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Ilegais na Billings são flagrados de helicóptero

OESP, Metrópole, p. C3
29 de Set de 2009

Ilegais na Billings são flagrados de helicóptero
Prefeitura de Santo André faz sobrevoo para identificar invasores e construções irregulares em área de proteção

Eduardo Reina

Elisvânio estava com a colher de pedreiro e cimento nas mãos. As paredes recém-erguidas começavam a ser rebocadas. Foi surpreendido pela fiscalização da prefeitura de Santo André ao ampliar o imóvel na Rua Inhambu, no bairro Recreio da Borda do Campo, às margens da Represa Billings, uma área de preservação e recuperação de mananciais. Tentou despistar, disse que havia sido contratado por um dia para rebocar as paredes postas de pé recentemente e iria embora. Afirmou desconhecer o dono do terreno. "O patrão não queria perder o cimento que comprou e pediu para fazer o reboco." Minutos depois, pressionado, Elisvânio disse se chamar José Carvalho de Souza. Foi orientado a paralisar o serviço.

A construção irregular foi localizada durante sobrevoo em 31 de agosto pela manhã. Há dez anos, técnicos do Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André (Semasa) inspecionam do ar 843 hectares do Parque do Pedroso para identificar crimes ambientais. A cidade tem 55% de seu território em área de manancial.

"Agora vamos utilizar nosso banco de dados, identificar o proprietário do imóvel e notificá-lo. Terá prazo de 30 dias para se explicar e depois pode até ser multado", diz a gerente de Controle Ambiental, Aline Ferreira da Silva, uma das responsáveis pelo monitoramento aéreo. A multa inicial para quem descumpre a legislação é de 501 unidades fiscais do município, que equivalem a R$ 1.139,27.

Na Rua Flamingo, nesse trecho de terra entre a Billings e o Trecho Sul do Rodoanel, o sobrevoo identificou a construção de paredes na casa no número 9. Os lotes no bairro, de mil metros quadrados, são desmembrados em 2, 4 e até 8 terrenos. "Isso é comum", diz Josiane Oliveira Bezerra, encarregada de Mananciais do Semasa. Pela legislação, só há possibilidade de construir em 30% a 40% da área total; o restante deve ficar permeável, com vegetação. "Está tudo congelado. Para construir é preciso pedir licença ambiental", explica Aline.

Mesmo em flagrante desrespeito à lei, os moradores não admitem o crime. Terezinha Maria de Souza, dona da casa de número 9, alega que está fazendo "apenas uma lavanderia".

É orientada pelas técnicas do Semasa a paralisar a obra e pedir licença ambiental. É obrigada a assinar o auto de advertência. "Se não for em 30 dias regularizar o problema e não parar a obra, pode ser multada", adverte Josiane. Revoltada, Terezinha diz que seus vizinhos também estão construindo irregularmente.

Basta dar a volta no quarteirão, ir até a rua de cima e verificar que a lavanderia que Terezinha diz estar erguendo tem paredes divisórias, como se fossem cômodos. "Estamos acostumados com isso. As pessoas mentem, nos ameaçam, dizem que vão virar nosso carro. Muitos nem atendem a porta quando chamamos", diz Aline.

Os sobrevoos identificam também queimadas, desmatamentos, despejo de entulho, invasão de área do Parque do Pedroso, caça e pesca irregulares. O monitoramento, diz Aline, já flagrou invasão de área do parque. Depois, por terra, o invasor foi notificado e retirado do local, mas uma semana depois voltou a ocupar área próxima. "A vistoria por helicóptero facilita a visualização, principalmente em regiões de difícil acesso por terra. Depois, nossas equipes vão por terra."

De maio até 31 de agosto, foram realizadas 21 vistorias desse tipo, com a constatação de 63 irregularidades em Santo André. Nesse ano já foram registradas 145 advertências ambientais e 58 multas na Área de Preservação e Recuperação aos Mananciais (APRM).

