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Ima Vieira: Restaurar a floresta com justiça

Revista Fapesp - https://revistapesquisa.fapesp.br/ima-vieira-restaurar-a-floresta-com-justica/
Autor: VIEIRA, Ima
05 de Dez de 2023

Ima Vieira: Restaurar a floresta com justiça
Ecóloga paraense diz que grande parte das áreas desmatadas da Amazônia se regenera sozinha, mas que a conta da recuperação deve ser paga por quem destruiu a floresta

Marcos Pivetta e Carlos Fioravanti
Edição 334
dez. 2023
Ecologia

Vicente de Mello
Quando vai a uma reserva extrativista da região de Santarém, no Pará, a ecóloga Ima Célia Guimarães Vieira conversa com os moradores das comunidades de etnia Tupinambá para, em conjunto, encontrarem formas de restaurar áreas de florestas degradadas por incêndios. Ela oferece sugestões e ouve, embora tenha muito a contar, já que começou a estudar os mecanismos de recuperação da vegetação nativa há quase 40 anos. Com seus estudos, mostrou que muitas vezes é possível apenas deixar a mata se recuperar sozinha, ainda que em outras, quando o uso da terra foi intenso, seja necessário plantar espécies nativas para acelerar a recuperação das áreas degradadas.

Paraense nascida em Belém, cresceu entre as cidades, os campos e as florestas da ilha de Marajó, onde passava temporadas ao lado dos pais, ambos juízes, e dos cinco irmãos. Divorciada, tem dois filhos: Murilo, 29 anos, historiador e produtor musical, e Tomás, 26, baterista e estudante de música na Universidade do Estado do Pará. A nova geração herdou o pendor musical da família. Sua avó tocava quatro instrumentos, a irmã é cantora lírica e diretora de ópera, o irmão é violonista e professor universitário.
Idade 63 anos
Especialidade
Ecologia florestal
Instituição
Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG)
Formação
Graduação em agronomia na Universidade Federal Rural da Amazônia (1980-1983), mestrado em genética e melhoramento de plantas na Universidade de São Paulo (1984-1987), doutorado em ecologia na Universidade de Stirling, Reino Unido, (1992-1996)

A toada de Vieira é outra, mas sempre em um tom firme e sereno. Seu conhecimento e sua habilidade como conciliadora a levaram em 2019 ao Vaticano, para ajudar 185 bispos a aprimorar suas visões sobre a maior floresta tropical do planeta e, desde o início deste ano, ao Rio de Janeiro, para assessorar a presidência da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Mas ela também tem opiniões fortes sobre as possibilidades de ocupação da Amazônia, expressas na entrevista a seguir, concedida por plataforma de vídeo, dias antes de ela viajar de Belém para outras reuniões na sede da Finep.

