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Ibama multa, mas ninguém paga

O Globo, O País, p. 3
31 de Dez de 2007

Ibama multa, mas ninguém paga
Autuações por desmatamento atingem R$ 2,5 bi; governo mudará regras para tentar receber dinheiro

Bernardo Mello Franco

No ano em que o governo primeiro comemorou a terceira queda consecutiva no desmatamento da Amazônia, mas depois foi obrigado a anunciar medidas para conter o crescimento registrado nos últimos meses, a Polícia Federal e o Ibama aumentaram o número de ações de combate aos crimes contra o meio ambiente. Responsável por proteger a fauna e a flora brasileiras, o Ibama chegou a aplicar um valor recorde de R$ 2,57 bilhões em multas. No entanto, os diretores do órgão reconhecem que há dificuldade de fazer o dinheiro chegar aos cofres públicos.
O montante das autuações deste ano é 7% maior do que o de 2006, que foi de R$ 2,4 bilhões. Em 2005, foi de R$ 1,7 bilhão. Sem conseguir receber quase nada do que cobra de multa, o governo estuda a edição de um decreto, nos próximos meses, para reduzir a possibilidade de recursos às autuações. Hoje, os grandes infratores levam até quatro anos para ter o processo julgado em Brasília. Enquanto isso não acontece, muitos continuam a agredir o meio ambiente sem restituir um centavo à União. O governo não soube informar o valor que efetivamente consegue arrecadar com as multas.

- Hoje, um sujeito que derruba madeira ilegalmente pode recorrer à divisão regional do Ibama, depois ao chefe da divisão, à superintendência estadual, ao presidente do instituto e ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Queremos reduzir esses processos a duas instâncias de recurso - antecipa o diretor de Proteção Ambiental do instituto, Flávio Montiel da Rocha.

Baixo número de fiscais é ponto fraco
Se a proposta do Ibama for aprovada pela Casa Civil, o valor mínimo das autuações em que o infrator pode recorrer a Brasília triplicará, de R$ 50 mil para R$ 150 mil.

Entre as outras regras em debate, está a destruição ou doação imediata de máquinas apreendidas em atividades ilícitas. Com isso, o instituto quer evitar que liminares judiciais devolvam caminhões, tratores e motosserras aos destruidores de florestas.

- Os fiscais apreendem um caminhão carregado de toras retiradas de uma região de proteção ambiental e, meses depois, o juiz da região manda devolver o veículo. Enquanto isso acontece, o infrator não sente a punição no bolso - diz Rocha.

O governo admite que o baixo número de fiscais continua a ser o ponto fraco no combate aos crimes ambientais. Juntos, o Ibama e o recém-criado Instituto Chico Mendes têm apenas 1.770 funcionários para reprimir atividades ilegais em todo o país. Para o diretor de Conservação do Ibama, novos investimentos em capacitação e equipamentos podem reduzir os prejuízos causados pela falta de pessoal:
- Nossos fiscais ainda vão a campo com uma mala que pesa sete quilos e são obrigados a preencher inúmeros formulários até aplicar uma multa. Até o fim do governo, em 2010, queremos distribuir palmtops e informatizar todo o sistema.

Servidores presos em operações da PF
Na Amazônia, os fiscais apreenderam, de fevereiro a dezembro, mais de 300 mil metros cúbicos de madeira. O volume seria suficiente para encher caminhões numa fila de ida e volta entre São Paulo e Cuiabá. Segundo Rocha, o desafio agora é reduzir os obstáculos à aplicação real das punições.

Relatório obtido pelo GLOBO mostra que a PF cumpriu este ano 286 mandados de prisão em 14 grandes operações de repressão à retirada ilegal de madeira, ao contrabando de minérios e à venda de animais silvestres. Com foco nos estados da Amazônia Legal, as investigações da PF revelaram o envolvimento de servidores municipais, estaduais e federais em quadrilhas responsáveis por fraudes em processos de licenciamento e fiscalização do uso de recursos naturais.
Em março, a Operação Ananias prendeu seis funcionários do Ibama acusados de falsificar documentos para permitir o transporte ilegal de madeira em sete municípios do Pará. Também foram para a cadeia outros seis servidores estaduais e um ex-secretário de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente do governo paraense. O esquema envolvia ainda empresários e despachantes.

