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I SEMINÁRIO ETNO-AMBIENTAL INDÍGENA DE RORAIMA

Cir-Boa Vista-RR
27 de Nov de 2003

"Os Povos Indígenas Respeitam o Meio Ambiente"

Boa Vista, RR, 5 a 8 de Outubro de 2003

CARTA ABERTA AS AUTORIDADES

Nós, lideranças indígenas do estado de Roraima, somando 370 pessoas, representando os povos Macuxi, Taurepang, Yanomami, Ye'kuana, Wapichana, Ingaricó, Patamona, Sapará e Wai Wai, preocupados com nosso meio ambiente, realizamos nos dias 5 a 8 de outubro de 2003, na Casa Paulo VI, o 1o SEMINÁRIO ETNO-AMBIENTAL INDÍGENA DE RORAIMA, com o tema "Os Povos Indígenas Respeitam o Meio Ambiente", com a participação das organizações indígenas CIR, APIRR, OMIR, OPIR e TWM, e as instituições CEI, FUNAI-RR, INPA-RR, Urihi - Saúde Yanomami, Pastoral Indigenista, Nós Existimos, Diocese de Roraima, Embrapa, Ibama-RR, CCPY-RR, ADAWA, CUT-RR, Trabalhadores Rurais e Urbanos. Durante quatro dias, após apresentações e explicações sobre a Conferência Nacional de Política Indigenista e Conferência Nacional do Meio Ambiente, debatemos, ouvimos palestras e trabalhamos em grupo. Logo em seguida, de 9 a 11 de outubro de 2003, participamos da Pré-Conferência Nacional do Meio Ambiente em Roraima. Estas são nossas considerações, conclusões, denúncias, reivindicações e contribuições.

Nós, povos indígenas, praticamos tradicionalmente a conservação e o uso sustentável da natureza em nossas terras, segundo nossos usos, costumes, crenças e tradições, em outras palavras, segundo nossas próprias leis. Pelo que vemos os projetos dos "brancos", na maioria das vezes, são altamente destruidores do Meio Ambiente. Com nossos modelos de vida, conservamos rios, lagos, igarapés, fauna, flora, montanhas, o ar, a biodiversidade, o subsolo, através do uso sustentável da natureza.

Só podemos continuar conservando o Meio Ambiente, se tivermos nossas terras demarcadas, homologadas e livres de invasores, ou seja, se forem garantidos e respeitados nossos direitos à posse permanente das terras e usufruto exclusivo dos recursos naturais, conforme assegurado na Constituição Brasileira. Por isso, consideramos que a principal estratégia de conservação ambiental é representada pela demarcação, homologação e proteção efetiva de todas as nossas terras. Entendemos que a conservação de nossas terras, que representam 20% da Amazônia Brasileira e mais da metade de suas florestas, tem um valor não só para nós, mas para todos os brasileiros e para o mundo inteiro. Nesse sentido, reivindicamos o desenvolvimento de políticas específicas e diferenciadas (isto é, respeitando nossas culturas : línguas, crenças, tradições, organização social, arquiteturas, medicinas e saberes tradicionais) de valorização dos serviços ambientais que prestamos ao planeta, sem prejuízo ao usufruto exclusivo dos recursos naturais de nossas terras.

Nesse 1o Seminário Etno-Ambiental Indígena de Roraima chegamos à conclusão que, com relação ao meio ambiente, continuamos "invisíveis" para o governo e o Estado brasileiro. A configuração jurídico-institucional do Sisnama apresenta uma lacuna fundamental na consideração dos povos indígenas, não reconhecendo nossas terras como espaço culturalmente e juridicamente diferenciado. Da mesma forma, o Texto-base da Conferência Nacional do Meio Ambiente, não reflete nossos anseios e visões. Para superar esse impasse, propomos a realização de uma Conferência Indígena de Meio Ambiente.

Com relação ao SISNAMA, consideramos fundamental o reconhecimento do papel e da importância dos indígenas no uso e manejo adequado do meio ambiente; o reconhecimento das terras indígenas como unidades jurídico-administrativas específicas na gestão territorial, ambiental e dos recursos naturais; e a garantia de que os modelos e as políticas de gestão do meio ambiente não venham prejudicar o usufruto exclusivo indígena dos recursos naturais de nossas terras, garantidos pela Constituição.