Que forças regem o desmatamento na Amazônia?
A Amazônia é um território em disputa. De um lado, você tem um modelo socioambiental, que se fortaleceu a partir da conferência Eco92 e defende a conservação e manejo da floresta e, de outro, um modelo desenvolvimentista, que lança mão inclusive de recursos ilegais para converter a floresta em áreas economicamente produtivas. O modelo desenvolvimentista, que tem predominado, levou a essa situação de altas taxas de desmatamento, com o apoio do Estado brasileiro, por meio de crédito e incentivo à expansão da agropecuária em larga escala. Um colega antropólogo aqui do Goeldi, Roberto Araújo (ver Pesquisa FAPESP no 309), lançou o conceito de pós-ambientalismo, que procura tornar o modelo desenvolvimentista mais verde, mais amigável, com as certificações ambientais e a mercantilização do carbono. Outro colega, o economista Francisco Costa, da Universidade Federal do Pará (ver Pesquisa FAPESP no 277), argumenta, com dados muito profundos, que a intensidade do desmatamento varia de acordo com a maior ou menor procura por terras para usar como pastagens ou agricultura. Quando a gente vê florestas públicas sendo queimadas e destruídas, não é à toa. É para colocar essas áreas no mercado de terra, porque vem depois a possibilidade de que sejam regularizadas e aproveitadas para a produção de commodities. As políticas públicas para a Amazônia retratam esses interesses conflituosos. A infraestrutura e o apoio ao desenvolvimento econômico estão ligados ao agronegócio e à mineração. Essas abordagens de bioeconomia, restauração florestal e créditos de carbono não atendem diretamente às necessidades das populações tradicionais, que ocupam 40% da Amazônia e não só conservam, mas manejam a floresta secularmente. A restauração não é um grande problema para essas populações porque usam áreas pequenas. Estamos buscando soluções para problemas causados por aqueles que destruíram a Amazônia, o que nos leva ao que eu chamo de justiça da restauração. Não me parece justo que os mesmos grupos que receberam recursos públicos para destruir a floresta agora recebam mais para desfazer os estragos que fizeram. O próprio agronegócio tem de arcar com a restauração, sem dinheiro público.
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As grandes pastagens e as plantações não deveriam ter espaço na Amazônia?
Não deveriam ter sido privilegiadas nas políticas públicas de desenvolvimento regional e agora não deveriam ter mais espaço, porque já temos 20% de áreas abertas na Amazônia. Não precisa desmatar mais nada. O problema, como diz o Gilberto Câmara, do Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais], é que os agropecuaristas produzem muito pouco nas áreas que desmataram. Nesse contexto é que em 2005 propusemos a meta de desmatamento zero, que o presidente Lula defende hoje. Eu, José Maria Cardoso, zoólogo paraense, professor da Universidade de Miami, e Peter Mann de Toledo, ex-diretor do Goeldi, apresentamos essa ideia em um artigo na revista Estudos Avançados. Na época a Amazônia estava com taxas de desmatamento anual superiores a 20 mil quilômetros quadrados. O avanço da agropecuária e da agricultura de larga escala nas florestas amazônicas não é mais admissível, porque as áreas já abertas são ou deveriam ser capazes de atender à necessidade humana de alimentação. Grande parte dessa área aberta, cerca de 65%, é ocupada pela agropecuária, incluindo os pastos limpos e os degradados, e cerca de 30% é área abandonada, sem uso agrícola, com parte já degradada. Sem uma boa governança sobre os usos da terra na Amazônia, as agendas do clima e da transição energética dificilmente avançarão e, pior, podem causar outros problemas e injustiças. Os grandes projetos implantados na Amazônia foram pensados fora da região e poucos têm sido discutidos com os amazônidas. Todos deveriam ter uma governança forte, para não dar mais recursos públicos para quem destruiu a floresta e quer agora plantar árvores para absorver carbono. O modelo socioambiental deveria ser valorizado, com apoio às comunidades da Amazônia. As populações tradicionais, indígenas e quilombolas, conservam hoje 198 milhões de hectares, e há outros 60 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas. Temos de garantir que essas florestas não sejam destruídas. A estimativa é de que 40% dessas florestas públicas já estejam degradadas. É preciso que essas áreas sejam logo destinadas para um uso florestal e assim saiam do mercado ilegal de terras.

Existe uma receita de como se faz a restauração de áreas na Amazônia?
Não existe receita, mas uma das principais estratégias é a de regeneração natural, porque cerca de 40% das áreas desmatadas da Amazônia têm potencial de regeneração de médio a alto. A regeneração natural é conhecida como método de restauração passiva e deve ser vista como prioridade em projetos de restauração de áreas degradadas na Amazônia, pois é capaz de recuperar até 80% da biodiversidade e do carbono, os processos ecológicos e os serviços ecossistêmicos. Onde houve um uso intensivo da terra, com muito fogo e forte mecanização, aí sim precisa entrar com a restauração ativa, ou seja, o plantio de espécies nativas.

