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Heróis de Lula

O Globo, Economia, p. 28
22 de Mar de 2007

Heróis de Lula

É bom morar num país onde o presidente tem heróis. Muitos, pelo visto, pois só nos últimos dias o presidente Lula encontrou dois grupos de heróis: seus ministros e os usineiros. O problema são os percalços. A repórter Soraya Aggege visitou, na semana passada, alguns canaviais e foi impedida de falar com os trabalhadores e ver os alojamentos onde os migrantes nordestinos moram. Deve ser resultado de uma heróica modéstia de nossos heróis.

Os usineiros de Lula certamente mantêm para seus trabalhadores alojamentos confortáveis. Registram todos nos contratos de trabalho exigidos por lei, inclusive os temporários. Afinal, que a lei vigore enquanto dure o trabalho! É assim que pensam, certamente. Não aceitam recrutá-los como rebanhos através dos antigos "gatos". Isso seria impessoal e desumano. Não os submetem a regimes em que, para ganhar um pouco mais, eles se matam de trabalhar. A morte por exaustão, a repórter contou, tem até nome: é birola.

O problema são os percalços: a Polícia Ambiental fez 64 autuações este ano por desmatamento ilegal apenas na região de São José do Rio Preto. Os heróis queriam ampliar a plantação de cana-de-açúcar, e entraram na área da reserva legal. Foram 100 hectares desmatados ilegalmente. Mas o que são 100 hectares? Apenas 100 campos de futebol. O problema é ser em uma região já suficientemente desmatada. Mas isso é detalhe, como também é detalhe o fato de que os policiais descobriram destruição de nascentes de rios.

Deve ser por puro heroísmo que fazem isso.

Na Fazenda Ibirapuera (SP), foram encontrados pelos fiscais do Ministério do Trabalho, pelo menos, 90 trabalhadores sem água, banheiro ou equipamentos de proteção. A usina respondeu que desconhecia que trabalhassem nessas condições. Claro, heróis que são não podem ficar olhando todos os pequenos detalhes.

Em 2006, numa fazenda em Bauru, do grupo Zillo Lorenzetti, os fiscais encontraram mais de 430 trabalhadores cortando cana das 7 às 18 horas, sem contrato de trabalho, ganhando menos que um mínimo. Em Pederneiras, 31 trabalhadores do mesmo grupo tinham vindo da Bahia e disseram para os fiscais que passavam fome.

Deve ser tudo mentira para empanar o brilho do heroísmo dos usineiros.

Outra atitude heróica é manter as queimadas da cana. Elas soltam uma fumaça particulada que faz muito mal à saúde, mas, explicam, fazem isso para garantir que haja trabalho para os milhares de nordestinos que batem às suas portas.

Como bons heróis, devem estar pensando em usar parte dos lucros, que ficarão maiores agora, para um forte programa de qualificação dos trabalhadores que os prepare para, no futuro, ingressar em outra atividade profissional. Ainda não vi notícia alguma sobre isso, mas deve ser culpa da imprensa. A imprensa é sempre culpada de tudo.

O grupo de heróis-ministros quase teve um integrante chamado Odílio Balbinotti.

Dono de uma fortuna de R$ 123 milhões, trabalharia no ministério apenas por heroísmo. Mas houve alguns percalços, mal compreendidos pelos vilões de sempre: os jornalistas. Desconfiaram - vejam só - de empréstimos milionários feitos para a empresa de Balbinotti no Banco do Brasil em nome de funcionários que ganhavam de R$ 800 a R$ 1.000 e que trabalharam apenas alguns poucos meses com o nosso ex-futuro herói. Olhem a maldade: é claro que ele havia, por heroísmo, considerado que esses trabalhadores eram seus verdadeiros sócios com os quais certamente dividirá, em algum momento, parte de seus lucros. Assim que eles pagarem os empréstimos milionários no Banco do Brasil. É uma pena ele não ter virado herói de Lula.

Existe agora um fazedor de heróis no campo brasileiro. É o filho do empresário Cecílio do Rego Almeida, Marcelo Almeida, que não conseguiu se eleger deputado. Mas quase: ficou para suplente. Por isso, quer que o governador Roberto Requião cumpra a promessa de campanha de fazer um paranaense ministro. Assim lhe sobra a vaga. O pai do fazedor de heróis tem sido acusado - injustamente, claro - de ter tomado uma área do tamanho de Bélgica e Holanda na região de maior diversidade do mundo, a Terra do Meio, na Amazônia. Se o fez, foi para melhor protegê-la da sanha dos grileiros que sempre rondam a floresta.

Mas aí vêm os percalços: a Justiça do Pará acabou de determinar que a empresa Incenxil - que fica nessa tal área, mas, segundo o advogado da CR Almeida, não tem qualquer vinculação com o grupo - desocupe as terras.

A Justiça atendeu a um pedido do Ministério Público, que considera que a área foi grilada. O Incra disse que essa é a maior grilagem do país. A empresa entrará com liminar para se defender da onda de anti-heróis: o Ministério Público, o Incra, a Justiça e, claro, a imprensa, que teima em dizer que aquela terrinha mínima, do tamanho de dois países, é um latifúndio. Que injustiça!

Entre os heróis de Lula no Ministério, vários passaram por percalços recentemente, mas há candidato que está há muitos anos nessa senda heróica. Reinhold Stephanes, na bica de voltar a ser herói, é um reincidente. Quase o foi no governo militar, quando presidiu o INSS, e depois virou herói nos governos Collor e FHC, quando assumiu a Previdência. Atos heróicos, já que é aposentado desde os 42 anos. Coisa de herói!

O Globo, 22/03/2007, Economia, p. 28

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