Desta forma, apresentamos nossas propostas à Conferência Nacional do Meio Ambiente, com a intenção de contribuir na construção de políticas públicas democráticas e de inclusão dos povos indígenas na implementação do SISNAMA. Queremos ter voz e vez no governo do presidente Lula; queremos políticas indigenistas e ambientais transparentes e eficazes; queremos viver em paz em nossas terras e livres de invasões, sem ver nossas lideranças assassinadas. Por fim, reafirmamos nosso desejo de ver a Terra Indígena RAPOSA SERRA DO SOL homologada nos termos da portaria 820/98, e esperamos que nossas terras e nossos direitos jamais sejam objetos de negociações políticas e/ou eleitoreiras.

Boa Vista, RR, 11 de outubro de 2003

Segue o Documento Final do Seminário.

I SEMINÁRIO ETNO-AMBIENTAL INDÍGENA DE RORAIMA

BOA VISTA, RR 5 A 8 DE OUTUBRO DE 2003

DOCUMENTO FINAL

I. INTRODUÇÃO

Nós, povos indígenas participantes do I Seminário Etno-ambiental Indígena de Roraima e da Pré-Conferência Nacional do Meio Ambiente em Roraima, CONSIDERANDO QUE:

1. O Texto base da Conferência Nacional do Meio Ambiente não reflete nossos anseios e visões. Redigido numa linguagem de difícil compreensão, apresenta uma lacuna fundamental na consideração dos povos indígenas, não reconhecendo as Terras Indígenas como espaço culturalmente e juridicamente diferenciado.

2. A elaboração participada de propostas diretamente pelas bases requer uma discussão prévia nas comunidades. Para tanto é necessário um processo de informação e discussão que respeite as formas de organização e os tempos dos povos e das comunidades indígenas.

reivindicamos:

1. Realização de uma Conferencia Indígena de Meio Ambiente, estadual e nacional;

2. Realização de Oficinas de Capacitação para os Povos Indígenas participarem do MMA;

3. Incluir representantes de organizações indígenas nas instâncias do MMA.

com relação ao SISNAMA, consideramos fundamental:

1. Reconhecer as terras indígenas como unidades jurídico-administrativas específicas na gestão territorial, ambiental e dos recursos naturais.

2. Reconhecer o papel e a importância de nós povos indígenas no uso e manejo adequado do meio ambiente.

3. Garantir que os modelos e as políticas de gestão do meio ambiente não venham prejudicar o usufruto exclusivo indígena dos recursos naturais de nossas terras, garantido pela Constituição.

4. Revogar imediatamente os decretos de criação de Unidades de Conservação sobrepostas a Terras Indígenas.

II. MoçÕES de Apoio:

Nós, povos indígenas participantes do I Seminário Etno-ambiental Indígena de Roraima e da Pré-Conferência Nacional do Meio Ambiente em Roraima,

1. Discussões Ambientais: apoiamos a realização de discussões ambientais após a realização da Conferência Nacional do Meio Ambiente, através de ações concretas promovidas pelo IBAMA em parceria com todos os órgãos ambientais em nível estadual e municipal e com a mais ampla participação da sociedade civil.

2. Regularização Fundiária: apoiamos a regularização fundiária de todas as terras indígenas, por serem estas fundamentais para manter a biodiversidade. Queremos afirmar nossa importância nesse cenário, pois fazemos parte dele e muito temos contribuído pelo nosso manejo sustentável. Na oportunidade queremos reforçar nosso apoio para a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

3. Mercosul: apoiamos a inclusão da Venezuela no Mercosul.

III. Moções de Repúdio:

Nós, participantes do I Seminário Etno-ambiental Indígena de Roraima, e Pré-Conferência Nacional do Meio Ambiente em Roraima,

1. Texto-Base: repudiamos o texto-base da Conferência pela falta de clareza e acessibilidade da informação, conseqüência da linguagem técnica utilizada, e generalidade de propostas e conteúdos, além da metodologia que não atendeu aos objetivos de participação esperados. O Texto base da Conferência Nacional do Meio Ambiente não reflete nossos anseios e visões, porque ele apresenta uma lacuna fundamental na consideração das Terras Indígenas como espaço culturalmente e juridicamente diferenciado.

