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Herói de guerra e cunhado do rei da Noruega, Erling Lorentzen ficou rico no Brasil e virou alvo dos ambientalistas

Valor Econõmico-São Paulo-SP
Autor: Ricardo Balthazar
08 de Out de 2003

Herói de guerra e cunhado do rei da Noruega, Erling Lorentzen ficou rico no Brasil e virou alvo dos ambientalistas

O estrangeiro inquieto que fez a Aracruz

Em março do ano passado, a Aracruz Celulose parecia acuada por seus adversários. Os ambientalistas estavam em pé de guerra. Uma lei estadual proibia a empresa de ampliar o plantio de eucalipto em suas terras. Políticos do Espírito Santo ameaçavam promover uma devassa nos negócios da companhia. Para o presidente do conselho de administração da Aracruz, Erling Sven Lorentzen, era hora de se mexer.

O empresário acionou seus contatos e foi a Brasília falar com altos funcionários do governo e parlamentares. Lorentzen disse a todos que o cerco à Aracruz prejudicava a imagem do país e afugentava investidores. No Congresso, ele sugeriu que a empresa se tornara alvo de chantagens e pediu aos dirigentes dos principais partidos que enquadrassem seus liderados no Espírito Santo.

A turbulência passou poucos meses depois sem maiores conseqüências, mas serviu para Lorentzen fazer mais uma exibição de força dentro da empresa que ele ajudou a fundar e transformou na maior produtora de celulose do país. "A única maneira de evitar problemas teria sido ficar em casa sem fazer nada", diz ele, um norueguês inquieto que completou 80 anos em janeiro.

Lorentzen vive no Brasil desde 1953 e dirige uma das maiores empresas do país, mas poucos brasileiros já ouviram falar dele. Herói de guerra, ele teve uma vida cheia de aventuras, mas raramente dá entrevistas para falar de si mesmo. Casado com a princesa Ragnhild da Noruega, ele é cunhado do rei Harald V e ficou rico com seus negócios, mas nunca aparece nas colunas sociais.

Tanta discrição tem muito a ver com o temperamento do empresário, mas pessoas que o conhecem há mais tempo acham que é questão de conveniência também. Na Noruega, os ataques dos ambientalistas são um prato cheio para os jornais e fizeram de Lorentzen uma fonte permanente de embaraços para o rei, que chegou ao Brasil sábado para uma visita oficial de cinco dias.

É uma questão incômoda para Lorentzen. Ele se julga incompreendido por seus compatriotas e gostaria de ter obtido no Brasil mais reconhecimento. "Esse homem é um dos maiores empreendedores que o país já teve, mas ninguém lhe faz justiça", afirma o ex-presidente da Companhia Vale do Rio Doce Eliezer Batista, um de seus melhores amigos.

Lorentzen nasceu numa época em que a Noruega era um país acanhado, com poucas oportunidades para alguém como ele. Seu pai era um armador bem-sucedido e o futuro de Lorentzen parecia comprometido com os navios da família. Mas sua sorte começou a mudar em 1940, quando os nazistas ocuparam a Noruega e Lorentzen entrou na resistência.

Ele tinha 17 anos. Treinado pelos ingleses e vivendo clandestinamente no interior da Noruega, Lorentzen passou a guerra explodindo depósitos de combustível e praticando atos de sabotagem. Encerrado o conflito, trabalhou alguns meses como guarda-costas da família real e foi estudar em Harvard, nos Estados Unidos.

De volta à Noruega dois anos depois, Lorentzen se envolveu com os negócios do pai, ajudou o exército a treinar um esquadrão de elite e voltou a trabalhar para a família real, agora como instrutor de vela das filhas do rei Olav V, Ragnhild e Astrid. Apaixonou-se pela primeira, caiu nas graças do rei e levou a princesa ao altar.

Lorentzen mudou-se para o Brasil depois do casamento e logo se viu definitivamente preso ao país. Ele começou ajudando o pai a lidar com agentes de navegação que o representavam na América Latina. Depois comprou da americana Esso uma distribuidora de gás de cozinha, a base do que hoje é a Supergasbras. Em seguida abriu sua própria companhia de navegação, a Norsul.

Por ser estrangeiro, Lorentzen era proibido pelas leis da época de atuar no ramo de navegação. Mas em 1967 ele encontrou um jeito de contornar o obstáculo. Registrou a empresa em nome da filha mais nova, Ragnhild, nascida no Brasil e batizada com o mesmo nome da mãe. Ela era um bebê com poucos meses de idade quando a Norsul foi fundada.

Foi nesse período que Lorentzen entrou no projeto da Aracruz. Eliezer Batista e o ex-ministro de Minas e Energia Antônio Dias Leite, na época consultor de empresas, começaram tudo. Eles persuadiram o regime militar a criar incentivos fiscais para estimular o plantio de eucaliptos e depois convenceram o governo a financiar uma indústria que quase ninguém considerava viável.

A celulose produzida a partir do eucalipto era considerada de má qualidade no mercado internacional. O Espírito Santo era muito atrasado e não tinha infra-estrutura adequada. No lugar escolhido para o empreendimento, não havia estradas para transportar a madeira e faltava um porto para embarcar a celulose.

Numa carta para Lorentzen, um executivo da International Finance Corporation (IFC), a agência do Banco Mundial que financia investimentos privados, escreveu em 1974 que o projeto era "extremamente ambicioso". Ele avisou que só daria dinheiro se os sócios estrangeiros da Aracruz tivessem um envolvimento maior com o projeto e um administrador experiente fosse contratado.

