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Ilmo Sr Luiz Inácio Lula da Silva

Survival-Londres-UK
Autor: Stephen Corry
02 de Abr de 2003

> Presidente da República Federativa do Brasil
> Palácio do Planalto
> Praça dos Três Poderes
> Brasília DF
> 70150-900
> Brasil
>
> Londres, 2 de abril de 2003
>
> Vossa Excelência,
>
> A Survival é uma organização mundial de apoio aos povos indígenas que
> defende o direito desses povos de decidir o seu próprio futuro e os
> ajuda a proteger suas vidas, terras e direitos humanos. A Survival
> vem, desde 1969, apoiando os povos indígenas no Brasil e fazendo
> campanhas em prol do direito à propriedade da terra e de
> autodeterminação.
>
> A Survival vem trabalhando com os povos indígenas de Roraima há muitos
> anos, defendendo o reconhecimento e proteção de seus territórios e
> patrocinando projetos de pequeno porte. Escrevemos para manifestar
> nossa grande preocupação com a deterioração da situação em que vivem
> os índios nessa área. Ouvimos rumores de que o governador de Roraima,
> Sr. Flamarion Portela, teria se afiliado ao PT após entendimento com o
> Governo Federal de que a área indígena de Raposa-Serra do Sol não
> seria homologada. Se esse fato for verdadeiro, será repreensível e
> chocante pois demonstra que o Governador e outros políticos estão
> prontos a usar os povos indígenas como ferramenta de barganha.
> Esperamos que o seu governo não tolere esse comportamento que viola os
> direitos mais fundamentais dos povos indígenas.
>
> No mês passado a Folha de Boa Vista publicou a seguinte declaração do
> Governador Flamarion Portela: "Não podemos [o Estado] nos curvar a uma
> minoria, que rema de todas as formas contra o progresso de nosso
> estado, enquanto a maioria está sedenta pelo progresso e pela redenção
> da última fronteira agrícola de nosso Brasil". Essa declaração mostra
> que ele entende muito pouco sobre povos indígenas como os Makuxi e os
> Yanomami.
>
> O que pode representar progresso para os não-índios não é
> necessariamente progresso para os povos indígenas. Por exemplo, a
> invasão de Raposa-Serra do Sol por plantadores de arroz não traz
> nenhum benefício para os índios, que são os donos da terra. Pelo
> contrário, os plantadores de arroz estão poluindo os rios com
> agroquímicos e destruindo a savana. A invasão desses territórios por
> fazendeiros e garimpeiros gera tensão e conflitos violentos na área.
> Muitos Makuxi morreram nas mãos de pistoleiros contratados por
> fazendeiros para afugentá-los de suas terras. As terras dos Yanomami
> está sendo novamente invadida por garimpeiros. Isso não é progresso
> para os Yanomami; é a maior ameaça à sobrevivência desse povo.
> Recentemente recebemos informações de que alguns Yanomami já morreram,
> supostamente assassinados por garimpeiros, cuja presença em seu
> território também espalha doenças que são fatais para os índios. Cerca
> de 20% da população dos Yanomami morreu durante as invasões de
> garimpeiros em 1988-1993, um temível e totalmente evitável preço em
> vidas humanas. Para o estado, o custo de manter um programa de saúde
> na área dos Yanomami, após inúmeras tentativas fracassadas de retirada
> dos garimpeiros ilegais, é enorme. Se medidas preventivas para manter
> esses invasores fora dessa área fossem implementadas, o estado
> gastaria muito menos em programas de saúde emergenciais. Grandes somas
> foram gastas com o SIVAM, mesmo assim a utilização de tecnologia
> aparentemente produziu muito pouco resultado e os territórios
> indígenas são freqüentemente invadidos por fazendeiros e garimpeiros.
> O exército quer aumentar sua presença nas áreas dos Yanomami e dos
> Makuxi através da construção de novos quartéis, mas ainda parecem
> pouco disposto a ajudar a resolver a situação crítica de invasão
> dessas terras indígenas.
>
> Seria um desastre se o estado de Roraima viesse a encorajar o
> desflorestamento e uso insustentável dessas terras, como aconteceu em
> outros estados da Amazônia. A ação catastrófica das recentes
> queimadas, que custaram tanto a serem controladas, salientam a
> fragilidade desse meio-ambiente onde o progressivo desflorestamento e
> técnicas de uso inapropriado da terra estão esgotando o solo. A
> utilização indígena da terra na Amazônia é indiscutivelmente
> sustentável e longe de impedir o progresso, muitos defenderiam que é a
> maneira mais inteligente e sofisticada de resposta a esse
> meio-ambiente. Também significa que os índios podem ser
> auto-suficientes e portanto não precisam depender do estado, desde que
> o direito às suas terras seja reconhecido e assegurado. Mas para poder
> manter seu estilo de vida e autonomia, os índios precisam usar todo o
> seu território. Reduzir seu território ou dividi-lo em pequenas áreas,
> como políticos em Rorâima têm proposto, além de negar seu direito
> constitucional às terras que vêm habitando desde tempos imemoráveis,
> privaria os índios de acesso a terra suficiente para sustentar sua
> sobrevivência e portanto seu direito mais básico. Povos indígenas não
> precisam nem querem caridade ou doação de alimentos. O que eles
> realmente querem é o respeito a seu modo de vida, a proteção de suas
> terras e a oportunidade de colocar suas próprias opiniões e de
> determinar seu próprio futuro e desenvolvimento. A Survival, então,
> insiste que Vossa Excelência homologue o território de Raposa-Serra do
> Sol com urgência e garanta o futuro dos 12.000 índios habitantes dessa
> área.
>
> Hoje os povos indígenas do Brasil constituem o grupo com menor voz
> ativa e são os mais excluídos nos processos de decisão dentre todos os
> habitantes do país. Suas necessidades e aspirações são, na maioria das
> vezes, diferentes das de outros setores da sociedade brasileira. Acima
> de tudo, a ligação com suas terras é fundamental. Sem suas terras eles
> não sobreviverão como povos pois essa ligação é tão espiritual quão
> física. O reconhecimento do seu direito de propriedade coletiva de
> suas terras é a chave para sua sobrevivência. Estou anexando o livro
> Deserdados - os Índios do Brasil publicado pela Suvival quando dos 500
> anos da chegada dos europeus no Brasil, e também o folheto, A sua
> terra e o futuro que produzimos para a concientização dos povos
> indígenas de seus direitos.
>
> A Survival entende que em seu novo cargo como Presidente da República,
> Vossa Exelência tem muitos desafios e prioridades, mas nós insistimos
> para que não esqueça daqueles que são os primeiros habitantes do
> Brasil. A medida de uma sociedade justa e humana está sem dúvida no
> tratamento que ela dá às suas minorias.
>
> Atenciosamente

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