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Homem provocou mudança no curso da Terra

O Globo, Sociedade, p. 27
03 de Out de 2017

Homem provocou mudança no curso da Terra
Pesquisadores indicam que eventos climáticos marcam origem de um novo período geológico, o Antropoceno
Planeta registrou mais erosões, perturbações químicas do ciclo de carbono em larga escala e aumento do nível do mar

RENATO GRANDELLE
renato.grandelle@oglobo.com.br

Os sinais já estão aí. Pesquisadores da Universidade de Leicester, no Reino Unido, alertaram ontem, na revista on-line "Anthropocene", que existem indicadores suficientes demonstrando que o impacto humano mudou o curso do planeta, iniciando um novo período geológico, o Antropoceno.
No documento, os cientistas propõem: "Nossas descobertas sugerem que o Antropoceno deve substituir a era do Holoceno, que foi marcada por 11,7 mil anos de relativa estabilidade ambiental, desde o recuo da última Idade do Gelo". O novo período geológico, por sua vez, conta com aceleradas mudanças no planeta, como o avanço das ocorrências de erosão e sedimentação; perturbações químicas em grande escala dos ciclos de carbono, nitrogênio, fósforo e outros elementos; e o início de mudanças significativas relacionadas ao clima global e ao aumento do nível do mar. Todos os fenômenos provocaram alterações na biosfera, incluindo registros inéditos de espécies invasoras de outros habitats.
- Geologicamente, o século XX representa o nível mais sensível para o início do Antropoceno, pois trouxe grandes mudanças globais para muitos dos ciclos químicos fundamentais da Terra, além de introduzir grandes quantidades de novos materiais, como plásticos, concreto e alumínio, que terão um papel determinante no futuro - explica Mark Williams, professor da Escola de Geografia, Geologia e Meio Ambiente da Universidade de Leicester.
Williams é membro do Grupo de Trabalho do Antropoceno, que analisa desde 2009 a eventual formalização deste período geológico, cujo nome foi cunhado nove anos antes pelo holandês Paul Crutzen, vencedor do Prêmio Nobel de Química. A equipe ainda procura um indicador definitivo que assinale a dimensão da influência humana sobre a dinâmica do planeta.
Presidente honorário do grupo, Colin Waters explica que, quando este trabalho for concluído, será submetido à análise pela Subcomissão de Estratigrafia Quaternária da Comissão Internacional de Estratigrafia, que avaliará a existência do Antropoceno e se pode ser qualificado como uma era sucessora ao Holoceno.
- Não há garantia do sucesso deste processo: a Escala de Tempo Geológico deve ser estável e não é facilmente alterada. Seja qual for a decisão tomada, a realidade geológica do Antropoceno está finalmente clara.
FENÔMENOS ACELERADOS
Professora titular do Instituto de Geociências da UFRJ, Ana Luiza Coelho Netto concorda que o planeta entrou em um novo período geológico e, para corroborar a tese, lembra o passado do estado do Rio.
- Desde o fim do último período glacial, há mais de 11 mil anos, o clima do Rio, que era seco e frio, tornou-se úmido e quente, e a vegetação do tipo pradaria transformou-se em floresta tropical - assinala. - Mas fenômenos que ocorriam em um intervalo de séculos, como mudanças no regime de chuvas e deslizamentos de encostas, podem agora acontecer em qualquer ano. É claro que as interferências humanas aceleraram, aumentaram e agravaram este processo.
No entanto, Luciano Zasso, professor do Departamento de Geografia da PUC-RS, recomenda cautela antes de abraçar o conceito de uma nova era geológica. Para ele, ainda é cedo para mensurar qual é o grau de influência do homem nas mudanças sofridas pelo planeta.
- O aquecimento global testemunhado atualmente também tem um componente natural, já que estamos fora da era glacial - pondera. - Por isso, o derretimento das calotas polares leva ao aumento do nível dos oceanos. Mas sabemos que também provocamos um impacto, embora seja difícil medilo. Hoje, calcula-se que de 6% a 10% do dióxido de carbono que chegou à atmosfera está relacionado à atividade humana. E este índice só tende a crescer.
Zasso destaca que as economias mais ricas e poluentes do planeta estão investindo fortemente em estratégias como fontes de energia alternativa para combater o crescimento de tempestades, furacões, secas prolongadas e chuvas acima da média.
- Acredito que ainda é cedo para bater o martelo e dizer que entramos no Antropoceno. Obviamente um planeta que é lar de sete bilhões de pessoas, que nutrem uma mentalidade consumidora e poluidora, sofre com o nosso comportamento. Mas qual é o percentual da contribuição do ser humano para as mudanças geológicas do planeta? Será que é suficiente para dizer que entramos em uma nova era? - questiona. - Ainda não sabemos a resposta.
Especialista em Análise e Risco Tecnológico e Ambiental, Moacyr Duarte avalia que, para a maioria dos cientistas, o homem está impulsionando uma mudança decisiva em ciclos de longo prazo do ecossistema do planeta. Entre as evidências, estão alterações na distribuição geográfica das chuvas, nos polos magnéticos da Terra e o aumento da temperatura dos oceanos.
- As mudanças climáticas mostram como mexemos no planeta. Trata-se de um dado que, além de mostrar a temperatura, também nos dá ideia das consequências sobre a umidade, as precipitações e o aumento na quantidade de gases de efeito estufa na atmosfera, entre outros fenômenos.

O Globo, 03/10/2017, Sociedade, p. 27

https://oglobo.globo.com/sociedade/impacto-humano-alterou-curso-da-hist…

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