

Imigração indesejada
Trazidas por navios, espécies alienígenas de corais invadem litoral do Rio

Carlos Albuquerque

A invasão dos corais alienígenas poderia ser o título de um filme B de ficção-científica. Mas trata-se de uma história 100% real e de tons dramáticos. Ela está acontecendo no litoral do Rio de Janeiro, ameaçando o ecossistema marinho e causando a perda da biodiversidade. O alerta é da bióloga Alline Figueira de Paula, que estuda o tema desde 2002.
- As invasões biológicas, que compreendem a chegada, o estabelecimento e a expansão de uma espécie fora da área de sua distribuição geográfica natural, estão hoje entre as principais causas da perda de biodiversidade no planeta - explica ela. - E isso está acontecendo no estado do Rio de Janeiro com os corais Tubastraea coccinea e Tubastraea tagusensis, que estão roubando o lugar de espécies marinhas nativas, como algas, esponjas, moluscos e outros corais.
Essas espécies chegaram em águas brasileiras incrustadas em plataformas de petróleo e colonizaram os costões rochosos da Baía da Ilha Grande na década de 90.
Desde então, esses corais já se espalharam para a Região dos Lagos e Paraty, ocupando grande parte do espaço disponível para as espécies nativas.
O vetor para que essa invasão ocorra é a chamada água de lastro, a água usada por embarcações (como petroleiros ou navios comerciais) para manter sua estabilidade. Recolhida em um porto e despejada em outro, para equilibrar o peso, a água de lastro acaba transportando espécies de uma parte a outra. Muitas vezes, isso faz com que um organismo vá parar num habitat onde não tem predadores, o que, ironicamente, causa um desequilíbrio ambiental, que pode trazer graves problemas de saúde.
Nos EUA, prejuízos de US$ 1 bilhão
Em colaboração com a Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês), que produz o Programa Global de Gerenciamento de Água de Lastro, o Ministério do Meio Ambiente considera a introdução de espécies marinhas exóticas em diferentes ecossistemas, através da água de lastro, uma das maiores ameaças aos oceanos do mundo.
- A água de lastro tem sido o vetor de famosas invasões biológicas marinhas em outros locais do mundo, como por exemplo o caso do mexilhão dourado nos Estados Unidos - lembra Alline, sobre o molusco que infestou 40% das vias navegáveis daquele país, implicando em gastos de quase US$1 bilhão, entre 1989 e 2000, com medidas de controle.
No caso dos corais, segundo Alline, sua área de distribuição original é o Oceano Pacífico, onde ficam estaleiros que constroem navios e plataformas utilizados na indústria petrolífera brasileira.
- Depois de uma parte da construção se dar em áreas secas, essas embarcações terminam de ser construídas na água, onde começam a ser infestadas por organismos - conta a bióloga. - Quando as embarcações se aproximam de outra superfície dura, como plataformas ou costões rochosos, as larvas dos organismos podem novamente se fixar, pois os corais liberam suas larvas na água quando se reproduzem.
Quando o organismo passa a ocorrer fora de sua distribuição natural, ele se torna um invasor.
De acordo com a pesquisadora, as duas espécies já estão ocupando grandes extensões de nossos costões rochosos, tomando o espaço de espécies nativas.
- Para os organismos que crescem em costões rochosos, o espaço é um dos principais fatores que vão determinar a distribuição das espécies. A Tubastraea causa danos comprovados a várias espécies da fauna e flora marinhas brasileiras, como o coral endêmico (que só ocorre em águas brasileiras) Mussismilia hispida, o coral cérebro. Portanto, esses invasores são uma ameaça à biodiversidade marinha brasileira.
Para solucionar o problema, Alline elaborou, ao lado do professor Joel Creed, do laboratório de Ecologia marinha bêntica da UERJ, um projeto de monitoramento, controle e erradicação desses corais.
- Porém, o monitoramento deve ser feito também na chegada das embarcações ao Brasil. E o controle deve contar com o envolvimento de outros setores da sociedade - lembra ela. - É preciso instruir as pessoas que vivem nos ambientes sujeitos às invasões.

O Globo, 13/06/2007, Ciência, p. 30

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