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A idéia de levar água é ponto a nosso favor

O Globo, O País, p. 15
Autor: GOMES, Ciro
09 de Out de 2005

'A idéia de levar água é ponto a nosso favor'
O Novo Velho Chico: Ministro diz que não levaria projeto adiante se fosse inviável, insustentável e antiecológico

Para Ciro, obra de transposição das águas do São Francisco enfrenta a batalha do jogo político e da desinformação

A paixão do ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, pelo projeto do Rio São Francisco está na contundência com que defende a obra, dois canais de mais de 700 quilômetros, ao custo de R$ 4,5 bilhões, que, segundo previsões, em dois anos levarão água ao semi-árido nordestino. O projeto estava em seu programa de governo nas duas vezes em que disputou a Presidência. Ele ressalva:

No do Lula, não.
Consciente das dificuldades de implementar o projeto, Ciro diz que a desinformação e o jogo político são seus inimigos. Confessa desencanto com a política brasileira pós-crise. Pensa em aposentadoria, mas admite nova candidatura: para vereador do Rio em 2008.
Diana Fernandes e Lydia Medeiros

O Globo: O governo perdeu a batalha da comunicação sobre o projeto do São Francisco?

Ciro Gomes: Não. O problema é que o antagonismo toma um relevante calor e a maioria, de opinião favorável, tende a ser pouco barulhenta. Temos pesquisas: 62% da opinião pública brasileira apóiam o projeto. A observação empírica de que falta água no Nordeste está na cabeça de qualquer brasileiro, assim como está no imaginário que não podemos continuar resolvendo isso com paliativos. A idéia de levar água de onde tem para onde falta é um ponto forte a nosso favor. Quem quiser provar o oposto vai ter dificuldades.

Se o projeto é tecnicamente bem sustentado e a maioria apóia, a disputa está restrita ao campo político?

Ciro Há três blocos de antagonismo. O primeiro é lúcido, profissional e se motiva por reserva de valor e compensações. Significa dizer: "Qualquer água que se retirar daqui vai me fazer falta um dia". É reserva de valor. E compensações: "Como vão fazer um investimento dessa natureza, onde eu tenho certa influência para criar caso, sem me chamar e dizer eu te dou isso e aquilo?

"E o segundo bloco?

Ciro: É um ambientalismo honesto e bem-intencionado, preocupado com o testemunho real de que o rio está muito ferrado e que há uma agenda pouco positiva da revitalização do rio.

O terceiro?

Ciro: Classificaria de juízo de conveniência e oportunidade.

É o caso do bispo?

Ciro: É bem-intencionado, mas diz: "Com essa montanha de dinheiro era muito melhor a gente fazer escola, posto de saúde, pequenas cisternas". É um minimalismo, não dá respostas.

O antagonismo político é o mais difícil de enfrentar?

Ciro: É, porque é mal-intencionado, não tem escrúpulos. O governador João Alves (Sergipe) não doura mais a pílula. Diz que o rio vai morrer!

E como o governo pretende convencer a população?

Ciro: O governador Paulo Souto (BA) é um exemplo de um homem digno e sério, crítico do projeto, cuja motivação é a do grupo de reserva de valor. É uma oposição conseqüente. Mas o ato de governar não exige consenso. É cumprir os ritos legais, obedecer às instituições, negociar com os antagônicos e fazer, guiado pelo interesse público.
O senador Antonio Carlos Magalhães tem dito que a obra servirá para enriquecer empreiteiros.

Ciro: Como a obra não está licitada, e portanto não está escolhida qualquer empreiteira, se ele tiver algum interesse público, republicano, moral, ético, que não duvido que tenha, está com uma interpelação judicial para me dizer quem está facilitando vida de empreiteiro aqui. Ele me ressalvou pessoalmente, mas se sabe de alguma coisa, há tempo de consertar.
O senhor vai interpelar o bispo também?

Ciro: O padre, não. Se processar padre, vou para o inferno (risos). É uma brincadeira. Tem de haver tolerância, mas é injusto.

Que argumento faria o governo desistir?