2. Texto-Base: repudiamos a maneira como foi feito o texto base da Conferência Nacional do Meio Ambiente, sem a nossa participação. Conhecemos nossas realidades e somos capazes de organizar um texto de maneira acessível a todos os povos indígenas com auxílio dos técnicos do meio ambiente. Queremos a demarcação e homologação de nossas terras, para continuarmos o que sempre fizemos: a proteção, conservação e uso sustentável do meio ambiente, da biodiversidade e dos recursos hídricos.

3. Recursos hídricos, unidades de conservação e entorno das Terras Indígenas: estamos assustados com o desrespeito de nossos direitos e repudiamos as propostas e os projetos encaminhados sem nosso conhecimento, consulta ou apóio sobre nossos recursos hídricos (rios, igarapés, lagos, nascentes, etc); sobre Unidades de Conservação sobrepostas às Terras Indígenas, que consideramos ilegítimas e das quais reivindicamos a revogação imediata; sobre o uso da terra e do fogo em áreas do entorno, que geram impactos sobre nossas terras e recursos naturais.

4. Transgênicos: repudiamos o Governo Federal pela edição da Medida Provisória 131 que liberou o plantio de soja transgênica sem a realização prévia de todos os estudos científicos assegurando que a produção e o consumo de produtos geneticamente modificados não oferecem qualquer prejuízo à saúde humana e ao meio ambiente.

5. Patrocínio: repudiamos o apoio da Empresa Ouro-Verde Agro-silvo-pastoril à Pré-Conferência Nacional do Meio Ambiente em Roraima.

6. Acácia Mangium e Fábrica de Celulose: repudiamos os plantios de acácia mangium em Roraima, e a instalação de uma fábrica de polpa de celulose em Boa Vista, principalmente pelo fato da sociedade local não ter sido suficientemente esclarecida sobre os prejuízos ambientais e humanos que esse empreendimento traz ao povo de Roraima.

7. Lavouras de arroz: repudiamos as lavouras de arroz irrigado, instaladas ilegalmente em terras indígenas.

8. Crimes contra os conhecimentos indígenas: repudiamos os crimes cometidos contra os conhecimentos dos povos indígenas. Lembramos que muito de nossos conhecimentos foram roubados e muitos de forma violenta, pois agrediram todos os povos indígenas em seus conhecimentos. Assim, queremos repudiar a prática da biopirataria, por exemplo, o patenteamento pelo químico Conrad Gorinski, que roubou o conhecimento Wapichana.

9. Terras Indígenas: repudiamos a forma com que o Governo Federal vem tratando os povos indígenas. Até o momento não houve uma sinalização positiva, principalmente na construção e implementação de políticas indigenistas positivas que respeitem os direitos e interesses dos povos indígenas. Repudiamos a demora na regularização fundiária das Terras Indígenas e queremos um sinal para os povos indígenas, a começar pela homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

10. Estruturação do SISNAMA: repudiamos a estruturação do SISNAMA por não prever órgãos e níveis de elaboração e implementação da política nacional do Meio Ambiente que reconheçam a necessidade de uma política diferenciada de gestão ambiental para as terras indígenas. Com cerca de 13% do Território Nacional, e fatias bem maiores de ecossistemas naturais bem preservados, as Terras Indígenas desempenham um papel estratégico para o Meio Ambiente no Brasil. Reivindicamos, portanto, que o tema Meio Ambiente nas Terras Indígenas seja adotado como tema estratégico da política nacional do Meio Ambiente, a ser abordado de forma específica e diferenciada, pois os modelos e as políticas do meio ambiente não podem prejudicar o usufruto exclusivo dos recursos naturais de nossas terras, garantido pela Constituição.