Grandes pastagens e plantações não deveriam ter mais espaço, porque já temos 20% de áreas abertas na Amazônia

Conhece bons exemplos de restauração ativa?
O governo do estado do Pará está formulando um plano de restauração florestal, e espero que, com isso, seja possível organizar ações e apoio a projetos e que esses possam ser monitorados. Já há várias empresas se instalando no estado com a finalidade de recuperar áreas degradadas. Isso é um pouco preocupante, na medida em que, se não houver diretrizes claras do governo e um bom acompanhamento, podem trazer para a Amazônia espécies ou mudas de outros estados. As políticas públicas de restauração têm de ser muito bem conduzidas para não trazer mais problemas do que soluções. A meu ver, devemos valorizar a regeneração natural para a recomposição da vegetação nativa de propriedades com passivo ambiental, como permite o Código Florestal. Se o agricultor tiver um passivo ambiental na propriedade, pode optar por essa alternativa em seu plano de regularização ambiental. E é uma solução de baixo custo. Simplesmente se deixa a terra se recuperar sem a intervenção direta do homem e, em alguns casos, podem-se adotar ações de manejo que induzam o processo de regeneração natural.

Como está seu trabalho de restauração florestal com as comunidades de Santarém?
Está caminhando bem, mas os incêndios florestais frequentes nos assustam. Na região do Baixo Tapajós, perto de Santarém, há duas grandes áreas protegidas, a Resex [reserva extrativista] Tapajós-Arapiuns e a Floresta Nacional do Tapajós. Vários contextos associados à expansão do fogo envolvem as populações tradicionais e as florestas, como o caso dessa Resex, que já está sendo atingida por megaincêndios. Com o Instituto Clima e Sociedade (ICS), estamos trabalhando com indígenas da etnia Tupinambá na restauração das florestas degradadas na Resex. Unimos o conhecimento científico e o tradicional. O que vemos como um processo de competição ecológica eles veem como a invasão da tiririca e de outras espécies. É importante que eles se organizem e se empoderem para buscarmos novas ações, como o apoio para formar áreas de coleta de sementes nas aldeias. A gente nota que eles percebem as vulnerabilidades da floresta e que devem agir para evitar os incêndios e recuperar as áreas. Devemos voltar lá em dezembro.

Quando você começou a pesquisar sobre restauração florestal?
Há quase 40 anos. Assim que terminei o mestrado, mandei um projeto para o CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], ganhei uma bolsa de desenvolvimento regional e o museu Goeldi me aceitou como bolsista. Meu objetivo era entender como as plantas invasoras se instalavam em pastagens abandonadas em Paragominas [leste do Pará] e compreender o que chamamos de processo de sucessão ecológica, que se refere à sequência de mudanças estruturais e funcionais que ocorrem nas comunidades após um distúrbio. Eu tinha bolsa, mas não os recursos para ir a campo. Um colega que trabalhava com o Chris [Christopher Uhl] disse que era o tipo de tema que ele se interessaria. Ele é um dos maiores ecólogos tropicais do mundo e nessa época, fim dos anos 1980, era pesquisador visitante da Embrapa. Escrevi e ele respondeu prontamente, dizendo que eu poderia visitar o projeto e me associar ao grupo. Quando voltei para o Pará, parei em Paragominas, conheci o trabalho dele e percebi que era uma ótima oportunidade de desenvolver meu projeto. Iniciei meus levantamentos, mas ficava de olho no que eles estavam fazendo, que me parecia muito interessante.

Ao lado de Carlos Silva, do Goeldi, e morador de reserva extrativista, Vieira mede árvores em parcelas da florestaArquivo pessoal

E o que estavam fazendo?
Eles desenvolviam experimentos para entender o processo de sucessão ecológica e os mecanismos de regeneração das plantas em pastos abandonados e as alterações causadas pelas perturbações antrópicas no comportamento de aves, morcegos e outros dispersores de sementes. Com a chegada do Daniel Nepstad [ecólogo norte-americano], os estudos se ampliaram e tornaram Paragominas um laboratório de pesquisas ecológicas. Acabei me envolvendo nesses projetos e produzi com o Chris e o Daniel um dos meus artigos mais citados, sobre o papel de uma dessas espécies invasoras na facilitação do processo de sucessão. Fui contratada como pesquisadora no Goeldi em 1988, um ano depois de chegar em Paragominas. Entrei no doutorado em 1992, já como servidora pública.