O governo deu de ombros. Ele controlava 41% do capital da nova empresa e financiou a maior parte do empreendimento, num período em que vários projetos grandiosos dos militares estavam nascendo. "A vontade política era maior que o cálculo financeiro", diz o economista Maurício Mendonça Jorge, diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e um estudioso da indústria de papel e celulose.

Lorentzen entrou no projeto porque tinha contatos com empresas do setor na Escandinávia e elas tinham dinheiro e tecnologia para a Aracruz. Aos poucos ele assumiu a liderança do negócio e ficou com a parte de Dias Leite, que não se dava bem com o então presidente Ernesto Geisel e foi afastado pelos outros sócios para não prejudicar as relações entre a empresa e o governo.

Lorentzen tinha apenas 5% da Aracruz no início. Ele arranjou capital vendendo a distribuidora de gás e negociando um empréstimo do banco estatal da Noruega, o Den Norske Bank, que virou seu sócio mais tarde. Aos poucos Lorentzen ampliou sua posição, comprando ações de grupos menores. Hoje ele tem 28%, como os outros sócios principais, o banco Safra e o grupo Votorantim.

A Aracruz sempre foi controvertida, e não apenas por causa das dúvidas sobre sua viabilidade comercial. Instalada num Estado muito pobre, ela sempre foi vista pelos ambientalistas como um mal a combater, e não como uma fonte de progresso. Num protesto em 1992, o Greenpeace chegou a bloquear o porto particular da Aracruz por três dias.

Os críticos nunca gostaram da forma como a empresa chegou, comprando terras de índios e pequenos agricultores que em geral foram engrossar os números da pobreza nas cidades. "A Aracruz é um obstáculo ao desenvolvimento sustentável do Estado", diz Marcelo Calazans, coordenador regional da Fase, uma organização não-governamental.

Mas os ambientalistas exageram bastante. Eles acusam a Aracruz de destruir a Mata Atlântica para plantar eucaliptos, mas a verdade é que não restava quase nada da floresta quando a empresa chegou ao Espírito Santo. A Aracruz tem investido muito em mecanismos de controle que atenuam os problemas causados pela sua fábrica ao meio ambiente.

Ela reduziu o consumo de água na produção de celulose e a emissão de substâncias nocivas na atmosfera. Pressionada por clientes europeus, diminuiu o uso de produtos químicos como o cloro. "Devemos agradecer aos ambientalistas porque nos alertaram para vários problemas cuja existência não teríamos percebido sozinhos", diz Lorentzen.

Com o tempo o empresário aprendeu a lidar com os críticos e ganhou o respeito de várias organizações não-governamentais. "Ele se preocupa com a influência da Aracruz sobre as pessoas e as empresas ao seu redor", afirma o diretor-executivo do recém-criado Instituto BioAtlântica, André Guimarães. Idéia de Lorentzen, a entidade recebe dinheiro da Aracruz e de outras empresas para desenvolver projetos de preservação da Mata Atlântica.

Cinco anos atrás, a Aracruz fez um acordo para encerrar sua antiga disputa de terras com os índios. A briga chegou ao auge em 1997, quando dois índios foram até a Noruega protestar em frente ao palácio real. Com a trégua, os índios conseguiram ampliar sua reserva dentro das terras da Aracruz e passaram a receber uma ajuda da empresa, equivalente a R$ 1,4 milhão por ano.

Lorentzen também tem procurado ser atencioso com os políticos. No ano passado, a Aracruz e duas outras empresas que ele controla distribuíram R$ 4,8 milhões para campanhas políticas no Espírito Santo e na Bahia. Lorentzen ajudou a eleger os governadores dos dois Estados, 13 deputados federais, 14 deputados estaduais e quatro senadores.

Foi uma reação ao susto que o empresário tomou quando a Assembléia Legislativa capixaba criou uma comissão para investigar a Aracruz e tentou forçá-lo a depor. A comissão teve suas atividades suspensas por uma ação judicial da empresa, mas serviu por uns meses de palanque para políticos ambiciosos. Alguns depois foram investigados por ligações com o crime organizado.

Nos últimos tempos, Lorentzen também cuidou de arrumar o futuro da família. O acordo de acionistas da Aracruz impede os sócios do empresário de romper o equilíbrio atual e avançar sobre seu pedaço na empresa. A combinação vale até 2008. Lorentzen tem ainda um acerto com o banco Safra que o protege até 2019 no caso de uma investida mais agressiva do grupo Votorantim.

Muitas pessoas têm dúvidas sobre o que acontecerá com a Aracruz quando Lorentzen não estiver mais por perto. "Ele teve várias oportunidades para vender sua parte, mas tem uma ligação afetiva com a empresa e não quis", diz o presidente da Fosfertil Ultrafertil, Francisco Gros, que presidiu a Aracruz nos anos 80.

Analistas do mercado financeiro acreditam que no futuro os herdeiros de Lorentzen tendem a se desfazer do negócio se receberem uma boa oferta. "Estamos satisfeitos com nossa posição e ninguém pensa nisso", desmente o filho mais velho do empresário, Haakon Lorentzen. Ninguém sabe o que vai acontecer, mas dificilmente a Aracruz será a mesma no dia em que não tiver alguém como Lorentzen no comando.

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