Fiscalização integrada depende de regulamentação de lei
Legislação foi sancionada em julho e prevê vigilância conjunta das cidades na área da Billings

Eduardo Reina

Outros municípios da região do ABC no entorno da Represa Billings e a capital também fazem vistorias periódicas nas áreas de manancial para evitar crimes ambientais. Mas essas estruturas de fiscalização só serão maiores e regulares quando a Lei Específica da Billings, sancionada pelo governador José Serra em julho, for regulamentada. A regulamentação prevê a gestão integrada de fiscalização, envolvendo todas as cidades ao redor do manancial.

"Vai dar um reforço importante", diz Gilberto Marson, da Secretaria de Gestão Ambiental de São Bernardo do Campo. O município tem 220 km² na região da Billings. "Trabalhamos junto com o governo do Estado para fazer essa regulamentação em 90 dias (até o fim de outubro). Há disposição política para isso", afirma.

São Bernardo espera contratar até o final do ano um satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) para monitorar a região da Billings. A cidade conta hoje com apenas três fiscais para percorrer toda a extensão da represa, além de 20 guardas ambientais. "Queremos aumentar esse efetivo também", diz Marson.

Na capital, afirma Walter Tesch, da Assessoria Ambiental e Operação Defesa das Águas da Secretaria de Segurança Urbana, há convênio com o governo estadual desde 2007 para ações contra novas invasões e depredações dos mananciais. "O objetivo é recuperar e proteger as áreas anteriormente ocupadas irregularmente. Com a regulamentação da Lei da Billings, o modelo adotado em São Paulo, de gestão integrada, deverá ser usado por todas as cidades", explica Tesch.

O território banhado pelo manancial foi subdivido em oito comitês, que contam com fiscalização da guarda ambiental, fiscais de 15 subprefeituras e da Secretaria do Meio Ambiente, que alimentam cotidianamente um banco de dados sobre a região.

Nos últimos 27 meses, a Prefeitura de São Paulo desfez (ou, no jargão técnico, realizou o desfazimento) 3.293 construções irregulares de moradias, comércios e outros usos em áreas cuja proibição para construir está prevista em lei.

Foram fechadas 56 fábricas de blocos e depósitos de materiais de construção nas áreas de proteção ambiental. Esses dados incluem também regiões próximas das Represas do Guarapiranga e Cantareira.

A Lei da Billings vai possibilitar a regularização de cerca de 200 mil imóveis localizados às margens do manancial que abastece 1,6 milhão de pessoas na Região Metropolitana de São Paulo. São imóveis em áreas de invasão e muitas habitações precárias.

Ambientalista propõe pagamento para conservação de terra onde haja água

Eduardo Nunomura

A coordenadora da Rede das Águas da Fundação SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro, diz que o maior problema para unificar esforços entre prefeituras em ações em defesa de mananciais é político, mas que há um modelo praticado em outros países que pode ajudar na preservação. "Há um modelo que une o poder executivo, comitês de bacias, empresas privadas e os cidadãos, em parcerias público-privadas, que é de financiamento sustentável, em que os grandes usuários de água pagam para os proprietários de terras com produção de água conservarem essas áreas", diz.

Malu disse não acreditar no modelo de fiscalização chamado comando/controle. "Sai caro usar helicóptero, satélites, polícias. Acredito mais na educação ambiental e no modelo que se paga ao produtor de água para conservar suas terras. Mesmo porque a gente fomenta os condutores de degradação, como o Rodoanel. Assim, é como enxugar gelo." O modelo citado pela ambientalista paga a conservação das terras por hectare. O valor varia conforme a região, de R$ 26 a R$ 126 por hectare. "Hoje, o arrendamento de terrenos pela iniciativa privada para plantar cana-de-açúcar chega a R$ 112 o hectare. Plantar eucalipto paga o hectare a R$ 200", cita.

Para o ambientalista Virgílio Alcides Farias, do Movimento de Defesa da Vida (MDV) de Diadema, a fiscalização hoje no entorno da Billings é a mesma de dez anos atrás. "Você pode andar comigo o dia inteiro em volta da represa e nos bairros que não vai encontrar nenhum fiscal. Na prática, a vistoria não existe, o que desmoraliza a legislação e o meio ambiente", reclama. Farias diz esperar que, com a Lei da Billings, os municípios se mobilizem e comecem a trabalhar juntos.

OESP, 29/09/2009, Metrópole, p. C3

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