As ideias sobre regeneração da floresta mudaram desde essa época?
Até a década de 1980, havia apenas os estudos de pesquisadores do Goeldi e da Embrapa na Zona Bragantina, a leste de Belém, o primeiro polo de agricultura em áreas de terra firme na Amazônia, ainda no século XIX. Ali se desmatou muito, mas para formar colônias de agricultura de pequena escala, nada parecido com o que foi Paragominas e as outras frentes de ocupação. Os pesquisadores descreveram bem a vegetação espontânea, que aparecia depois que as áreas eram desmatadas, cultivadas e abandonadas, as capoeiras. Não se tinha o entendimento de que era um processo sucessional, com toda uma dinâmica regenerativa.

Explique um pouco esse processo sucessional.
O processo de sucessão, do ponto de vista teórico da ecologia, não é novo. Foi em 1916 que o [botânico norte-americano Frederic] Clements [1874-1945] lançou uma teoria abrangente e lógica de sucessão, com mudanças de vegetação ocorrendo de modo ordenado e previsível em direção a uma condição de estabilidade, o clímax. Essa teoria dominou o campo científico até meados do século XX. A visão atual é de que a sucessão ocorre de modo probabilístico, podendo levar a estados de equilíbrio múltiplos. Essa visão é importante para a restauração, porque a sua prática é entendida como a manipulação dos processos de sucessão. Na Amazônia, o processo de sucessão ecológica só era estudado com intensidade pelo grupo do Chris Uhl em Paragominas. Os trabalhos dele a partir de 1984 foram os primeiros a mostrar que a Amazônia era resiliente, que conseguia se regenerar após desmatamento de larga escala, mas formava-se uma vegetação diferente da original. A intensidade do uso da terra e a distância da floresta da área modificada também influenciavam. Em Paragominas as fazendas eram muito grandes e as florestas iam ficando cada vez mais distantes do pasto que era abandonado após um ciclo de oito, 10 anos de produção. Os estudos evidenciaram que os pastos mais distantes da floresta tinham menos capacidade de regeneração, em comparação com os mais próximos, porque havia um fluxo mais baixo de dispersores de sementes, como aves e morcegos. Alguns jovens pesquisadores, como eu, José Maria Cardoso e outros, contribuíram para o entendimento mais amplo desse processo. Mais recentemente, equipes da Embrapa, do Inpa [Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia] e de várias universidades estudam a regeneração na Amazônia, não só para entender as mudanças nas trajetórias sucessionais após o desmatamento, mas também após os incêndios florestais de origem antrópica que se expandem na região.

A floresta pode voltar a ser como era?
Dificilmente. No meu doutorado examinei florestas secundárias iniciais, logo depois de abandonadas, e com três, cinco, 10, 20, 40 e 70 anos na Zona Bragantina, para entender o processo sucessional ao longo do tempo, e descobri que apenas 35% das espécies da floresta madura voltavam. Com estudos em outras áreas da Amazônia, o entendimento é de que depois de 20 anos há uma recuperação de cerca de 80% da diversidade de espécies de árvores, mas a composição de espécies será diferente. Outros grupos de plantas, diferentes dos da floresta primária, se estabelecem nessas áreas. Espécies da mata com sementes muito grandes, difíceis de dispersar, tendem a desaparecer das áreas antropizadas, enquanto as com sementes menores tendem a permanecer. As com capacidade de brotar logo depois do fogo e depois do corte também se tornam mais comuns nos ambientes que foram usados para pasto ou agricultura. Mas o potencial de regeneração natural em uma determinada área é diferente de outra. A recuperação da floresta depende, como Chris Uhl já evidenciara nos anos 1980, da intensidade do uso da terra. Quanto maior o uso de trator e do fogo, menor o potencial de regeneração e menor a diversidade de espécies a longo prazo.