IV. DENUNCIAS

Nós, participantes do I Seminário Etno-ambiental Indígena de Roraima, e Pré-Conferência Nacional do Meio Ambiente em Roraima, denunciamos os seguintes problemas, já de conhecimento das autoridades competentes, porém até agora sem as devidas soluções:

1. Lixões nas terras indígenas, causados pelas Prefeituras: Uiramutã (TI Raposa Serra do Sol); Pacaraima (TI São Marcos) e Cantá (TI Tabalascada);

2. Em Roraima as Terras indígenas são as áreas que apresentam mais invasões: há invasão de não índios nas terras indígenas destruindo o meio ambiente e desestruturando o meio social das comunidades indígenas; há entrada de fazendeiros, enganando os indígenas, destruindo e mandando os indígenas destruir o meio ambiente; há entrada de garimpeiros, a procura de ouro e outros minérios, que poluem a água, desmatam buritizais e fazem buracos, manualmente e com maquinários, que com chuva e enchentes causam desmoronamentos e estragos, deixando erosões enormes; as valas deixadas pelos garimpeiros contribuem, em muitos lugares, para secar lagos que nunca haviam secado;

3. A vila de Pacaraima, instalada ilegalmente dentro da TI São Marcos, causa enormes destruições ao meio ambiente, como desmatamento, lixeiras, poluição e esgotamento de recursos hídricos. O próprio Juiz Federal concedeu liminar a favor da destruição, quando as comunidades indígenas pretendiam construir um cercado para coibir o avanço da destruição ambiental. Até hoje continua o desmatamento;

4. Nas regiões do Baixo Cotingo e Surumu, da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, plantadores de arroz irrigado, com uso de maquinários pesados, destruíram muitos lagos que antes tinham fatura de peixe e hoje não existem mais. Ainda hoje continuam desmatando, e nada acontece com eles;

5. Quando um índio tira 10 estacas para construir seu cercado e derruba para fazer sua roça, dentro da Terra Indígena, o IBAMA multa o índio. Os grandes proprietários e invasores nunca são multados: o fazendeiro desmata tudo, com licença, enquanto os pequenos colonos ficam sem madeira para construir sua casa. Em muitos casos o IBAMA não respeita o meio ambiente, pois não puni os infratores;

6. O povo Yanomami continua lutando pela conservação do seu meio ambiente floresta e contra as invasões, pois garimpeiros e fazendeiros continuam invadindo a Terra Indígena Yanomami. Se avançar a destruição, como é que os indígenas vão viver futuramente ?

7. Várias leis e órgãos públicos não respeitam os indígenas. Muitos não-indígenas desrespeitam a lei: cada um precisa respeitar a terra do outro. As condições de trabalho de muitos órgãos são inadequadas: por exemplo, falta uma ação conjunta entre os órgãos ambientais e indigenistas;

8. Ainda falta demarcar e/ou homologar várias terras indígenas: por exemplo, a Terra Indígena Raposa Serra do Sol está sendo objeto de negociação, sem respeito aos povos que ali moram;

9. Os mais ricos não querem saber dos mais pobres, maltratam desrespeitam o meio ambiente. Não é justo respeitar só quem tem dinheiro. Há não-índios que não têm terra e ficam sofrendo da mesma forma que nós indígenas. O governo do Estado nos agride, nós que não temos dinheiro ou apoio, e dá apoio para quem já tem como produzir. Uma só pessoa, o Suíço, plantou um 'monte' de acácias, próximo de terras indígenas, tomando o espaço de outros, com o apoio do governo do Estado.

10. Hoje, desenvolvimento quer dizer destruição. Ver o que tem numa terra e buscar a forma mais rentável e imediata de fazer dinheiro: vender a madeira, acabar com a floresta, tirar o minério, construir uma cidade, uma estrada, pouco importando se polui o rio, se queima tudo e acaba com a qualidade do ar. Esse tipo de desenvolvimento é que nós povos indígenas somos contra.

V. Documentos dos Grupos Temáticos

GT 1 - RECURSOS HIDRICOS

1. É fundamental reconhecer a importância e valorizar o papel de terras e povos indígenas no uso e manejo adequado dos recursos hídricos.

