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Ilhabela ameaçada

OESP, Notas e Informacões, p. A3
25 de Mar de 2005

Ilhabela ameaçada

Não é de hoje que a descontrolada ocupação ilegal tem causado grandes devastações ambientais no litoral paulista e próximo a regiões da mata atlântica, cujas nesgas que ainda restam são, justamente, as que propiciam as belezas naturais de uma rica vegetação, a água pura e o encanto das praias que tanto atraem os habitantes de uma megalópole como São Paulo. Sob este aspecto, o avanço das construções irregulares sobre a mata de Ilhabela, predando e erodindo áreas tombadas pelo Condephaat, apesar de desalentador, não seria grande novidade, caso não soubéssemos que um dos maiores responsáveis por essa devastação é, justamente, aquele que foi eleito para cuidar do município: o seu prefeito.
Matéria de Bárbara Souza, na edição de quarta-feira deste jornal, nos dá conta de um quadro, realmente, desolador. Embora o Parque Estadual de Ilhabela tenha sempre sofrido a ameaça de invasões, agora seu predador-mor é um loteamento de alto padrão. Laudo do Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais (DEPRN) atesta que lotes do Loteamento Siriúba 1, assim como cerca de 60% dos 190 lotes do Loteamento Siriúba 2, apresentam irregularidades, ocupando áreas dentro dos limites do Parque. E uma das principais imobiliárias proprietárias de lotes no local, a Ilhabela Imóveis, tem também como sócio-proprietário o prefeito da cidade, Manuel Marcos de Jesus Ferreira (PTB). No dia em que foi publicada a reportagem, o Estado "desapareceu" de todas as bancas de Ilhabela. Os exemplares foram todos comprados antes das 8 horas e o prefeito nega a participação de seus funcionários no episódio. De qualquer forma, não será com esse tipo de prática que se cerceará a circulação de informações sobre as irregularidades, principalmente porque já se articulam investigações sobre loteamentos irregulares na região, no âmbito da Câmara de Vereadores de Ilhabela, da Assembléia Legislativa de São Paulo e da Secretaria de Estado do Meio Ambiente.
Sobre sua participação nos loteamentos irregulares, eis a justificativa do prefeito - a indicar uma cara-de-pau mais dura do que a de qualquer madeira nobre remanescente na mata: "Mantenho a sociedade mas permaneço afastado das funções." Ah, bom! Quer dizer então que a prefeitura de Ilhabela autoriza construções ilegais, permite o assoreamento de córregos e cursos d'água, dá alvarás e "habite-se" para imóveis construídos em locais proibidos, e o prefeito - beneficiário de muitas práticas que constituem crime ambiental - não tem absolutamente nada que ver com isso? Observe-se o pormenor: essa "sociedade" em que o prefeito afirma que "permanece", "afastado de funções", começou suas atividades em 13 de fevereiro de 2001, ou seja, 1 mês e 12 dias após a posse de seu primeiro mandato.
O pior é que muitas dessas práticas, conduzidas por imobiliárias inescrupulosas, levam pessoas de bem a cometer crimes ambientais por julgarem que aquilo que o poder público municipal aprovou é perfeitamente legal - o que seria óbvio em qualquer sociedade minimamente civilizada. "Pessoas corretas que tiveram seus projetos aprovados na Prefeitura, agora respondem por crime ambiental", diz o supervisor do DEPRN de São Sebastião.
Os compradores desses terrenos, na expectativa de poderem fazer suas construções numa paisagem privilegiada, com grande amplitude de vista para o mar, certamente jamais imaginaram vir a contribuir para a deterioração do que mais ali apreciavam. Pois comprovado está que o adensamento descontrolado, naquela região, comprometerá mananciais, reduzirá o abastecimento de água, eliminará parte de uma rica vegetação e causará erosão que, aliás, já começa a ocorrer. Certamente não será a primeira vez que a exploração ou especulação imobiliária significará um verdadeiro sacrifício da "galinha dos ovos de ouro".
Certamente os compradores que se sentirem prejudicados com os embargos realizados pelo poder público contra suas construções terão todo o direito de recorrer à Justiça - conselho, aliás, que lhes dá o próprio prefeito. Seja como for, e independentemente das batalhas judiciais que venha a ocasionar, o caso de Ilhabela pode ser considerado emblemático, a mostrar a que ponto pode chegar a falta de escrúpulos, neste país, de pessoas investidas de poder, de que esfera for.

OESP, 25/03/2005, Notas e Informacões, p. A3

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