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Hidrovia divide a população

Diário de Cuiabá-MT
Autor: Rodrigo Vargas
29 de Dez de 2001

Para os ribeirinhos, a hidrovia poderá trazer o progresso. Para os índios, progresso pode significar a morte.

Barcaças ancoradas no Tapajós: com o projeto da hidrovia embargado pela Justiça, moradores discutem que impactos ele poderá trazer
Principal obra de infra-estrutura prevista para a região do pontal, a hidrovia Teles Pires-Tapajós é motivo de controvérsia entre seus tradicionais moradores. Os ribeirinhos, diante do fim do ciclo do ouro, vêem a passagem das barcaças de soja como a única esperança de geração de emprego e renda. Para os índios, no entanto, a obra será atalho para a invasão e a exploração ilegal de suas áreas.

"Fizemos uma assembléia e ninguém quis aprovar. Nossa opinião é que se passar essa hidrovia, vai ficar mais fácil a entrada do madeireiro, do pescador, do grileiro", opina o munduruku Jairo Alves Torres, 33 anos, coordenador da Associação Pusuru - o nome significa "Caminhamos Juntos" -, entidade que representa 89 aldeias da etnia, cujo território abrange extensa porção de margens paraenses do Teles Pires e do Tapajós.

Torres diz ainda que a ampliação do tráfego nestes rios poderá prejudicar a ainda incipiente organização social das aldeias. "Essa obra vai trazer influências prejudiciais à cultura do índio. Pode haver exploração do trabalho, por exemplo. Também tememos o tráfico de drogas e a chegada de doenças".

O presidente da comunidade da Barra do São Manuel, Simar Rosário Corrêa, 36 anos, não pensa assim. Ele acredita que a hidrovia vai melhorar "em cem por cento" a vida dos ribeirinhos. "Para nós seria bom demais, um jeito da gente ganhar dinheiro e vender nossos produtos. Só que tem esse pessoal indígena que é contra", reclamou. "Aqui, quem não se defende no garimpo, não tem de onde tirar sustento. E como é que você vai plantar uma roça grande?", questiona.

Luís Mendes, também morador da Barra, vê outro benefício: o barateamento de produtos e gêneros alimentícios. Como tudo o que é consumido tem de vir em barcos pequenos - os únicos capazes de superar os trechos de corredeiras -, os preços cobrados pelos comerciantes são muito altos. "A hidrovia vai facilitar o acesso a muitos produtos também. Como o óleo diesel, que a gente precisa para tocar o gerador".

A polêmica é inútil, diz Gaspar Saw, 28 anos, morador da aldeia munduruku Primavera - localizada em frente à Barra. "Essa obra vai trazer muitos problemas para toda a população ribeirinha, branca ou índia. Se começarem a faltar os peixes, todos serão prejudicados. Se os tracajás não tiverem mais praias para colocar seus ovos, também. Esse projeto não deve acontecer".

DISCUSSÃO - "Eu defendo uma discussão mais ampla sobre o assunto. Até mesmo para que todos saibam do que se trata", opina o índio Isaias Krixi Munduruku, vice-prefeito do município de Jacareacanga (PA) e um dos fundadores da Pusuru.

Ele se diz favorável à obra, desde que os benefícios prometidos cheguem de fato às comunidades ribeirinhas. "O governo, que é o maior interessado em que isso saia do papel, vai ter de beneficiar toda a população carente da região. Porque nós temos ribeirinhos vivendo em situação crítica nesta região".

Segundo ele, o desenvolvimento econômico traz "várias coisas boas e ruins", e as comunidades indígena e ribeirinha têm de estar preparadas para isso. "Nós estamos preocupados porque, com a hidrovia, a agricultura em larga escala vai se aproximar cada vez mais desta região. É com isso que precisamos estar atentos. Com o futuro".

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