Ciro: Que a obra não é viável, é injusta, insustentável, antiecológica. Qualquer um. E tenho convicção que não aparecerá esse argumento. Quem primeiro colocou a questão fui eu. E disse para ele (fala apontando o Palácio do Planalto, para o qual tem vista do gabinete, referindo-se ao presidente Lula) quando me chamou e pediu: "Vamos fazer esse negócio urgente". Eu falei: "Não dá". A memória sobre esse assunto é desastrada, os equívocos cometidos são os piores possíveis e é preciso zerar essa agenda.

A obra vai atrasar?

Ciro: Esse movimento (o do bispo) suscitou uma reação que nunca tinha visto. Mas há liminares e o tempo da Justiça é o tempo do estado democrático de direito.
Se Lula não for reeleito, o projeto pára?

Ciro: Depende de quem seja eleito. Se for Aécio Neves, será obra do primeiro ano de governo dele.

E se for José Serra?

Ciro: Aí o exílio é uma opção e o problema da obra será absolutamente secundário. O Brasil não merece isso.

E o com o governador Geraldo Alckmin?

Ciro: Alckmin é outra gente. Tenho afeições extremas nesse partido. Posso mencionar muitos. Tasso Jereissati, meu melhor amigo. Aécio Neves, logo em seguida um grande amigo.

Lula será reeleito?

Ciro: Se desejar, é favorito.

Quais seus planos para 2006?

Ciro: Se eu puder, vou dar um tempo. Não pretendo me candidatar, mas sabe como são essas coisas.

Não tem vontade de ter um mandato?

Ciro: Não tenho vontade?

Não quis ser presidente apenas? Duas vezes! Mas agora meu caráter e meu compromisso com o Brasil dizem que meu candidato é Lula.

Então para o senhor ter mandato, daqui para frente, só o de presidente?

Ciro: Não. Estou cultivando a idéia de ser vereador no Rio de Janeiro. Mas no futuro, porque meu domicílio é no Ceará. Quem sabe mais perto da aposentadoria, que pode ser breve.

Por quê?

Ciro: Estou com 47 anos e 30 de militância. Não vi meus filhos crescerem. Hoje, estou completando dois anos, nove meses e sete dias morando num hotel. Minha mulher mora no Rio. Estou perdendo o saco de conviver com a baixaria em que está se transformando a política brasileira. Muito ruim, desqualificada, analfabeta, sem espírito público, fisiológica, corrompida e sem escrúpulos.

Não é fruto das paixões produzidas pela crise política?

Ciro: Estamos saindo da catatonia e começando a agir mais profissionalmente. Essa dor toda está sendo boa para o país. Vamos sair mais maduros, mistificações morreram de lado a lado. A população vai ter de aprender que o céu não é perto e que votar não é conversa mole de palanque, de Papai Noel. Tem de prestar atenção. Dá trabalho praticar democracia. Tudo isso é doído, mas vai melhorar.

Dom Luiz Flávio Cappio
Viagem da nascente à foz

Transformado em líder do movimento contra a transposição das águas do Rio São Francisco depois de fazer greve de fome por 11 dias, Dom Luiz Flávio Cappio está há cinco anos à frente da diocese da cidade baiana de Barra, localizada na região semi-árida da Bahia, às margens do rio. A relação com as comunidades pobres, no entanto, vem de muito antes.

Ordenado em dezembro de 1971 em sua cidade natal, Guaratinguetá (SP), ele foi para São Paulo trabalhar na Pastoral Operária, onde conviveu com o então frei Leonardo Boff e outros religiosos da Teologia da Libertação. Numa decisão que surpreendeu a família e colegas de hábito, deixou tudo e iniciou uma peregrinação pelo interior do país. Entre 1992 e 1993 fez uma viagem de um ano pelo São Francisco, da nascente à foz. Foi nessa excursão que ele concluiu que os beiradeiros seriam os mais prejudicados com a transposição.

Na Bahia, denunciou o comércio ilegal de pedras preciosas e o tráfico de drogas. Foi ameaçado de morte e sua casa foi incendiada, segundo um de seus assessores, Adriano Martins.

Depois de ter passado por Minas, o franciscano chegou em 1975 à Diocese de Barra. Acabou ordenado bispo do lugar. Segundo seus parentes, frei Cappio não se furta a novos desafios, embora tenha um perfil muito mais de missionário do que propriamente de administrador de uma diocese. Ele ameaça fazer nova greve de fome se o governo não cumprir o que prometeu, ou seja, revitalizar o São Francisco.

O Globo, 09/10/2005, O País, p. 15

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