Sem uma boa governança sobre os usos da terra, as agendas do clima e da transição energética dificilmente avançarão

Como você vê a chamada bioeconomia da Amazônia?
Temos de tomar muito cuidado com o termo bioeconomia, porque pode ser usado com interesses diversos, até mesmo, como já tem sido, pelo agronegócio. Me preocupa a ideia de que a Amazônia possa ter uma bioeconomia altamente tecnológica, como se propõe. A população da região, em geral com falta de perspectivas em termos de educação e acesso à informação, não está preparada para receber uma abordagem muito tecnificada, sob o risco de, novamente, ficarem à margem dos processos produtivos ou de se tornarem, como diz uma amiga do ISA [Instituto Socioambiental], os proletários da floresta, em consequência de uma bioeconomia desassociada do bioma. Do ponto de vista econômico é importante garantir que as áreas desmatadas e ocupadas com a agropecuária sejam produtivas. Permitir que o agronegócio tenha ainda mais aporte tecnológico ou biotecnológico não é coerente com políticas públicas que procuram conservar a floresta e sua biodiversidade. Acho que a melhor abordagem de bioeconomia para a Amazônia é aquela associada à sociobiodiversidade, que valoriza os conhecimentos tradicionais, empodera as comunidades e produz junto com elas novas tecnologias de produção. Para isso, é preciso acelerar o reconhecimento do papel dessas populações em uma economia florestal e dar o apoio às instituições locais.

Já existem bons exemplos nessa linha?
Os melhores exemplos vêm das populações tradicionais, com seus conhecimentos e práticas no manejo da floresta. Os produtos que estão no mercado internacional, a castanha, o açaí, em parte o cacau, vêm da associação com as populações tradicionais. Elas produzem pelo menos 2 mil produtos florestais não madeireiros já catalogados na Amazônia. O que falta é a valorização e apoio para as associações e cooperativas, com políticas públicas que possam fortalecer a comercialização dos produtos da sociobiodiversidade. Com o açaí, o problema é que até os anos 1990 havia um processo de produção sustentável, com a participação das populações tradicionais. Com o boom do açaí, que hoje chega a 70 países, alguns produtores abandonaram as boas práticas e houve uma intensificação do manejo nas várzeas, as áreas com 200 a 400 touceiras por hectare passaram a ter até 2 mil, 3 mil touceiras por hectare. Isso levou à açaização da várzea, com perda de biodiversidade e desequilíbrios ecológicos.

E o dendê na Amazônia, como avalia?
Definitivamente não é uma cultura de baixo impacto. O dendezeiro é originário da África e foi introduzido nos anos 1940 no Pará. A maior parte da produção é feita em grandes áreas, em monocultura, principalmente na região de Moju [norte do Pará]. O desmatamento para cultivar dendezeiro diminuiu, mas ainda existe em pequena escala. O maior problema é a desestruturação total da paisagem por conta das grandes áreas de monocultivo. As paisagens com dendezeiro têm poucos remanescentes de florestas e baixa conectividade entre os fragmentos. Os agricultores deveriam manter as reservas legais conectadas e pelo menos 40% da floresta nativa na paisagem, pois áreas com maiores coberturas de floresta devem conter diferentes condições ambientais e recursos capazes de manter alta diversidade de espécies. Isso deve garantir, inclusive, a sustentabilidade do ambiente agrícola, via polinização e controle de pragas, por exemplo.