2. Os mecanismos institucionais de gestão descentralizada e participativa dos recursos hídricos, a serem implementados na figura dos comitês de bacia hidrográfica, devem levar em consideração e ressalvar os direitos indígenas garantidos constitucionalmente.

3. A composição de comitês e demais órgãos para a gestão dos recursos hídricos deve contemplar a participação dos povos indígenas, em medida e com poder correspondente à relevância das terras indígenas na bacia considerada.

4. A implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos deve ressalvar os direitos indígenas, independentemente dos princípios de funcionamento adotados.

5. É preciso reconhecer as terras indígenas como unidades jurídico-administrativas específicas na gestão os recursos hídricos.

6. É preciso envolver os povos indígenas nas ações de informação e educação sobre gerenciamento dos recursos hídricos.

7. É preciso fortalecer organizações e povos indígenas na busca do uso racional, despoluição e ampliação de oferta de água de boa qualidade.

8. Na estruturação dos sistemas estaduais de gerenciamento e fortalecimento dos comitês de bacias como instâncias de negociação e gestão coletiva dos recursos hídricos, os direitos indígenas precisam ser respeitados, e sua participação garantida.

9. A implementação de mecanismos de cobrança pelo uso da água nas diversas bacias hidrográficas do País deve respeitar os direitos e ressalvar usos, costumes e tradições indígenas.

10. Os projetos de difusão e de pesquisa científico-tecnológica para o uso sustentável e a conservação dos recursos hídricos devem priorizar as comunidades indígenas.

11. A implantação do Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos e de um cadastro nacional de usuários desses recursos, deve ressalvar os direitos indígenas.

12. O acesso igualitário à informação sobre o uso da água para os diferentes atores envolvidos na gestão desse recurso deve incluir as comunidades indígenas em formas adequadas a suas realidades.

13. A previsão de metas de qualidade para o futuro dos mananciais deve respeitar os direitos indígenas.

14. Os estímulos e apoios à realização dos planos de bacias, devem ser desenvolvidos em conjunto com as comunidades e os povos indígenas, quando for o caso.

GT 2 - BIODIVERSIDADE

1. As terras e territórios indígenas contêm a maior parte da diversidade biológica do mundo: regularizar (demarcar, homologar), e livrar as terras indígenas de invasões, representam as pré-condições necessárias para sua conservação e uso sustentável.

2. A biodiversidade tem se mantido preservada graças aos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas: é preciso reconhecer e valorizar tais conhecimentos como saber e ciência, em termos eqüitativos aos ocidentais, como contribuição para seu uso ecologicamente sustentável e socialmente justo.

3. E preciso adotar um instrumento universal de proteção jurídica dos conhecimentos tradicionais.

4. Nós povos indígenas possuímos regras internas de uso (manejo tradicional) da biodiversidade, que devem ser respeitadas. Estas regras têm contribuído para sua preservação e uso sustentável.

5. Nós povos indígenas somos importantes na construção de modelos e normas de uso sustentável da biodiversidade: este processo inclui obrigatoriamente nossa participação e consentimento.

6. O acesso aos recursos genéticos das terras indígenas e aos conhecimentos tradicionais associados, deve ter o consentimento prévio e informado, com a repartição justa e eqüitativa dos benefícios, conforme prevê a CDB (Convenção da Diversidade Biológica).

7. Deve haver atuação conjunta das organizações que trabalham com povos indígenas e a participação de nossas organizações no combate à biopirataria.

8. Os prejuízos e danos à biodiversidade devem ser ressarcidos.

9. Nós povos indígenas temos que ser apoiados pelo governo (MMA) para proteger a biodiversidade.

10. Nós povos indígenas consideramos grandes desmatamentos e queimadas, uso de agrotóxicos, poluição e despejo de lixo, plantações de acácias, eucaliptos e outras monoculturas, realizadas nas terras indígenas ou em seu entorno, como praticas que ameaçam ou destroem nossa biodiversidade.

