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Ibama quer proteger maior cratera da América do Sul

FSP, Ciência, p. A20
18 de Mai de 2008

Ibama quer proteger maior cratera da América do Sul
Unidades de conservação podem "engolir" seis cidades no domo de Araguainha, situado entre Mato Grosso e Goiás
Sítio geológico, de 40 km de diâmetro, foi formado por impacto de um meteorito há 250 milhões de anos; proteção divide moradores

Rodrigo Vargas
Da agência Folha, em Araguainha e Ponte Branca (MT)

O Ibama de Mato Grosso concluiu e encaminhou a Brasília um relatório que prevê a criação de um "mosaico" de unidades de conservação para proteger a área do domo de Araguainha, a maior cratera de meteorito da América do Sul e a 17ª do mundo. O sítio geológico que abriga o domo -uma referência ao formato abobadado do núcleo da cratera- está localizado na divisa de Mato Grosso e Goiás e abrange o território de seis municípios.
Dois deles, Araguainha e Ponte Branca (475 km de Cuiabá), foram erguidos dentro da cratera, que tem 40 quilômetros de diâmetro e cuja curvatura só é perceptível se vista de um avião. Geólogos da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e da USP (Universidade de São Paulo) estimam que o local seja o resultado do choque de um corpo celeste ocorrido há aproximadamente 250 milhões de anos.
O meteorito, segundo eles, tinha até 4 quilômetros de diâmetro, e seu impacto teve potência equivalente à de 28 milhões de bombas nucleares semelhantes à de Hiroshima.
No local, há rochas deformadas que só surgem em eventos dessa magnitude e fragmentos fossilizados de organismos marinhos -no momento do choque, a região era um mar raso.
Além de cidades, a área da cratera -que se estende por 281 mil hectares- abriga pelo menos 20 cavernas de arenito e já teve 12 sítios arqueológicos identificados. Concentra ainda nascentes de vários formadores do rio Araguaia e espécies da flora e da fauna do cerrado ameaçadas de extinção -como o tamanduá-bandeira, a onça-parda, o lobo-guará e a arara-azul-grande.
Esse patrimônio natural está ameaçado pela exploração inadequada da região. Cercas, pastos e centenas de quilômetros de estradas vicinais também fazem parte do cenário do domo de Araguainha. Além da pecuária e da agricultura intensiva, que já chegaram aos municípios do entorno, o lugar é alvo da ação de carvoarias, que destroem vastas porções das matas nativas da região.
"A remoção da vegetação causa impactos visíveis, como o aumento da suscetibilidade do solo à erosão e o aumento da fragmentação de habitat terrestre", diz um trecho do relatório do Ibama.
"O processo erosivo, facilmente perceptível, pode comprometer a viabilidade ao médio e longo prazos de diversas nascentes e córregos, além de potencialmente alterar significativamente variáveis hidrológicas do rio Araguaia."
Concluído em março deste ano, o documento é o resultado de um extenso levantamento de campo coordenado há quatro anos pelo técnico ambiental José Guilherme Aires Lima, ligado ao ICMBio (Instituto Chico Mendes) e ao Cecav (Centro Nacional de Estudo e Proteção e Manejo de Cavernas). Segundo ele, ainda falta mapear cerca de 50% da área.
"Ainda há muito por descobrir. Mas certamente, por tudo o que pudemos identificar e catalogar até agora, podemos dizer que se trata de um local raro, único e que precisa ser conhecido e conservado", disse.
O estudo propõe a criação de um "mosaico" composto por cinco áreas prioritárias de proteção. Três delas, incluindo a região dos morros formados no núcleo da cratera, seriam constituídas como unidades de conservação -o grau de proteção e as restrições a serem impostas serão estabelecidos em uma segunda etapa do trabalho.
Nos municípios, a idéia causa polêmica. Em Ponte Branca e Araguainha, não falta quem diga que os futuros parques inviabilizarão a já combalida economia dos municípios. Aires Lima, no entanto, acredita que possa ocorrer o inverso.
"São poucos os lugares no mundo que podem dispor de uma riqueza como esta. Além de um campo de pesquisas para ciência e uma área muito relevante para a preservação do cerrado, estamos falando de um potencial imenso para o ecoturismo e o turismo científico. É uma oportunidade única, que não pode ser desprezada", disse Aires Lima.

"O que eu vi cair do céu foi gelo", diz moradora

Da agência Folha, em Araguainha e Ponte Branca (MT)

Com 1.120 habitantes, Araguainha (MT) está entre os dez municípios menos populosos do Brasil, segundo a contagem populacional do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2007. Faltam emprego e oportunidade para os mais jovens, dizem os moradores. Muitos estão indo embora.
É nesse cenário de ruas pacatas e quase desertas, que os moradores têm de assimilar as notícias sobre a existência de uma cratera. Uma tarefa que parece depender muito de crença.
O comerciante Antônio Joaquim de Alcântara, 82, por exemplo, não acredita em uma palavra do que ouve. Chegou à região em 1948 -quando, diz, a única pedra de que se tinha notícia era o diamante que aflorava nos garimpos da região.
"Foi só de uns cinco anos para cá que começou esta história de cratera e de pedra do céu. Eu não acredito", afirma.
A dona de casa Maria Aparecida de Alcântara, 72, está em dúvida. "Tem dias em que penso que é verdade. Depois acho que não. O que eu já vi cair do céu foi gelo, em dia de chuva forte. Pedra mesmo, nunca."

Interesse
Apesar das dúvidas, o prefeito da cidade, Osmari de Azevedo (PR), diz que a população está cada vez mais informada sobre o caráter excepcional das terras da cidade. "Os jovens aprendem sobre o que é domo na escola", diz.
Azevedo quer proteger o local, "mas desde que isso não prejudique as atividades econômicas do município". (RV)

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Cratera pode dar pista de megaextinção

Da agência Folha, em Araguainha e Ponte Branca (MT)

O domo de Araguainha é um dos melhores pontos para estudo de crateras no planeta, segundo Yára Marangoni, do Instituto Astronômico e Geofísico da USP. "Ele combina uma excelente exposição com uma erosão relativamente baixa", diz. "As imagens de satélite mostram que a estrutura não se deformou."
Há quase três anos, Marangoni coordena no local um estudo para determinar os efeitos do impacto sobre as camadas do solo. Segundo Marangoni, a região de Araguainha é repleta de rochas só encontradas em locais que sofreram a ação de meteoritos.
É o caso dos chamados cones de estilhaçamento, que conservam marcas ramificadas do impacto. "Essas estruturas só são produzidas em impactos e explosões nucleares", diz Álvaro Crósta, geólogo da Unicamp pioneiro nos estudos do domo.
O choque teria ocorrido no limite entre os Períodos Permiano e Triássico -quando houve a maior extinção em massa da história, com 70% das espécies terrestres extintas. E pode ajudar a entendê-la.
"Esse meteorito não tinha tamanho suficiente para ser o único causador da extinção, mas pode ter contribuído para que ela ocorresse", afirma Marangoni. "Certamente ele teve potência para afetar grande parte da vida na América do Sul", diz Crósta. (RV)

FSP, 18/05/2008, Ciência, p. A20

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