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Imagem desbotada

CB, Brasil, p. 11
05 de Abr de 2005

Imagem desbotada

Governo sofre desgaste no exterior por conta de relatórios internacionais que apontam falhas nas políticas sociais. Hoje, a ONU recebe documento com 37 casos que envolvem magistrados em crimes
Em uma semana, os 20 anos de propaganda petista foram trincados na vitrine mundial por quatro relatórios de organismos internacionais. A área social, carro-chefe do PT e prioridade nos discursos pré-eleitorais de Luiz Inácio Lula da Silva, recebeu avaliações negativas das Nações Unidas, da Anistia Internacional e do projeto dhInternacional, que levará hoje à ONU um documento sobre o envolvimento de juízes em grupos de extermínio, venda de sentenças e exploração sexual. Como se não bastasse isso, na sexta-feira, a chacina de 30 pessoas na Baixada Fluminense repercutiu em todo o mundo. Do New York Times à Al Jazeera, o assunto levou o país de Lula para as manchetes internacionais, não com elogios. Mas para mostrar o Brasil da injustiça social.
Ontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que ele não descanse um segundo sequer "até que se coloque os autores desse crime abominável" na cadeia. "Isso é o mínimo que o Estado pode oferecer para essas pessoas que estão sofrendo tanto", disse Lula, em seu programa de rádio. Ele afirmou ainda que, a exemplo do que ocorreu no caso Dorothy, "nós não podemos deixar isso passar, nem cair no esquecimento". A entrada da PF é considerada fundamental pelo governo federal para resolver o caso rapidamente.
Índios
Os ataques começaram na quarta-feira, quando a Anistia Internacional, organização não-governamental com sede em Londres, divulgou o relatório Estrangeiros em seu próprio país, no qual avalia as políticas públicas voltadas aos índios. O documento denuncia violação dos direitos humanos dos indígenas, e aponta que "em 2005, um considerável número de índios continuam sofrendo com discriminação, ataques violentos, assassinatos e impunidade". Diz o relatório: "Os povos parecem estar em último lugar na lista de prioridades para uma administração que tem muitas demandas a atender".
Em setembro de 2002, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva havia garantido que seu governo iria providenciar "profundas e substanciais mudanças a fim de responder às necessidades dos povos indígenas". Para o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Pereira Gomes, o relatório é ideológico e não reconhece os esforços do governo para garantir os direitos humanos aos índios . "Quando houve a tragédia na reserva Roosevelt (quando índios cinta-larga chacinaram 29 mineradores que invadiram suas terras), todos queriam vingança contra os índios e o presidente falou em defesa deles", diz Mércio Gomes.
"O governo tem vivido de propaganda", concorda o filósofo Roberto Romano, professor de Ética da Universidade de Campinas (Unicamp). "Para compensar a não-execução de seu programa de 20 anos, o PT investe na retórica de um mundo onírico. Se tudo fosse como o governo mostra, viveríamos na Suíça. Mas a verdade é que nossa realidade compara-se à da Índia", critica. O filósofo compara o investimento do governo em propaganda à estratégia usada pelo regime militar, que insistia no slogan do "milagre econômico" quando o país vivia "uma política social das mais tétricas".
No mesmo dia em que a Anistia Internacional divulgou o documento sobre os índios, o relator das Nações Unidas para moradia, Miloon Khotari, apresentou à Comissão de Direitos Humanos da ONU sua avaliação sobre o Brasil. Ele visitou o país em junho passado e ficou preocupado com o déficit habitacional. Khotari disse que o número de pessoas que não têm onde morar está aumentando e que a reforma agrária, outra bandeira histórica do PT, anda a lentos passos. "Fica claro que a ocupação de terra vai aumentar", disse.
No Ministério do Desenvolvimento Agrário a ordem é manter o silêncio. A assessoria do ministro Miguel Rossetto informou que ele não vai comentar um relatório ao qual não teve acesso. Já a secretária-executiva do Ministério das Cidades, Ermínia Maricato, reconhece os problemas apontados pelo relator da ONU e justifica as deficiências alegando que desde o processo de redemocratização do país, a questão habitacional tinha sido relegada a segundo plano. "Só agora estamos ocupando esse vazio institucional", afirma.
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) reafirmou as observações de Miloon Khotari sobre o déficit de moradia na apresentação de relatórios realizados por universidades brasileiras, que apontam que o Brasil não vai conseguir cumprir os oito objetivos do milênio estabelecidos pela ONU. Os estudos mostram um país onde miséria, fome, habitações precárias, mortalidade infantil e materna, e desigualdade entre sexos ainda estão longe de serem problemas solucionados.
Crimes
Hoje, as Nações Unidas receberão mais notícias negativas sobre o Brasil. O advogado Jaime Bevenuto, coordenador do programa dhInternacional, que reúne organizações não-governamentais como o Movimento Nacional de Direitos Humanos, entrega à ONU o documento Independência dos Juízes no Brasil, com 37 casos que incluem abuso sexual, pistolagem e nepotismo - todos tendo magistrados como protagonistas.
"Não queremos dizer que o Judiciário, de forma geral, tem esse tipo de atitude. Mas recebemos muitas denúncias ou de envolvimento de juízes em crimes ou de corpo mole que eles fazem em relação a determinados processos", explica Bevenuto. "Essa postura coloca em risco sua capacidade de ser imparcial. Observamos muitos casos de nepotismo", diz o advogado.
Para o filósofo Roberto Romano, a "herança maldita" dos últimos 500 anos deve ser levada em consideração pelos organismos internacionais. Mas ele diz que os dados dos relatórios apresentados nos últimos dias deveriam ser aproveitados pelo governo. "Só que eles não vão fazer isso. O governo vai alegar que os documentos são contra o Brasil, que querem denegrir a imagem do país", opina.
Romano aponta que a imagem do Brasil não será abalada. Já a de Lula, sim. "A esquerda internacional vai perceber a verdadeira face do governo que assumiu. Quando o PT venceu as eleições, houve um entusiasmo sobre mudanças sociais e agora passará a haver mais ceticismo. Esses estudos diminuem o porte e a dimensão de uma imagem carismática do Luiz Inácio da Silva, que vai à ONU falar sobre erradicação da fome enquanto crianças indígenas morrem de desnutrição", diz o filósofo.

CB, 05/04/2005, Brasil, p. 11

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