GT 3 - ESPAÇOS TERRITORIAIS PROTEGIDOS

1. Nós povos indígenas praticamos tradicionalmente a conservação da natureza em nossas terras, segundo nossos usos, costumes e tradições, em outras palavras segundo nossas leis. Nós povos indígenas não entendemos a conservação como o branco. Por exemplo, não entendemos porque precisa de 10% do que o branco chama "proteção integral". Por um lado conservar só 10% da natureza nos parece pouco ; por outro lado não vemos a necessidade de excluir o homem do uso da terra e dos recursos naturais. Nós conservamos a biodiversidade através de conhecimentos tradicionais associados, saberes que foram desenvolvidos e repassados através do uso; deixando de usar a biodiversidade também deixaríamos de conservá-la.

2. Só podemos continuar conservando a biodiversidade por meio da segurança de nossas terras. Por isso consideramos que a principal estratégia de conservação da biodiversidade é a regularização fundiária e a proteção efetiva de todas as terras indígenas. Também entendemos que as estratégias dos brancos não podem se aplicar ás terras indígenas: consideramos ilegítimas as Unidades de Conservação sobrepostas às Terras Indígenas, e reivindicamos sua revogação imediata.

3. Entendemos que a conservação de nossas terras tem um valor não só para nós, mas para todos os brasileiros e para o mundo inteiro. Neste sentido, nossas terras também são Espaços Territoriais Protegidos, mas as leis e as políticas de conservação não reconhecem isso. Nelas nós conservamos não só a biodiversidade, mas também e principalmente nossas identidades, culturas e autonomias. Neste sentido reivindicamos o desenvolvimento de uma discussão mais aprofundada para a elaboração de políticas específicas e diferenciadas de valorização dos serviços ambientais das terras indígenas, com a participação direta de nossas lideranças e organizações, segundo nossos usos costumes e tradições, que envolvam não só o uso sustentável da biodiversidade, mas também o respeito e a valorização de todos os aspectos de nossas culturas, incluindo línguas, crenças, arquiteturas e medicinas indígenas, saberes tradicionais, formas de repasse dos mesmos, entre outros.

4. Em nenhum caso os modelos e as políticas de conservação da biodiversidade e do meio ambiente, ou as demais do SISNAMA, podem prejudicar o usufruto exclusivo dos recursos naturais de nossas terras, garantido pela Constituição.

5. Como a criação de unidades de conservação, também a regularização das terras indígenas representa uma estratégia para a conservação da biodiversidade: por esse motivo é fundamental demarcar, homologar e registrar as Terras Indígenas, e apoiar os povos indígenas na proteção de suas terras.

6. Como as unidades de conservação, as terras indígenas não representam obstáculos ao desenvolvimento.

7. O SNUC apresenta uma lacuna relevante ao não considerar as terras indígenas como categorias específicas e diferenciadas de espaços territoriais protegidos.

8. A gestão integrada dos corredores ecológicos, incluindo as Terras indígenas, não pode prejudicar o usufruto exclusivo dos recursos naturais de nossas terras.

9. Reivindicamos um espaço diferenciado para valorização dos modelos indígenas de educação ambiental, na forma de repasse de conhecimentos tradicionais.

10. A proteção e a valorização cultural indígenas, também precisam ser adotadas como indicadores de sustentabilidade.

11. A inclusão das terras indígenas nos esforços de conservação não pode envolver qualquer redução do usufruto exclusivo dos recursos naturais de nossas terras.

12. A resolução dos conflitos socioambientais não poderá ser realizada em detrimento de nossos direitos.

13. As nascentes e cabeceiras de rios situadas em terras indígenas merecem proteção, sem prejuízo de nossos direitos.

14. Os órgãos estaduais e municipais de meio ambiente não podem ser fortalecidos se estados e municípios desrespeitam nossos direitos ou atuam de forma ilegal dentro de nossas terras; através de nossas organizações nós temos conhecimentos e capacidades para assumir explicitamente a conservação e a gestão ambiental de nossas terras.

15. Reivindicamos ampla participação de nossos representantes na elaboração e implementação de políticas de proteção ao patrimônio genético, garantindo o envolvimento e o acompanhamento das bases.

