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Ilhabela vai ter vista para paredão de navios

FSP, Cotidiano, p. C1, C3-C4
23 de Ago de 2009

Ilhabela vai ter vista para paredão de navios
Governo quer ampliar capacidade do porto de São Sebastião para receber cerca de 1,5 milhão de contêineres por ano
O terminal de petróleo da Petrobras também deve aumentar sua capacidade para atrair superpetroleiros; moradores protestam

José Ernesto Credendio
Da reportagem local
Fábio Amato
Da agência Folha

Ilhabela vai ganhar nos próximos anos a vista para um paredão formado por navios gigantescos e pilhas de contêineres, caso sejam implantados dois projetos de ampliação do porto de São Sebastião (litoral norte de São Paulo). As obras de ao menos um deles, conforme planeja o governo do Estado, vão começar já em 2010. A ameaça do fim da paisagem do mar calmo e da serra do Mar, que atraiu hotéis e casas de luxo para a face oeste e impulsionou o turismo em Ilhabela, colocou a cidade em polvorosa.
ONGs, entidades e políticos de Ilhabela se mobilizaram para tentar ao menos reduzir os impactos na cidade, com adesivos e abaixo-assinados. "Ilhabela e São Sebastião lutam há muito tempo contra a verticalização. Agora, em vez de casas, vamos ter empilhamento de contêineres em alturas equivalentes a prédios de oito ou nove andares", diz Georges Grego, presidente do Instituto Ilhabela Sustentável.
As operações portuárias, que hoje ocupam uma pequena parte do canal, podem triplicar, formando uma enorme barreira em frente a Ilhabela.
Haverá impacto com o lançamentos de efluentes, vazamento de óleo, risco de pequenos acidentes e aumento da população. Moradores temem que as mudanças afastem turistas e restrinjam a passagem de barcos de passeio justamente na capital nacional da vela, como Ilhabela é conhecida.
O aumento da capacidade do porto, que passará a operar contêineres, e do terminal de petróleo da Petrobras vai atrair grandes navios, além de barcos menores a São Sebastião.
O projeto mais avançado, do governo de São Paulo, quer ampliar em 30 vezes a capacidade do porto, alcançando 1,5 milhão de contêineres por ano. Uma área de 40 campos de futebol foi reservada para pilhas de até cinco contêineres de altura.
O plano prevê ainda receber o chamado "gigante dos mares" -navio com quase 400 metros e altura de dez andares. O número de navios ancorados passará de quatro para 18 por vez.
Esses gigantes terão a companhia dos superpetroleiros. A Petrobras opera no porto, basicamente, com navios entre 50 mil e 170 mil toneladas, mas em 2008 ao menos um navio de 400 mil toneladas atracou lá.
O presidente da Companhia Docas de São Sebastião, Frederico Bussinger, vê uma "falsa questão" tanto no terminal de contêineres quanto no aumento de navios parados no canal, à espera de embarque e desembarque de produtos.
"É risível falar em pilha de contêiner. Fizemos uma simulação eletrônica e mal se consegue ver o terminal. E navio parado dá prejuízo", diz. Procurada desde quinta, a Petrobras não se manifestou.

Colaborou Moacyr Lopes Junior, repórter-fotográfico

Governo promete contrapartida com ampliação da área do porto
Estado diz que plano inclui projetos viários e sociais

Da reportagem local

Antes de questionar somente os impactos negativos da ampliação do porto no litoral norte de São Paulo, é preciso analisar a importância estratégica do projeto para o Brasil e o planeta, defende o presidente da Companhia Docas de São Sebastião, Frederico Bussinger.
Homem de confiança do governador José Serra (PSDB), Bussinger afirma que o projeto está dentro da concepção mundial de alterar o sistema de transportes, com a adoção de formas mais eficientes e menos poluentes, como a marítima.
"A ampliação do transporte marítimo é um agente contra o aquecimento global. Discute-se o impacto local e regional, mas não os ganhos globais. E mesmo na região haverá ganhos."
Segundo ele, também há uma falsa divulgação de que São Sebastião atinja o nível de degradação a que chegou a zona portuária de Santos.
"São Sebastião jamais será do tamanho de Santos, como alguns dizem. E não tem isso de pilha de contêiner fechando a vista. Da ilha, mal dá para ver o porto de contêiner", diz.
Em relação à paisagem, diz ele, a ampliação do Tebar (terminal de petróleo da Petrobras) será muito mais nociva. "Quando duplicarem o Tebar, da Vila [o centro de Ilhabela] não vai dar para ver o centro de São Sebastião", diz.
Bussinger diz que a ampliação do porto será acompanhada de projetos viários importantes, como a duplicação da rodovia dos Tamoios e o anel viário entre Caraguatatuba e São Sebastião.
O turismo de cruzeiros, que hoje leva a Ilhabela mais visitantes do que os vindos pela balsa, será beneficiado com um terminal próprio.
Há, porém, uma questão para o governo: quando estiver concluída, a ampliação do porto vai criar cerca de 2.500 empregos em São Sebastião, o que agrava o fenômeno da migração e da falta de moradias.
Na avaliação do secretário de Estado do Meio Ambiente, Xico Graziano, o governo deve "dar o exemplo" e mitigar os efeitos nocivos do projeto.
Por conta de pressões de ambientalistas, a companhia já alterou o projeto para reduzir ao máximo o aterro do mangue do Araçá. Agora, a estrutura ficará suspensa sobre o mangue.
As exigências, que vão constar do licenciamento ambiental, são estações de tratamento de esgoto, mais oferta de água, investimentos em saúde e segurança pública.
Uma das ideias, formulada pelo próprio governador Serra, é exigir como contrapartida a construção de vilas operárias para acolher os trabalhadores.
"Não dá para falar em aumentar o porto sem antes duplicar a rodovia dos Tamoios. É uma região muito especial, que não pode ser tão maltratada como já foi."
(José Ernesto Credendio)