- No Brasil, crime ambiental é sinônimo de corrupção. Praticamente todas as grandes quadrilhas que atuam no país contam com a participação de servidores públicos - resume o chefe da Divisão de Repressão a Crimes contra o Meio Ambiente e o Patrimônio Histórico da PF, Álvaro Palharini.

Índios fazem extração ilegal de madeira
Em maio, a Operação Mapinguari voltou a flagrar o envolvimento de líderes indígenas na extração ilegal de madeira. O esquema, no Parque Indígena do Xingu, contava com a cooperação de cinco integrantes da tribo trumai.

A Justiça Federal de Mato Grosso expediu 47 mandados de prisão, incluindo ramificações da quadrilha nos estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Paraná.

Também em maio, sete policiais do Batalhão de Policiamento em Áreas Turísticas da PM do Rio foram presos quando a Operação Iscariotes desarticulou uma máfia que, em dois anos, conseguiu desviar cerca de R$ 10 milhões da bilheteria de acesso ao Corcovado, no Parque Nacional da Tijuca.

Apesar de comemorar os resultados, a PF reconhece que ainda não conseguiu montar um banco de dados nacional com o cadastro de todos os suspeitos de cometer crimes contra o meio ambiente. O investimento em inteligência, com ênfase na proteção da Amazônia, foi uma das promessas do diretor-geral Luiz Fernando Corrêa ao assumir o cargo, em setembro. Instituídas em 2003, as delegacias especializadas - que ainda dividem a atenção com os crimes contra o patrimônio histórico - são as mais novas da estrutura da PF.

O delegado Álvaro Palharini diz que só agora os policiais começam a valorizar o trabalho na área ambiental.

- Como a PF sempre investigou tráfico de drogas, contrabando e delitos financeiros, ninguém queria ser lotado nessas novas delegacias.

Ainda temos que trabalhar para mudar a cultura dos policiais e acabar com esse preconceito - admite.

Amazônia: aumento da devastação é desafio para Marina em 2008
Ministra do Meio Ambiente promete lista de municípios que mais derrubam árvores na região

No último ato público do ano, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, acendeu a luz amarela ao admitir uma nova alta no desmatamento da Amazônia. Menos de um mês depois de comemorar a terceira redução anual seguida das derrubadas na floresta, entre agosto de 2006 e julho de 2007, ela informou, no dia 21, que o índice voltou a subir 10% nos últimos quatro meses em relação ao mesmo período do ano passado. O alerta reforçou a preocupação de ambientalistas que acompanham o monitoramento por satélite da região.

Para o superintendente de Conservação da WWF Brasil, Carlos Alberto Scaramuzza, os próximos meses vão definir se os resultados positivos foram fruto da ação do governo ou apenas conseqüência da queda no preço das commodities, que teria desacelerado a expansão do agronegócio sobre as áreas cobertas pela floresta.

- Como os preços voltaram a aumentar, agora vamos saber o quanto a fiscalização contribuiu para os números comemorados pelo ministério - afirma.

Para frear a nova alta no desmatamento, Marina anunciou novas medidas para obrigar os proprietários de terras mais devastadas a prestar contas ao Incra. Ela prometeu ainda divulgar, em janeiro, uma lista dos municípios que mais derrubam árvores na Amazônia. A preocupação está concentrada em três estados: Pará, Mato Grosso e Rondônia.

Num ano tumultuado no Ministério do Meio Ambiente, a ministra promoveu mudanças na equipe e no discurso para estancar o processo de fritura que sofria desde o fim do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Além de afastar o secretário executivo Cláudio Langone e o presidente do Ibama Marcus Barros, ela fatiou o órgão para criar o Instituto Chico Mendes, que assumiu a gestão de parques e reservas ambientais. A ministra confiou o novo instituto a seu fiel escudeiro João Paulo Capobianco. Em contrapartida, enfrentou duras críticas e dois meses de greve dos servidores do Ibama.

Marina também baixou a resistência contra a construção de hidrelétricas no Rio Madeira, uma atitude que irritava o presidente Lula e ameaçava selar sua demissão do ministério. No último dia 10, o governo licitou a construção da primeira usina do futuro complexo de geração de energia, uma das obras prioritárias do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
(Bernardo Mello Franco)

O Globo, 31/12/2007, O País, p. 3

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