16. Reivindicamos a definição e o desenvolvimento de estratégias específicas de apoio à gestão ambiental e produção sustentável em terras indígenas.

17. Reivindicamos a definição de uma estratégia de valorização dos serviços ambientais, que envolva a utilização dos fundos de forma solidária entre povos e terras indígenas, priorizando a recuperação das terras degradadas e que apresentem passivos ambientais, independentemente das áreas de arrecadação.

18. Reivindicamos que apoios e repasses de recursos federais para estados e municípios na implementação de políticas de conservação sejam condicionados ao pleno respeito dos direitos e das terras indígenas por esses estados e municípios.

GT 4 - AGROPECUÁRIA, PESCA E FLORESTAS

1. A regularização fundiária, homologação, registro e proteção das terras indígenas são fundamentais para que os povos indígenas cuidem do meio ambiente de suas terras.

2. Reivindicamos políticas de apoio ao diagnóstico etno-ambiental em Terras Indígenas como ferramenta base para a gestão e o manejo dos recursos naturais.

3. Reivindicamos a promoção de reuniões anuais a nível local, regional, estadual e nacional, para a gestão ambiental das Terras Indígenas.

4. Reivindicamos continuidade e ampliação dos trabalhos de combate, controle e manejo do fogo em Terras Indígenas e áreas de entorno.

5. O aproveitamento dos recursos florestais e pesqueiros das Terras Indígenas deve ser feito de forma sustentável e de acordo com os anseios das comunidades indígenas.

6. Reivindicamos programas de apoio à produção e auto-sustentação, com apoio técnico e capacitação, respeitando os anseios das comunidades, fundamentais para o bem-estar das comunidades indígenas.

7. Reivindicamos a criação de linhas de crédito específicas para as organizações indígenas em apoio às atividades produtivas comunitárias.

8. Reivindicamos estímulos e apoios à criação de canais de comercialização e valorização de produtos agrícolas indígenas cultivados sem o uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos.

9. Reivindicamos incentivos à recuperação dos cultivos indígenas tradicionais e suas variedades, como forma de melhorar a segurança alimentar das comunidades indígenas.

10. Reivindicamos incentivos para o plantio consorciado e diversificado de culturas agrícolas, frutíferas e florestais (SAF's).

11. Reivindicamos apoio a projetos comunitários de pecuária na região de lavrado, com assistência técnica e veterinária, incentivando a criação em forma harmoniosa com o meio ambiente.

GT 5 - MEIO AMBIENTE URBANO

1. O meio ambiente urbano não está desligado da qualidade de vida nas terras indígenas, sejam elas próximas ou distantes das cidades. As conseqüências do que ocorre nas cidades trazem muitas vezes danos ambientais, entre outros prejuízos, para dentro dos territórios indígenas.

2. O acúmulo e a dispersão do lixo, o uso de agrotóxicos, a construção de estradas e municípios dentro de terras indígenas, a qualidade dos meios de transporte, são alguns dos problemas que devemos pensar conjuntamente com as pessoas que residem nas cidades. Pois estas coisas que vêm das cidades, interferem diretamente em nossas comunidades, causando a redução de estoques alimentares (caça e pesca), a poluição de nossos rios, a destruição de nossas matas, mortes causadas pela construção de estradas e pelo transito de veículos em nossas terras, etc;

3. Reivindicamos a inclusão de representantes de povos e organizações indígenas nos Conselhos das Cidades e na discussão de uma agenda comum entre MMA e Ministério das Cidades, para que possamos participar efetivamente de todos os processos de formulação de políticas ambientais. Além do direito a sermos previamente informados dos empreendimentos previstos dentro de nossas terras, reivindicamos também o direito e a oportunidade de colaborar na construção de um processo de educação e conscientização ambiental.

4. Reivindicamos o cumprimento da lei de retirada de invasores, com a indenização aos danos ambientais causados, em nossas terras e seus entornos. Reivindicamos também que os povos indígenas sejam indenizados pelos prejuízos dos empreendimentos já realizados, a exemplo das sedes municipais instaladas ilegalmente dentro de terras indígenas.