Morador protesta contra ampliação do porto
ONGs, instituições da sociedade civil e políticos de Ilhabela se mobilizam para tentar conter aumento do terminal em São Sebastião
Grupo pretende custear estudo paralelo do impacto ambiental que o projeto pode provocar; preocupação também é com o turismo

Da reportagem local
Da agência Folha

O embate entre moradores e donos de casas em Ilhabela contra a ampliação do porto de São Sebastião, ou ao menos mudanças no projeto, reúne ONGs, entidades da sociedade civil e grupos políticos.
Há duas semanas, cerca de 250 pessoas participaram de exposição sobre os impactos no Instituto Oceanográfico da USP, em São Paulo. Uma das decisões foi coletar dinheiro para elaborar um estudo de impacto ambiental paralelo ao que será elaborado pelo governo para licenciar a ampliação.
"O centro de São Sebastião vai se tornar uma cidade de fundo de armazém. Querem [governo] fazer um rolo compressor", diz o advogado e mestre em direito ambiental Eduardo Hypolito do Rego, do Consema (Conselho Estadual do Meio Ambiente).
Na ilha, além da barreira na vista para o canal, há o temor de muito mais prejuízos do que ganhos, afirma o prefeito Toninho Colucci (PPS).
"O governador José Serra precisa ouvir os apelos dos moradores. Alguém falou do nosso posicionamento a esse projeto do porto e ele me questionou da seguinte forma: "Você está escutando muito os xiitas da USP, precisamos conversar a respeito do porto", afirma o prefeito.
Colucci diz que, como a rodovia dos Tamoios será o trajeto dos cerca de 2.000 caminhões que devem chegar por dia ao porto, turistas podem preferir vias e destinos mais tranquilos.
Até o final da semana, havia cerca de 2.300 adesões no abaixo-assinado organizado contra a ampliação do porto, segundo Georges Grego, do Instituto Ilhabela Sustentável.
Na avaliação de Grego, além do impacto visual, o tráfego de caminhões na região e o aumento da poluição das praias da cidade devido à presença de um número maior de navios devem afastar os turistas.
Também será afetada, prevê Grego, a Semana de Vela de Ilhabela, competição internacional realizada no canal de São Sebastião. "A semana vai ser prejudicada pelo aumento da circulação de grandes navios." (José Ernesto Credendio, Fábio Amato e Moacyr Lopes Junior)

Saiba mais

Canal é ideal para prática de esporte náutico

Da reportagem local

Uma característica morfológica pouco comum faz do canal de São Sebastião um dos melhores locais do país para esportes náuticos e, ao mesmo tempo, ótimo local para a atividade portuária.
Em formato de funil e confinado pelo morro de Ilhabela e a serra do Mar, o vento é canalizado e direcionado entre São Sebastião e Ilhabela.
Por outras razões, como a função de quebra-mar de Ilhabela (na verdade, a ilha se chama São Sebastião), o local apresenta, na maior parte do tempo, somente pequenas ondulações.
Esse conjunto faz com que o canal fique livre de ressacas, que destroem regiões costeiras bem próximas, como a praia de Massaguaçu, na vizinha Caraguatatuba.
Embora o vento seja favorável aos barcos à vela, quando atinge velocidades maiores, obriga a Dersa, empresa do Estado, a suspender as operações da balsa.
Embarcações de grande porte não são afetadas pela marola. E, devido à profundidade do canal, entram no porto sem risco de encalhes.

FSP, 23/08/2009, Cotidiano, p. C1, C3-C4

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