Quanto maior o emprego de trator e do fogo, menor o potencial de regeneração e menor a diversidade de espécies

Como vê os efeitos das mudanças climáticas na Amazônia?
Muito preocupante. Os pesquisadores do Inpe já mostraram que as secas na Amazônia estão se tornando mais prolongadas e mais intensas. As temperaturas mais elevadas, a baixa umidade, e os eventos intensos de secas estão associados ao desmatamento e ao uso da terra. Vimos os dramáticos efeitos dessas associações em 1995, depois em 2003, 2010, 2015, 2017 e agora em 2023. Nem o Brasil, nem a Amazônia, nem os municípios, nem as populações estão preparados para essas mudanças, com impactos grandes na vida das pessoas, dos animais e da vegetação. Falamos em savanização, mas não gosto do uso desse termo, pois é como se o Cerrado e as savanas fossem inferiores às florestas. Prefiro usar capoeirização, que é a transformação da floresta em uma vegetação empobrecida floristicamente e uma estrutura diferente da floresta madura. Estudos recentes mostram que os efeitos das mudanças climáticas estão afetando o crescimento e a mortalidade de espécies e alterando a composição das espécies arbóreas em parte da Amazônia. As descobertas destacam a necessidade do desmatamento zero e de manter grandes áreas de florestas intactas.

Quais são suas atuais prioridades?
Desde maio estou na assessoria da presidência da Finep e tenho mudado meu foco de atuação, que era exclusivamente de cientista. Recentemente, ajudei a preparar notas técnicas e policies briefs para apoiar a decisão de gestores em políticas ambientais. Com colegas da Embrapa, Inpe, Cemaden [Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais], Ipam [Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia] etc., tenho trabalhado para mostrar ao Ministério do Meio Ambiente [MMA] que a degradação florestal, que se expressa pelo empobrecimento progressivo da floresta causado por um ou mais distúrbios, como os incêndios, também deve ser combatida, junto com o desmatamento. Em março, apresentamos uma nota técnica ao MMA alertando para esse problema, associado às grandes queimadas e incêndios na Amazônia. No âmbito do Programa Simbiose/CNPq, tenho colaborado para colocar em evidência a regeneração natural como uma abordagem importante nos programas de regularização ambiental de propriedades rurais na Amazônia. Em outubro preparamos uma nota técnica e a lançamos em um evento em Belém, e espero que as secretarias de Meio Ambiente dos estados da Amazônia usem essa informação no monitoramento dos projetos de recuperação de áreas degradadas no âmbito dos programas de regularização ambiental. Como assessora da presidência da Finep tenho também outras atividades.

Quais são?
Atuo como membro do Conselho de Administração do Centro de Bionegócios da Amazônia, o CBA, e participo das discussões e elaborações de programas na temática no âmbito da gerência regional da Finep em Belém. O presidente Celso Pansera me pediu para participar, ontem [8 de novembro], de uma reunião do Grupo de Trabalho sobre a Amazônia do Conselhão, o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, órgão de assessoramento direto do presidente Lula, e falei da importância da territorialização das ações de ciência e tecnologia na região. Outro integrante do grupo de trabalho, Ennio Candotti [diretor do Museu da Amazônia, em Manaus], mapeou mais de 300 instituições em quase 200 municípios da Amazônia, incluindo centros de pesquisa, unidades da Embrapa e da Fiocruz, universidades e institutos, e discutimos como integrar essa rede de instituições na agenda nacional de ciência e tecnologia.

As conversas estão avançando?
De certa forma, sim. Fortalecer um sistema regional de ciência, tecnologia e inovação não é fácil, porque nunca houve um programa de Estado para a Amazônia. Ainda existem muitos preconceitos e muito desconhecimento sobre a história, a cultura e a vida na região. Poucos sabem que a Amazônia só existe a partir de 1823, com a adesão do Pará às lutas da Independência, quando o Grão-Pará deixa de existir e dá origem ao Amazonas e ao Pará. Até então éramos um estado colonial português, como o estado do Brasil, os dois ligados a Lisboa. Só quando compreendemos os processos de incorporação e integração da Amazônia ao Brasil é que percebemos as consequências trágicas desses projetos, que até hoje têm produzido subdesenvolvimento e prejuízos ambientais e sociais por aqui. Mudar esse quadro é difícil, mas permanece aberta a possibilidade de formular estratégias capazes de impulsionar a ciência produzida na região, mas precisa de muito investimento. Minha luta é essa agora.

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