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''Ibama vai adotar, sempre que possível, penas mais brandas''

OESP, Vida, p. A30
Autor: DIAS, Bráulio Ferreira de Souza
21 de Nov de 2010

''Ibama vai adotar, sempre que possível, penas mais brandas''

Entrevista: Bráulio Ferreira de Souza Dias, Secretário Nacional de Biodiversidade e Florestas

Afra Balazina

Recentemente, o Ibama autuou diversas empresas e instituições de pesquisa por acessar a biodiversidade sem autorização ou por produzir e não repartir lucros com a comunidade que já conhecia o uso de certa planta ou animal usados em sua criação. O valor total das multas passa de R$ 100 milhões - só a Natura foi multada em R$ 21 milhões e disse que vai recorrer. O secretário nacional de Biodiversidade e Florestas, Bráulio Dias, explica ao Estado como se chegou a essa situação.
Por que de uma hora para outra ocorreram tantas autuações? O Ibama vem trabalhando nisso desde junho. Eram processos em que alguém tinha acessado a biodiversidade sem ter autorização ou sem fazer a repartição de benefícios ou ambos. Uma Medida Provisória de 2001 dizia que quem usava recursos genéticos devia se regularizar. Mas não deixou claro como fazê-lo. Começaram a chegar processos de regularização, principalmente a partir de 2004 e 2005. E o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cgen) não deliberou sobre o assunto. Houve um entendimento de que a melhor solução seria um decreto presidencial, pois teria abrangência maior que uma norma do Cgen. Mas não se chegou a uma conclusão. Os conselheiros do Cgen decidiram suspender o tratamento desses processos, até que as regras ficassem claras.

Quando não havia decisão, os processos eram classificados como "sobrestados"?

Isso. O problema é que foram se avolumando os processos sobrestados e os questionamentos dos interessados sobre os processos que estavam parados. Então o Cgen, no início deste ano, decidiu suspender o sobrestamento dos processos. O Ministério do Meio Ambiente decidiu encaminhar esses 107 processos para o Ibama, órgão de fiscalização ambiental federal, para analisar à luz da legislação vigente e verificar quais casos caracterizavam claramente um ilícito e que penalidades teriam de ser aplicadas para regularizar os processos.

E o que encontraram?

Houve situação em que se entendeu que caberia apenas uma advertência - houve acesso para pesquisa, mas não houve dano porque não ocorreu desenvolvimento comercial e, portanto, não cabia repartição de benefícios. Na maioria dos casos, foi feita uma notificação dando um prazo para as entidades se defenderem. O Ibama está tratando com sigilo porque não pode rotular todo mundo de biopirata sem dar o direito de defesa. Nós queremos deixar bem claro que será dado tratamento adequado para quem procurou se regularizar. O Ibama vai adotar, sempre que possível e conforme o que a lei permite, advertências ou penas mais brandas.

Uma universidade paga menos multa que uma empresa?

Sim, em alguns casos. Se era só pesquisa, sem resultado comercial, leva só advertência. Mas não tenho detalhes caso a caso.

Mas para resolver a questão completamente ainda é preciso corrigir as lacunas da lei, certo?

Há vários anos começou a discussão de um novo marco legal. Mas não há convergência de entendimento de vários setores do governo e de fora do governo de aspectos importantes da legislação. Por isso, o projeto de lei do Executivo não foi concluído. O compromisso político do governo Lula é tentar concluir essa discussão ainda neste ano e encaminhar para o Congresso. Se vai ser possível, ainda não tenho condição de dizer. Uma das questões importantes nesse cenário era ver como caminharia o processo internacional de ABS (regulamentação sobre acesso e repartição de benefícios).

E a reunião em Nagoya, a COP 10, chegou a um acordo.

Exato. Criou-se uma nova realidade, que é o marco internacional. A legislação nacional tem de ser compatível com o protocolo. Ele ainda não está vigente, precisa ser ratificado por pelo menos 50 países, o que pode levar dois anos. Mas acredito que haverá um redobrado interesse de todos em reexaminar a proposta do projeto de lei à luz do protocolo. Ele ajuda a resolver certos itens que estavam em disputa. Sou otimista ao achar que agora será possível retomar o projeto de lei. Mas não vai ser da noite para o dia.

Para lembrar

Chegou-se a um acordo entre 193 países na 10a Conferência das Partes (COP-10) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), no Japão, em outubro. O Protocolo de Nagoya estabelece que os países têm soberania sobre os recursos genéticos de sua biodiversidade e que o acesso a essa biodiversidade só poderá ser feito com o consentimento desses países. Além disso, caso o acesso resulte na elaboração de um produto, os lucros de sua produção e comercialização serão obrigatoriamente compartilhados com o país de origem.

Quem é

Secretário nacional de Biodiversidade e Florestas, é biólogo e doutor em zoologia pela Universidade de Edimburgo, Escócia (1981). Atuou como diretor de Pesquisa do Ibama. Acompanha as negociações da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) desde 1991.

OESP, 21/11/2010, Vida, p. A30

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101121/not_imp643084,0.php

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