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Hepatite poderá dizimar povos indígenas no norte do Brasil

Adital-Fortaleza-CE
14 de Jun de 2004

Uma síndrome aguda, provavelmente ocasionada pela união dos vírus B e Delta da Hepatite, poderá dizimar, em 20 anos, os povos que vivem na segunda maior reserva indígena do Brasil: o Vale do Javari, no Estado do Amazonas, onde vivem 3.500 pessoas. Quem faz o alerta é o presidente da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, Jecinaldo Satere-Mawé. Não há estatísticas oficiais, mas o Conselho Indígena do Vale do Javari (Civaja) registra, semanalmente, índios da reserva que são transportados para receber atendimento de saúde. No ano passado, 15 indígenas, de diferentes povos, morreram vítimas da síndrome. Somente duas das vítimas fizeram o exame para identificar a presença do vírus da Hepatite no sangue e receberam resultado positivo.

Segundo o Civaja, o diagnóstico é sempre o mesmo: Síndrome Febril Ictero Hemorrágica Aguda. Entre outros sintomas, os infectados pela Hepatite Delta apresentam febre e hemorragia generalizada. Para confirmar a doença é necessária a realização de vários exames. "Uma vez manifestada a síndrome, as chances de salvar a vida do paciente estão sempre próximas de zero. Apenas a prevenção, através de vacina e uso de preservativo nas relações sexuais pode salvar essas pessoas, evitando a infecção simultânea da Hepatite dos tipos B e Delta", explica o especialista em doenças tropicais, infectologista e gerente do Hospital Geral das Clínicas de Rio Branco, no Acre, Thor Dantas.

Ele confirma que a região do Javari apresenta alto grau de contaminação pelos vários tipos de vírus de Hepatite, entre eles o da Hepatite Delta - forma muito agressiva e de difícil reversão da doença, que em sua manifestação aguda foi registrada pela história como "peste negra de Lábria". Uma característica importante da Hepatite Delta é que ela só se desenvolve a partir da convivência, no organismo, com o vírus da Hepatite B. É a união desses dois agentes infecciosos que provoca a síndrome. Os medicamentos para combater o vírus tipo Delta têm se mostrado ineficazes, alcançando sucesso em apenas 10% dos casos e provocando graves efeitos colaterais. Mas como é comprovada a eficácia da vacina contra o vírus B, sem o qual o delta não se manifesta, os especialistas acreditam que a prevenção por vacina do primeiro tipo impedirá o surgimento da chamada "superinfecção" que resulta da combinação dos dois vírus no organismo humano.

A reserva do vale do Javari, que tem dimensões territoriais semelhantes às de Portugal, abriga índios das etnias Knamari, Kulina, Matis, Mayuruna e Marubo. Em todo o território existe um único posto de saúde, localizado na cidade de Atalaia do Norte. A dificuldade de acesso à região e de deslocamento para outros centros é grande. A Fundação Nacional da Saúde (Funasa), órgão federal responsável pela saúde indígena, é acusado por entidades locais de omissão no atendimento às vítimas da síndrome. O sertanista Sidney Possuelo, coordenador-geral de Índios Isolados da Fundação Nacional do Índio (Funai) alerta que se a mesma situação fosse detectada "em qualquer cidadezinha" as autoridades sanitárias já teriam mandado isolá-la. Desde o dia 26 de dezembro do ano passado, a cidade de Atalaia do Norte está sem telefone, o que dificulta ainda mais a comunicação com a capital e o atendimento médico.

A coordenadora geral de Atenção à Saúde Indígena da Funasa, Iraneide Barros, rebate a crítica ao afirmar que a Fundação tem uma política para aquela região, mas reconhece a dificuldade de acesso, já que só dispõem de um barco. Ela acredita que nem todas as mortes ocorridas no Vale do Javari são decorrentes da superinfecção: "Nem todos apresentavam os sintomas da superinfecção e não morreram de febre hemorrágica", diz. Segundo ela, é preciso que sejam levantadas outras possibilidades, como o Hantavírus e a Malária.

O Conselho Indígena do Vale, em documento enviado às organizações indígenas, governo federal e órgãos governamentais envolvidos com direitos indígenas, considera a situação como calamidade pública. Os casos de Hepatite na área são registrados há três décadas e houve um agravamento no ano passado, com a morte de 15 índios "Toda semana acontece a remoção via aérea e fluvial de pacientes das comunidades de Itacoaí, Javari, Ituí, Jaquirana e Curuçá. Se continuar assim, calcula-se que em menos de 20 anos serão extintos os povos que habitam o Vale", diz o documento, assinado pelo coordenador geral do Civaja, Jorge Oliveira Duarte.

Em 1999, o Conselho assinou com a Funasa o Convênio de Saúde e, em 2003, formalizou uma parceria de co-gestão para tentar melhorar o atendimento à saúde na região. "A co-gestão não exime o governo federal de ser o primeiro responsável em garantir a proteção aos direitos indígenas, como o da saúde diferenciada", lembra o Civaja. Segundo o conselho, os esforços que tem sido feito para garantir o atendimento emergencial (campanha de vacinação, sorologia, levantamento de casos através de visitas às comunidades, coleta de sangue, prevenção de malária e consultas) não são suficientes para resolver o problema. "Nosso orçamento é limitado e cada rubrica já tem uma destinação. Os recursos para remoções aéreas e fluviais já ultrapassaram os limites. O orçamento não prevê verba para o atendimento de epidemias e situações tão graves como a que está acontecendo", relata o documento enviado ao governo federal.

O Civaja garante que a existência de casos de Hepatite no Vale foi registrada em relatório da Funai ainda em 1982 e que, no entanto, não foram tomadas providências para solucionar a questão. "Como se não bastasse, desde o dia 26 de dezembro a cidade de Atalaia do Norte está sem telefone, deixando a população sem comunicação com a capital do Estado e outras cidades", complementa Duarte. "Pedimos a todas as organizações indígenas do país e instituições parceiras dos povos indígenas que denunciem essa situação e exijam do governo e órgãos competentes, medidas emergenciais para atender às vitimas da Hepatite no Vale e controlar o avanço da epidemia, que ameaça acabar com os nossos povos", finaliza o documento.

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