5. Reivindicamos o reconhecimento dos Agentes Indígenas de Saneamento (AISAN) nas políticas ambientais urbanas em terras indígenas.

6. Reivindicamos a definição e efetivação de diretrizes de preservação e valorização da arquitetura indígena, em quanto patrimônio cultural e ambiental: por exemplo, na construção de escolas e postos de saúde indígenas, evitando a importação e transposição mecânica de modelos do espaço urbano.

7. Reivindicamos a realização de programas e ações de educação ambiental nas comunidades indígenas, com enfoque específico em problemas de origem urbana, como a gestão do lixo, conscientizando e incentivando a pratica da seleção, reciclagem e fiscalização.

GT 6 - INFRA-ESTRUTURA, TRANSPORTE E ENERGIA

1. Reivindicamos o resgate e a compensação dos prejuízos causados por empreendimentos já realizados em terras indígenas, antes de discutir novos empreendimentos.

2. Reivindicamos o resgate e a compensação dos prejuízos causados por empreendimentos já realizados no entorno das terras indígenas, já que estes também trazem prejuízos para as comunidades e o meio ambiente onde elas vivem.

3. Reivindicamos o direito de participar da discussão de ações que afetam comunidades e terras indígenas desde as fases iniciais de planejamento.

4. Nossas reivindicações já encaminhadas devem ser atendidas antes de serem discutidas novas propostas.

GT 7 - MUDANÇAS CLIMÁTICAS

1. Nós comunidades e povos indígenas estamos percebendo as mudanças climáticas e sendo atingidos por elas, como no caso dos efeitos de El Niño.

2. Reivindicamos uma atenção especial para levar as explicações das causas dessas mudanças ao conhecimento das comunidades, destacando o papel e as dinâmicas dos fenômenos relevantes mais próximos delas, como os desmatamentos e as queimadas.

3. Reivindicamos programas de capacitação diferenciada para que as comunidades indígenas possam analisar e discutir as conseqüências por elas percebidas, avaliar os impactos e buscar as soluções mais pertinentes e adequadas a suas realidades.

4. Reivindicamos programas e instrumentos específicos de apóio para a implementação das soluções identificadas. Entre elas, reivindicamos um programa específico de apoio à substituição das fontes energéticas, das fósseis para as renováveis, privilegiando os micro-geradores solares, eólicos e hidroelétricos de baixo impacto ambiental, e garantindo aos povos indígenas o direito de escolher as soluções energéticas para suas comunidades.

5. Reivindicamos a revisão dos compromissos da ECO-92, no sentido de garantir fiscalização e controle mais rígidos das emissões dos gases de efeito estufa, responsabilizando de forma eficaz os principais responsáveis, grandes indústrias e grandes desmatamentos, causados por grandes fazendeiros e madeireiros.

6. Reivindicamos a consideração dos serviços de captura de carbono e de estabilização do clima desempenhados pelas Terras Indígenas para a definição de Mecanismos de Etno-Desenvolvimento Limpo (MEDL), prevendo como contrapartida projetos destinados aos povos indígenas. No que diz respeito ao mecanismo MDL já existente, reivindicamos que os projetos beneficiários não envolvam nenhum impacto social ou ambiental em terras indígenas ou em seus entornos.

7. Reivindicamos o acesso a instrumentos e capacitação para controle e monitoramento da qualidade do ar nas comunidades indígenas, com particular atenção para aquelas próximas das cidades ou com risco de exposição a atividades potencialmente poluidoras.

8. Reivindicamos o desenvolvimento de projetos diferenciados, de Educação Ambiental para um consumo sustentável, voltados para as necessidades e as realidades específicas das comunidades indígenas.

9. Reivindicamos a capacitação de técnicos indígenas, e a participação de organizações indígenas, nas atividades de monitoramento das mudanças climáticas e na definição de uma agenda positiva de combate aos desmatamentos e às queimadas.

10. Reivindicamos a participação das organizações indígenas na definição de incentivos e políticas públicas para reduzir o efeito estufa e regulamentar o mercado de carbono.

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