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A idiotia convicta

OESP, Nacional, p. A6
Autor: KRAMER, Dora
02 de Mai de 2007

A idiotia convicta

Dora Kramer, dora.kramer@grupoestado.com.br

Uma característica do porta-voz de tolices homéricas é que diz suas estultices como quem acabou de descobrir a pólvora: com firme convicção e, não raro, traduzindo pensamento largamente aceito por uma boa parcela do senso comum.

Há uns quatro, quase cinco anos, esse tipo de discurso freqüenta o noticiário nacional quase diariamente, ao ponto de nos insensibilizar os ouvidos. Mas de vez em quando alguém abusa do direito de pronunciar sandices e surpreende.

Nas comemorações do Dia do Trabalho, o presidente da Força Sindical, deputado federal Paulo Pereira da Silva, arrebatou da ministra da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro ("não é racismo o negro se insurgir contra o branco") o troféu do concorridíssimo festival de besteira há 50 anos instituído por Stanislaw Ponte Preta no País.

Com escusas antecipadas ao leitor pela reprodução do linguajar, vamos ao que disse o deputado/líder sindical em defesa da adoção do meio ambiente como "bandeira do trabalhador": "Coisa de meio ambiente, vamos falar a verdade, até pouco tempo atrás era coisa de veado. Agora nós queremos fazer com que todos os trabalhadores defendam o meio ambiente."

A gente ouve e fica em dúvida se o argumento do deputado em sua convocação geral a "falar a verdade" sobre a questão ecológica é coisa de jeca, desinformado, homofóbico, oportunista ou simplesmente fruto da falta de modos.

Quer dizer, então, que todos os estudos, toda a produção acadêmica e científica, todos os movimentos de mobilização internacional, partidos verdes mundo afora, toda a legislação brasileira e internacional, toda a discussão, todas as estruturas oficiais e não oficiais destinadas a cuidar do problema, tudo o que ocorreu no planeta nos últimos 40 anos era "coisa de veado"?

Agora que o "Paulinho da Força" deu-se conta da importância do tema, meio ambiente virou coisa de "trabalhador", excetuados, evidentemente, os trabalhadores cuja vida sexual não se pauta pela cartilha do douto e contemporâneo sindicalista. Ou não os há na nação "trabalhadora"?

Ou, pior, Paulo Pereira da Silva estava querendo dizer que meio ambiente era questão supérflua, que as pessoas às quais ele denomina "veados" só se preocupam com futilidades? Ou terá pretendido desqualificá-los? Ou terá tido a intenção de desqualificar a importância do tema até a sua entrada em cena?

Ou, por outra, o "Paulinho da Força" apenas deu mais uma vez vazão às grosserias que lhe vão ao espírito normalmente? O histórico do sindicalista recomendaria aposta em todas as alternativas anteriores.

Na campanha presidencial de 2002, o personagem era vice de Ciro Gomes quando se viu no centro de uma investigação de desvio de dinheiro do FAT pela Controladoria-Geral da União. A título de defesa contra a montanha de provas reunidas pela CGU, reagiu chamando a então titular da pasta, Anadyr de Mendonça, de "feia e mal-amada".

Trata-se de um reincidente, pois. Mas não de um ingênuo. Ao propor o tema "Os trabalhadores e a defesa do meio ambiente" para as comemorações do 1o de Maio e sustentar sua proposta com o argumento que apresentou, o deputado Paulo Pereira joga a central que preside numa manobra meramente oportunista.

Tenta pegar uma carona em bandeira da moda. Mas como é anacrônico de alma, não acredita na causa nem sabe de fato do que se trata, só consegue ser patético.

E o mais grave é que quando o próprio presidente da República se refere à proteção de "bagres" para balizar o equilíbrio entre a defesa do meio ambiente e as circunstâncias do desenvolvimento, acaba reforçando a conduta da depreciação e jogando um tema que mobiliza o mundo na vala comum das piadas de mau gosto.

Fogo-fátuo

Leonel Brizola, vivo fosse, contaria ao presidente Lula sua experiência de governo com o professor Mangabeira Unger. Em 1982, Mangabeira aderiu à campanha de Brizola pelo governo do Rio de Janeiro.

Funcionava, ou pelo menos pretendia funcionar, como uma espécie de ideólogo do "socialismo moreno". Eleito, contrariou as expectativas do professor por posição de influência no governo e lhe entregou uma diretoria da fundação que cuidava de menores infratores.

Foram tantas as confusões produzidas por Mangabeira Unger que em pouco tempo o filósofo já arrumava as malas de volta para Harvard. Como desde o início pretendia Leonel Brizola.

Validade limitada

Observadores das cenas amenas entre PT e PSDB apostam que a lua-de-mel esbarrará, em breve, em dois obstáculos: a campanha para a eleição municipal de 2008 e o desenrolar das CPIs sobre a crise aérea na Câmara e no Senado.

Isso, evidentemente, se a própria oposição não se encarregar de promover no Congresso uma guerra de extermínio mútuo da qual não saia vivo um só oposicionista para contar histórias ao eleitorado nas campanhas do ano que vem.

OESP, 02/05/2007, Nacional, p. A6

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